Godzilla: nova versão aposta tanto no pavor da era nuclear quanto nos blue eyes de Aaron Taylor-Johnson


O longa-metragem resgata o clima de histeria das produções originais japonesas, procurando atualizar o tema para o mundo globalizado atual

Concebido originariamente como reflexo do pavor causado pela era nuclear, “Godzilla” (idem, Warner Bros, 2014) chega mais uma vez à telona, agora como fruto da globalização. É a primeira conclusão que se chega, lá pelo meio do filme, nesta nova versão orquestrada por Gareth Edwards, o britânico que ficou conhecido por “Monstros” (Monsters, Vertigo Films, 2010), produção bem recebida pela crítica. Dessa vez, ele elege outro inglês, Aaron Taylor-Johnson (Kick-Ass, Plan B Entertainment, 2010), como a bola da vez, depois da boa impressão que este causou em um filme adulto, com sua interpretação do Conde Vronsk no clássico de Tolstoi “Anna Karenina” (idem, de Joe Wright, Universal Pictures, 2012), quando provou ao mundo que pode render bem no papel de galã. Caprichoso, Edwards deve ter pesquisado as muitas ocasiões em que o gigantesco réptil japonês foi levado ao cinema, procurando se afastar ao máximo da desastrosa abordagem usada em 1998, última vez em que a criatura andou saracoteando pelo mundo, com sua cauda a derrubar arranha-céus. Um fiasco. Agora, nesta nova tentativa de emplacar o mostrengo pré-histórico, nota-se a preocupação em recuperar a essência da coisa, resgatando um ser que não é mau, mas destrutivo porque é colossal e, claro, como andou dormindo um tempão acorda em um mundo densamente povoado. Não deve ser nada fácil para alguém com suas dimensões se locomover pra lá e para cá com tanta gente miúda, tantas cidades, tantos carros, tantos trens e tantos prédios minúsculos para o seu monstruoso padrão.

Desde a última vez em que Godzilla deu as caras, muita coisa mudou no globo. A era da tecnologia da informação tomou conta do planeta, as distâncias se tornaram menores e a globalização transformou tudo aquilo que existia até então em uma grande geleia geral. Assim, o cineasta opta por descentralizar a ação em uma única cidade, como Nova York ou Tóquio, preferindo arrasar a grande região que pertence ao Pacífico, desde as ilhas asiáticas até a Costa Oeste americana porque, afinal, trata-se de uma produção hollywoodiana e, se a criatura der cabo apenas da Ásia, o público estadounidense não vai gostar. Assim, ele surge nas Filipinas, vai para o mar, dá pinta no Japão, vai para o Havaí, destrói umas urbes aqui e ali, detona Honolulu e, no final, a história acaba em São Francisco. E, já que a coisa toda já virou transcontinental, porque não aproveitar um dos monstros em cena (sim, ele não é o único) e o gancho do deserto de Nevada – onde o governo do maior país do mundo costuma desovar seu lixo nuclear – e ainda destruir Las Vegas, aquele trambolho criado pelos mafiosos para arrecadar dinheiro dos otários em cassinos? Afinal, é naquele poço de cafonice que existem réplicas da Torre Eiffel, das pirâmides do Egito e até dos canais de Veneza.

Godzilla; apesar de desastrado, uma folha de bons serviços prestados no filme de Gareth Edwards, como destruir criaturas concorrentes e dar cabo daquela cafonice chamada Las Vegas (Foto: Divulgação)

Godzilla: apesar de desastrado, uma folha de bons serviços prestados no filme de Gareth Edwards, como destruir criaturas concorrentes e dar cabo daquela cafonice chamada Las Vegas (Foto: Divulgação)

E, se Godzilla (ou Gojira) não é de todo mau, então o diretor aproveita outro viés observado nos filmes da Toho Film Company, o estúdio nipônico que deu luz a esta salamandra avantajada pela primeira vez em 1954 e que produziu ao todo 28 filmes com o personagem: ele luta com outras criaturas gigantes, estas sim, maléficas. No caso, os embates do lagartão agora acontecem contra um casal de mutos, mix de réptil com inseto alado que aludem à Mothra, mariposa gigante do filme homônimo de 1961. E, como estamos no século XXI, décadas depois do auge da histeria nuclear, o perigo maior agora vem do fato que essas entidades malignas se alimentam de pulsos eletromagnéticos, podendo, com seu apetite voraz, causar escassez de energia e ainda levar a civilização a um estado de barbárie pré-revolução industrial. Faz sentido. Afinal, mais do que o medo de ser pisoteado por um monstro gigante ou ter sua casinha esmagada, nada pior hoje em dia do que ficar incomunicável em plena era da comunicação. Inverno atômico perde.

Além dessas boas sacadas, a produção da Warner Bros investe naqueles cuidados que vão garantir o sucesso da empreitada, além, óbvio, dos monstros e do clima de filme-catástrofe que costumam fazer a alegria tanto da garotada quanto dos marmanjos. O longa usa crianças, cachorros fugindo de tsunamis e toda aquela sorte de referências fofas que o pessoal dos telejornais apela quando precisa alavancar a audiência. A busca pelo carisma não falta aqui. A começar pelo belo par de olhos azuis do mocinho, que continua com aquela expressão de bom moço de quando começou a atuar ainda adolescente, mas agora amplificado pelo fato de ter se tornado homem e – o melhor – ter ganhado massa muscular à custa de um bom personal trainer e alguns anabolizantes. Depois de vários filmes alternativos, Aaron Taylor-Johnson consegue até convencer direitinho nesse seu primeiro blockbuster, mesmo quando é inexpressivo, junto a um elenco (bem melhor do que ele) que traz outros trunfos como o sempre bom David Strathairn, o japonês da vez em Hollywood – Ken Watanabe – e Juliette Binoche emprestando o ar de sua graça nas cenas iniciais. E mais: o filme ainda vai na aba do sucesso que Bryan Cranston tem feito atualmente na telinha como o Walter White da aclamada série “Breaking Bad: A Química do Mal”, uma pérola da tevê.

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Fora isso, além das boas edições de imagem e de som – condição sine qua non para este tipo de realização – o filme traz uma atmosfera sombria, com música densa e fotografia muito escura que remetem àquela tensão na plateia causada pelo medo de uma hecatombe nuclear. Fica certo mal estar no ar, ótimo para o resultado e pertinente com as imagens apocalípticas criadas, bem na esteira dos trash japas originais. Parte do público pode até estranhar a ausência de um colorido feérico típico das grandes produções-pipoca, mas a ideia é entubar esta inquietação nos expectadores, em sintonia com a insegurança alimentada pelos perigos da era atômica. Talvez até o diretor consiga isso, se der sorte.  Assim, os efeitos em 3D se tornam até desnecessários, com a narrativa cumprindo sua função na hora de evocar o clima das toscas produções da Toho, atualizadas pela tecnologia contemporânea.

Assista ao trailer abaixo (Divulgação)