Ativista e determinada, Jeniffer Dias brilha em “Malhação: Vidas Brasileiras”, e conversa sobre representatividade negra na TV


Descoberta em uma roda de samba pela Regina Casé, a atriz falou sobre largar a faculdade de Engenharia Ambiental para viver de arte, do racismo velado da sociedade e do seu trabalho de resistência cultural, o Projeto 111: “Eu quero fazer parte dessa mudança!”

Jeniffer Dias só queria se divertir com a prima em um sambinha à noite, quando foi descoberta por nada mais, nada menos, que Regina Casé. Ela não imaginava que sua vida ia mudar de ponta à cabeça por causa daquele encontro. Desde então, participou do Esquenta, trancou a faculdade, estudou teatro, se entregou à vida artística, e já está na sua segunda novela da TV Globo. No momento, a niteroiense vive a forte, militante e questionadora Dandara, em Malhação: Vidas Brasileiras, que não se cala diante das injustiças sociais e tem cada vez mais destaque dentro da trama. A personagem é um espelho de muitas jovens do país e da própria Jeniffer, que, por muito tempo, nem cogitava ser atriz, muito por não se sentir representada nas telas. “Eu acho que já deveria ter tido uma personagem assim antes. Eu fico super feliz em estar dando voz à Dandara, tudo que ela faz eu acredito muito. Sou ativista na vida, acho importante os artistas se posicionarem, principalmente nesse momento que a gente está vivendo, para as pessoas se conscientizarem. E os jovens também, porque Malhação fala para esse público. Eu sentia falta de assistir isso quando eu era adolescente. De me sentir representada, de ver pessoas que nem eu na TV”, reflete.

Jeniffer Dias vive a empoderada Dandara, na temporada atual de Malhação, a personagem entrou há pouco tempo na trama e já é sucesso entre os espectadores (Foto: Gshow/Divulgação)

A artista de 27 anos, percebe que a mensagem da personagem está alcançando os telespectadores, quando sua irmãzinha chega em casa com o feedback do colégio. “Fico satisfeita quando ela diz que suas amigas na escola falam da Dandara, que questionam o professor de história quanto ao conteúdo que ele deu. Isso me deixa com esperança de que algo mude, porque está tão difícil”, completa. E a potência que Dandara tem, vem de Jeniffer, que foi perceptível em toda conversa com o site HT. “O que eu mais coloquei na Dandara de mim foi a força. Eu venho de uma família de mulheres, basicamente. Eu tenho uma avó que teve quatro filhas e cuidou delas sozinhas, e essas quatro filhas criaram as filhas sozinhas. Isso é uma coisa histórica aqui. No Brasil, elas são chamadas de ‘pães’ por serem pais e mães. As mulheres criam os filhos, existe essa questão da solidão das mulheres negras”, expõe.

Jeniffer cursou teatro na Escola de Atores Wolf Maya e na Escola Sesc de Teatro (Foto: Saunak)

Nascida na comunidade Coronel Leôncio em Niterói, ela saiu do lugar quando era nova, mas sempre ouviu da sua mãe os obstáculos que a família enfrentava. “A vida em uma comunidade não é fácil. Está todo mundo junto, mas todos estão tentando sair de alguma forma. Quando minha mãe morava na comunidade, erá só um cômodo. Imagina cinco mulheres com três filhos, morando em um quarto? Era uma questão de sobrevivência. Minha mãe diz que eu sempre quis ser a melhor na escola, no esporte, e em tudo, para de alguma forma, mudar a situação da minha família”, Jeniffer frisa. Por falar em dificuldades, a atriz não se esquece de um dia específico, que sofreu racismo quando criança, logo quando ingressou pela primeira vez em um colégio particular. “Quando eu comecei a fazer esporte, eu ganhei uma bolsa em uma escola particular de Niterói. Eu lembro que estava muito feliz…Até o dia que sofri preconceito. Eu não tinha sentido isso na escola pública. Um dos primeiros dias, um menino me chamou de ‘senzala’. Eu fiquei me perguntando por que? Não sabia responder. Até então, ninguém falava de racismo, as pessoas não sabiam falar sobre isso. Nossa história nunca foi falada de verdade, nunca aprendemos o quanto é importante saber dos nossos ancestrais, de onde a gente veio, da nossa cultura. Sempre foi mostrado que não temos identidade na escola. Era algo velado para gente mesmo, por isso que queríamos alisar nosso cabelo, por exemplo, porque era aquilo que assistíamos  na TV, por falta de consciência mesmo”, explica a atriz, que começou a estudar e se aprofundar na sua ancestralidade desde cedo.

Regina Casé descobriu Jeniffer em uma roda de samba, e hoje é uma de suas inspirações (Foto: Reprodução/Instagram)

O encontro com Regina Casé, há seis anos, mudou tudo para Jeniffer e instigou sua veia artística, que sempre existiu, mas não tinha sido desenvolvida de fato. “Eu fui em uma roda de samba com minha prima, que era rainha de bateria da Viradouro, e a gente estava sambando, se divertindo. A Regina estava lá, porque era o samba do Douglas Silva. Ela virou pra gente e falou ‘Vocês são lindas, vem fazer um teste comigo no Esquenta!’ Aí, topei na hora! Foi despretensioso. Eu nunca pensei em trabalhar com a Regina. Eu admirava o programa Esquenta, porque tinha pessoas que nem eu, ela sempre valorizou muito isso”, lembra. Até hoje, as duas são amigas e Jeniffer é muito grata por toda a confiança de Casé. Na época, a artista cursava Engenharia Ambiental na Estácio e foi se inclinando cada vez mais para a carreira de atriz, até que se apaixonou por completo pelo universo e largou a graduação. O que não foi uma decisão fácil. “Foi um drama, porque eu sabia que na engenharia eu iria conseguir me manter financeiramente, é quase que certo, e, artista no Brasil sofre, ainda mais da família que venho. As pessoas que têm a origem parecida com a minha precisam sobreviver. Eu coloquei tudo isso na balança, foi difícil, mas eu abdquei, precisava ser feliz e a engenharia não me dava esse tesão todo que a arte me dá”, conta.

A atriz é envolvida em diversas causas sociais (Foto: Divulgação)

Quando ela começou a fazer teatro, sabia exatamente o que queria falar e qual era seu discurso enquanto artista negra. “Comecei a ler autores e artistas pretos, para tentar mudar alguma coisa. Em casa, eu também ia conversando com meus pais e meus avós”, conta. Com essa sede de mudança e de se sentir cada vez mais representada, Jeniffer criou o Projeto 111, um espaço de resistência cultural no Rio de Janeiro, que completa um ano em novembro. “É um projeto onde a arte é valorizada. Queria ver os meus amigos artistas mostrando o que tem para mostrar, não esperando convites para trabalhar. A iniciativa tem representatividade de 80% de negros. Eu sou preta, e percebia que não existia muita abertura, tanto na TV e no teatro, para nós. Estamos começando a escrever nossos textos, escancarar, botar o pé na porta. Tem muita coisa para avançar, mas em algum ponto as coisas estão mudando, eu vejo os coletivos que escrevem suas próprias peças, atores negros em cena. Antes, era totalmente ao contrário, a gente só olhava branco no palco e falávamos ‘Parece que não existimos, num país que somos a maioria!’, a gente está vendo essa evolução, espero que isso melhore e só aumente”, comenta Jeniffer, que tem as autoras Djamila Ribeiro e Ana Maria Gonçalves, como umas de suas inspirações.

Jeniffer Dias no espaço FRONT do Rio de Janeiro, em dia de ação com o Projeto 111 (Foto: Lorena Lima)

Ainda no início da promissora carreira artística, a atriz tem um mundo a conquistar pela frente. Mas o que ela quer mesmo, é fazer a diferença com sua voz. “Eu estou dando um passinho de cada vez. Na minha cabeça é só o início, mas eu quero que mude muito mais, senão as pessoas acham que está tudo certo e fica por isso mesmo. Eu quero fazer parte dessa mudança, eu quero que o Projeto 111 se torne bem grande!”. Se depender da determinação e força de Jeniffer, com certeza será.