“Cultura salvando quem está em casa”, diz Cavi Borges, que lançou no Facebook filme feito através da internet


‘Me Cuidem-se’, projeto dos cineastas Bebeto Abrantes e Cavi Borges revela diferentes cotidianos do isolamento no Covid-19, entre eles o da coreógrafa Regina Miranda, do roteirista Fernando Barcellos, da produtora cultural Luana Pinheiro, e do artista plástico Arthur Palhano. Os diretores revelam ainda, que a produção vai virar longa-metragem quando vidas puderem voltar ao normal, sem isolamento social

*Por Brunna Condini

Dois cineastas, uma quarentena e uma ideia na cabeça. Bebeto Abrantes e Cavi Borges se uniram (virtualmente, que fique claro), para realizar o curta-metragem “Me Cuidem-se”, lançado essa semana no Facebook.

Os criadores realizam o primeiro filme – de uma sequência que virá enquanto acontecer o isolamento social – sem nenhum contato físico, e o chamam de “filme-processo”, já que periodicamente será modificado a partir das situações vividas pelos personagens reais durante esse período. “Serão vários filmes curtos, até conseguirmos fazer um longa, quando a pandemia do Covid-19 estiver controlada”, revela Cavi, diretor de “Cidade de Deus – 10 anos depois” (2012), e de mais 13 longas e 45 curtas. “A ideia é variar nos personagens, mantendo os primeiros. No longa-metragem talvez tenhamos que escolher, para podermos nos aprofundar. Se com uma semana já temos tanto material, imagina até o fim disto tudo? Talvez façamos até uma série”, diz, sobre a produção que está sendo editada por Wellington Anjos.

Cavi Borges: “A ideia é mostrar as transformações na quarentena. Como tem mudado o jeito de viver mesmo. Que planos e sonhos foram alterados? O que isso provocou?” (Divulgação)

E completa: “A ideia é mostrar as transformações na quarentena. Como tem mudado o jeito de viver mesmo. Que planos e sonhos foram alterados? O que isso provocou? Tantas situações podem acontecer neste cenário. Pode morrer gente próxima, por exemplo, e sobre essa pressão toda, tudo vai ao extremo. É um doc-quarentena, então, estamos usando tudo que acontece como caminho para construir a narrativa. Vamos fazendo como é possível”.

Produtor e diretor, Cavi comenta sobre o panorama no audiovisual brasileiro. “Antes dessa quarentena, as produções já estavam paradas, fico imaginando depois. Tenho uma certa sorte, porque desenvolvo filmes mais simples, sem fomento. Já fiz quatro este ano”, observa. “Quando isso tudo passar, não sei com que velocidade, e se vai ter normalização. Sinto que muitos governantes odeiam os artistas, não sei o que se passa com eles. Esse mercado gera empregos diretos e indiretos, investimentos. Temos centenas de produções travadas, bem antes disso tudo acontecer. E tem mais, a cultura está salvando quem está em casa agora. O que seria de nós neste momento, se não fossem os livros, os filmes, as séries?”.

A coreógrafa Regina Miranda mostra seu cotidiano na quarentena em “Me Cuidem-se” (Divulgação)

Para realizar “Me Cuidem-se”, mais de dez pessoas, de universos distintos, todas em quarentena, registraram imagens em suas casas, com cenas da reclusão. Elas também filmaram a cidade de suas janelas, e nas saídas necessárias, registraram as transformações em suas rotinas por conta da pandemia, em uma espécie de diário filmado. Entre os primeiros personagens estão o artista plástico Arthur Palhano, de Del Castilho, o autônomo Élbio Ribeiro, de São Gonçalo, o roteirista Fernando Barcellos, da Cidade de Deus, a produtora cultural Luana Pinheiro, de Nova Iguaçu, e a coreografa Regina Miranda, da Lagoa.

O artista plástico Arthur Palhano e seu “diário filmado” do período de isolamento (Divulgação)

Na falta do contato físico para a direção do documentário, o cineasta Bebeto Abrantes, revela como ele e Cavi orientaram os participantes. “Escolhemos as pessoas e três dias depois estavam mandando os vídeos. Demos a direção do que gostaríamos por telefone, eles gravavam, e enviavam quase que simultaneamente. Recebemos muito material”, conta Bebeto. “Não tivemos nem reunião de produção. Sou documentarista, e sei que isso já vem sendo feito em documentários de produção independente. Mas por conta da pandemia, radicalizamos. O modelo de produção é todo pautado por esse momento que se impôs como um raio em nossas vidas, é todo virtual. E como pelas previsões, essa quarentena deve durar aí uns três meses, não precisamos acumular material, é um trabalho em processo mesmo, e desejamos a interação de quem assiste também”, completa Abrantes, que tem na trajetória 10 documentários, entre eles, o premiado “Recife/Sevilha – João Cabral de Melo Neto”.

O cineasta Bebeto Abrantes: “Dentro de um olhar otimista, as relações tendem a ficar mais sensíveis, valorizadas. Todos estão tendo a oportunidade de criar novos elos” (Divulgação)

Bebeto, amigo e parceiro de Cavi Borges em outros projetos também, revela uma curiosidade sobre o nome do filme, “Me Cuidem-se”. “Foi uma inspiração em Nelson Rodrigues, com esse jogo de palavras que ele faz no título “Perdoa-me por me Traíres”. Só que aqui, colocamos a realidade que vivemos de cara no título: ao cuidar de nós, cuidamos do outro”.

O cineasta acredita que apesar do cenário caótico, o momento também pode trazer novas chances. “Dentro de um olhar otimista, as relações tendem a ficar mais sensíveis, valorizadas. Todos estão tendo a oportunidade de criar novos elos, laços afetivos. Estão sendo plantadas sementes de mudança no fazer de cada um de nós. Essa pandemia também está transformando essa coisa da humanidade, em um conceito concreto, único, indivisível. Por mais que a realidade esteja dura, as pessoas estão vendo que precisarão mudar suas práticas. Estamos em plena consciência da finitude da espécie. Então, espero que a gente mude uma série de paradigmas no que é essencial para cada um”.

No filme feito à distância, o roteirista Fernando Barcellos registra mudanças em sua rotina (Divulgação)