Com Clara Choveaux no elenco, o longa Rio Mumbai une a cultura indiana e a brasileira em uma viagem pelo tempo


Dirigida por Pedro Sodré e Gabriel Melin em parceria com Gabriel Wainer, a ficção científica, que levou oito anos para ser finalizada, promete quebrar o conceito de tempo criado na sociedade a partir das aventuras vividas por Nelson, um jornalista cético e desiludido com a profissão.

O ano é 2013, mas poderia ser qualquer outro. Passado, presente e futuro não existem no universo de Rio Mumbai. É nesse contexto de liberdade temporal que a ficção científica assinada por Pedro Sodré e Gabriel Mellin em parceria com Gabriel Wainer une a espiritualidade da Índia e o caos do Rio de Janeiro por meio da história de Nelson, um jornalista cético e desiludido com a profissão que se envolve em experiências que vão além da lógica numa viagem pelo tempo. ‘’Ele está em um momento bem confuso e sem nenhum controle sobre as coisas que estão acontecendo na vida dele. É um cara cético em todos os sentidos, e isso fica claro no filme desde a infância dele. Quando essas coisas que ele não acredita ou que não tem uma explicação lógica começam a acontecer, ele sente um incômodo absurdo, mas ao mesmo tempo é algo do qual não pode fugir’’, conta o diretor Pedro, que participou não só da produção do filme como também da história na pele do protagonista.

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Essa transição na vida do personagem fica muito demarcada pela narrativa bem construída com as imagens do Rio de Janeiro e da Índia. Enquanto o Rio representa a realidade triste e confusa, a cultura indiana, que é um dos momentos preferidos do diretor, aparece como um caminho para encontrar o novo. ‘’Essas imagens da Índia aparecem no início do filme como alucinações e aos poucos a gente vai percebendo que na verdade elas estão relacionadas com uma viagem no tempo. A Índia aparece como um lugar novo, um universo a ser explorado. Não exatamente um lugar físico”, explica.

Com base nessa premissa, a trama se desenrola por meio da relação entre o jornalista e a bailarina Maria (Clara Choveaux), que ao se conhecerem logo se apaixonam. Tudo começa quando Nelson envia um diário de bordo, no qual descreve todas as aventuras com as quais está lidando, para a artista, transformando-a no fio condutor da história dentro e fora das telonas.  ‘’O personagem da Clara tem uma importância fundamental. Desde o início, é como se não fosse possível ter esse filme sem ela. Maria é o espectador, ela encarna aquele pra quem a mensagem foi enviada. Então, no caso do cinema é o espectador, e sem ele não existe a comunicação ou a possibilidade de nada. É um elo fundamental’’, conta.

 

Clara Choveaux em cena como Maria. (Foto: Felipe Fittipaldi)

Interpretada por Clara Choveaux, a bailarina, que está conectada de forma atemporal a Nelson, conduz quem assiste por um caminho não linear dos acontecimentos, de modo a oferecer um ar misterioso à trama. Para a atriz, esse tipo de narrativa capta a atenção do público, que vai descobrindo as respostas junto dos personagens. ‘’Nós contamos os fatos como num quebra-cabeça até chegar no final e todo mundo entender como foi o ciclo da história inteira. É bem bonito nesse sentido. Como o filme não tem uma linearidade, a gente tem bastante surpresas no desenrolar dele’’, revela.

Além da Maria, Nelson compartilha esse momento de confusão com o vizinho Alberto (Bruce Gomlevsky), um velho cientista que tenta convencê-lo de que todos esses acontecimentos são fruto de um estudo sobre viagem no tempo. Apesar da relutância por parte do jornalista, Alberto consegue estabelecer uma relação quase paterna com o jovem. ‘’Alberto é um mestre pra ele, um professor, quase um pai. Nós quase não vemos a família do Nelson no filme, então o Alberto cumpre esse papel. Por outro lado, não é o fato dele ser cientista que vai fazer o Nelson querer ver alguma coisa, então ele não vai ter problema nenhum em negar o cientista. A relação deles é muito de amizade’’, diz.

Pedro Sodré como o jornalista Nelson. (Foto: Felipe Fittipaldi)

Embora no filme não haja essa preocupação em demarcar o passar do tempo, é impossível ignorar o momento social no qual a história está inserida. Com algumas cenas filmadas em 2013, Rio Mumbai aborda por meio da profissão de Nelson as manifestações, que foram em sua maioria realizadas por estudantes, e a relação que elas tiveram com a imprensa. ‘’Foi muito sagaz o fato de terem aproveitado toda essa situação, esse momento histórico tão importante pro Brasil, no qual todo mundo foi pra rua em busca da gente realmente ter um lugar de voz na política. O personagem do Pedro entra em crise porque o jornal onde ele trabalha não permite que ele continue trabalhando de forma ética’’, explica Clara.

O tempo também foi valioso na produção do longa. Produzido com o auxílio de patrocínios, o projeto levou mais de sete anos para ficar pronto, com um intervalo de dois anos nas filmagens. No entanto, apesar dos obstáculos, o longo período foi essencial para a trama. Assim como em ‘’Boyhood’’, filme de Richard Linklater que acompanha a vida de um jovem durante 12 anos, o espectador vai ter a oportunidade de acompanhar em Rio Mumbai o desenvolvimento não só do personagem, que é representado em duas fases por Pedro Sodré e João Leporage, como também do processo de produção, enriquecendo-o. ‘’Como o filme tem uma camada metalinguística, isso acabou enriquecendo-o muito. A gente vê a história toda do filme no ventre dela, ou seja, a gente vê o tempo que levamos para fazer, o amadurecimento do projeto como um todo. É muito legal ver o João na tela fazendo o mesmo personagem que eu só que 30 anos antes. Isso traz uma realidade do tempo, é uma coisa que o cinema tem muita facilidade em fazer’’, conta.

Apesar de abordar um tema etéreo, o longa-metragem traz uma mensagem muito necessária nos dias atuais. ‘’A gente tem uma confusão de informações hoje em dia, sabe? Isso faz com que seja importante a gente olhar pra nós mesmos. E isso está relacionado com a importância da ciência. A gente tem que olhar pra nós mesmos e ter algum tipo de embasamento de estudiosos para entender as coisas que precisamos’’, afirma. E é exatamente essa trajetória de busca do Nelson que conquista o público.  ‘’Em algum momento, todo mundo embarca na história e se coloca no lugar dele, mesmo que ele tenha esse jeito meio ranzinza. O público tenta entender o que ele está vivendo’’, completa.

No entanto, mesmo com a repercussão positiva obtida durante as exibições que ocorreram em festivais, como o Festival Jangada de Cinema Brasileiro, para Pedro, mesmo que o sucesso não seja tão grande quanto o de outros filmes do gênero, como a franquia americana Star Wars, só o fato de Rio Mumbai estar sendo visto já é uma vitória. ‘’O objetivo era fazer o filme e fazer com que as pessoas vissem. É muito importante porque, apesar desse momento esquisito que estamos vivendo, a gente tem que sempre lembrar que um povo sem cultura não é um povo, a gente tem que ter bastante atenção com isso e acho que nós enquanto Estado não temos’’, declara.

Oito anos depois, Rio Mumbai finalmente chega nas salas de cinema do Rio de Janeiro e de São Paulo nesta quinta-feira, 24, com a promessa de agradar todos os tipos de público com essa experiência fora do comum.