Com o duo Sidney Magal & Preta Gil, Globo de Ouro é repaginado e, na festa ploc de lançamento, fica claro: popular sim, banal não!


Com a presença ilustre do star system global e de artistas populares que fizeram história na MPB, atração musical do VIVA mostra que Guilherme Arantes e Biafra são muito melhores que o bonde das popozudas que cantam com o traseiro!

A Globosat ressuscitou com pompa e circunstância o Globo de Ouro, principal atração musical da TV Globo dentre 1972 e 1990, que trazia o paradão de sucessos da cena musical brasileira à TV, adaptando o formato dos antigos programas do gênero nas rádios para a telinha. Com uma série de dez novos episódios que requentam velhos hits que fizeram história nos anos 1970 e 1980, mais alguns atuais tipo “Show das Poderosas”, da Anitta (porque o público não é de ferro e uma certa parcela dos telespectadores nasceu nas duas últimas décadas e não vive de passado), sua veiculação agora é no Canal VIVA – o braço da organização voltado para explorar sua imensa memorabilia na televisão a cabo – e tem Juliana Paes e Marcio Garcia como o casal de apresentadores da vez.

Para comemorar este retorno da atração – agora chamada Globo de Ouro Palco VIVA –, a emissora armou badalo de arromba no Jockey Clube do Rio de Janeiro nesta noite de segunda-feira (17/11), uma espécie de Festa Ploc com direito à Angélica chegando de táxi (para homenagear seu maior sucesso musical, “Vou de táxi”, versão da música da ex-senhora Johnny Depp, Vanessa Paradis, que ela volta a cantar no primeiro exemplar dessa nova fornada), show ao vivo e a presença de figuras da cena musical que fizeram tremendo estardalhaço em sua época, como Wanderley Cardoso, Byafra, Guilherme Arantes, Baby do Brasil, Eduardo Dussek e até Sidney Magal, somados a criaturas que estão no ordem do dia, como Preta Gil, que assumiu o comando do palco ao lado de Arantes, com fulminantes presenças-relâmpago de Cardoso e Magal. Se o leitor perguntar se algum convidado deixou de saracotear na pista quando este último cantou “Sandra Rosa Madalena”, claro que a resposta é não!

E até uma Rosanah era esperada, mas não deu as caras no palco, fazendo forfait como convém a uma deusa. Deve ter se atrasado na cadeira do dermato onde, possivelmente, estaria às voltas com nova sessão de preenchimento facial. Chegou de fininho e foi direto para uma área restrita, fazendo a linha “I want to be alone”, meio Greta Garbo. Divismo? Sem dúvida, mas ela pode.

O amor e o poder da reclusão: o público estava louco por uma palhinha da diva, mas Rosanah ficou na dela (Foto: Ana Colla / Divulgação)

O amor e o poder da reclusão: o público estava louco por uma palhinha da diva, mas Rosanah ficou na dela (Foto: Ana Colla / Divulgação)

Bom, e o resultado geral do agito? Obviamente uma espécie de Madame Tussaud ao vivo e a cores, equivalente à sensação que se tinha, nos anos setenta, quando o público se sentava no cinema e assistia a um exemplar de filme-catástrofe, estrelado por um ator que estava na moda, mais uma penca de antigos astros da Era de Ouro do Hollywood. Traduzindo: sensacional.

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Fotos: Divulgação

O novo Globo de Ouro atualiza o estilo musical com competência, ajustando atrações clássicas e atuais para o novo padrão Globo de qualidade, consequência da tecnologia digital contemporânea e de novos olhares, de outros movimentos de câmera. Claro, comparando com trechos dos velhos programas exibidos ao longo dos 1970/1980, constata-se de cara que muito mudou no aparato tecnológico da emissora. Algo tipo comparar o Drácula da Universal incorporado por Bela Lugosi em 1932 com o recentemente interpretado no cinemão pelo bonitão Luke Evans em “Drácula Untold”, cheio de efeitos de ponta e fotografia de tirar o fôlego. Óbvio que o charme ultrapassado do sanguessuga hipnotizador vivido pelo antigo ator húngaro tem enorme apelo retrô, apesar das caretas que não metem mais medo em ninguém e dos músculos e sex apeal do intérprete atual.

Mas contrapontos desse gênero são comumente manejados como atrativo à parte na emissora comandada por Leticia Muhana – egressa do GNT –, já que uma das pièces de resistence do cardápio do canal são antigas novelas (“Vale Tudo”, “Roque Santeiro”, “Dancing Days”, “Água Viva” “O Dono do Mundo”, entre tantas), que a trupe de gestores de conteúdo se encarrega de escolher a dedo. Assistir à excelência técnica da atual novela das nove na Globo (e do seriado nacional ou minissérie em seguida) para, mais tarde, zapear no VIVA e dar de cara com esses velhos produtos tem se tornado tarefa quase obrigatória para a turma que dorme nas altas horas, competindo pau a pau com os enlatados norteamericanos que passam na Fox, Sony e Warner, ou com os documentários sobre vida selvagem na África, tubarão (o terror dos mares), a vida privada das estrelas de Hollywood e até as centenas de extreme makeovers que transformam lares de subúrbio em cenários do Casa Cor.

Diga-se de passagem, quando o público assiste à produção novelística contemporânea e praticamente emenda com uma reprise de novela global no VIVA, são as primeiras que saem perdendo e sobressai o apelo nostálgico da velha prata da casa mais os ótimos roteiros que superam qualquer deficiência técnica, mesmo com cenografia repleta de samambaias em xaxins.

O mesmo acontece quando os telespectadores vêem os novos episódios do Globo de Ouro. Anitta tem apelo? Sim. Está sendo preparada para ser a Rihanna brazuca? Okay. Tem talento? Vero! Mas dá para comparar com a aura de Guilherme Arantes? Never! O que é melhor? Entrar no turbo boeing da bombshell ou no táxi capenguinha de Angélica, com o capô remendado com Durepoxi? Precisa responder?

Confira quem passou por lá na vip list organizada por Líège MonteiroLuiz Fernando Coutinho:

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Fotos: Divulgação

E isso ficou claro no show ao vivo na festa de lançamento. Mesmo com “Sinais de Fogo” sendo um sucesso avassalador, Preta Gil causou muito mais quando entoou “Fogo e Paixão”, do Wando“Uma Noite e Meia”, de Marina “Milla”, de Netinho, embora essa música seja dos anos 1990, após o término do programa, assim como os sucessos de Daniela Mercury que a filha de Gilberto Gil soltou no palco. Mas, que diferença isso faz? O sabor do passado é inegável e sua memória afetiva não tem concorrência. Como diz o multi artista Fernando Torquatto, presente no badalo: “Essas músicas todas têm tanta história. Todo mundo já teve alguma passagem na vida sublinhada por uma delas. Se tornaram eternas”.

Já Eduardo Dussek ­–, cujo talento eclodiu para as massas com “Nostradamus” no Festival de MPB da mesma Globo em 1980, é exemplo crasso disso. Ele, que pouco depois de concorrer no evento, participava do Globo de Ouro com seu primeiro grande hit, “Rock da Cachorra” (1982), comenta com HT sobre este momento. O músico, que certamente foi um dos pilares daquilo que, pouco depois, se consolidaria como o Rock Brasil, dá sua opinião: “È curioso ver como a televisão aberta cultuava a boa música e, de alguma forma, ela se perdeu nos últimos quinze ou vinte anos. Banalizou.”

Sem dúvida, o comentário do artista merece um estudo mais aprofundado da migração da boa MPB, usada a fundo no estabelecimento da produção televisiva brasileira como genuíno produto nacional, para a popularesca pasteurização musical que abunda na TV aberta hoje em dia, inclusive na trilha das novelas. Mudou o gosto do público? Reflexo da ascensão das classes C e D? Sonho de estrelato das empreguetes? Talvez.

Mas é importante lembrar fazia muito sucesso gente que compunha e cantava para essa parcela da população há trinta ou quarenta anos atrás. Artistas do calibre de Wando, Byafra, Sidney Magal, Márcio GreykPerlaBenito de Paula e tantos outros que não costumavam se sentar à mesa de Chico BuarqueVinicius de MoraesMaria Bethania ou Caetano Veloso. Bom, gente como Gretchen, precursora absoluta de talentos que se ancoram em quadris próximos aos 100 centímetros e em derrières que competem em dimensão com hangares da Embraer. Mas, assim como seus pares nos saudosos 1970/1980, ela fazia enorme sucesso nas rádios, nos programas de auditório e, por tabelinha, no Globo de Ouro. E aí, como fica?

Bom, de antemão, esse fato revela que até a música considerada naquele período como mais popular era bem melhor do que o se consome aos decibeis hoje em dia, e isso não é papo de senhorzinho. Basta comparar. Para tanto, o novo Globo de Ouro está aí: sua meta é transformar Festa Ploc em material para farto consumo, ainda que na TV a cabo, possivelmente o único reduto que sobra para esta música popular, mas nem tão popularesca assim, que o tempo se encarrega de resgatar, já que a programação aberta está toda dominada. Okay, cada um no seu quadrado, mas, sem dúvida, os anos 1980 tinham coisa bem melhor que famigeradas danças dos passinho.