*Por Brunna Condini
Mulheres unidas e um propósito forte: inclusão, representatividade e afeto no trato profissional. Assim, durante o auge da pandemia em 2020, nasceu o Grupo Ifé Medicina, reunindo cinco médicas, todas negras, com diversas especialidades, mirando no lado humano e no olhar aprofundado da medicina, tudo motivado e motivando a empatia. “Entendemos que acolher, cuidar da melhor maneira possível, superar expectativas e se dedicar ao máximo ao seu ofício são fortes armas e escudos para lidar com os desafios diários. Temos elementos fundamentais para promover saúde e bem-estar de maneira qualificada e acolhedora”, ressalta Cecília Pereira , médica especialista em ginecologia e obstetrícia (TEGO) pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO, e também mastologista.
O grupo foi batizado pensando em um nome curto, sonoro, com significado especial e que remetesse à ancestralidade de todas: Ifé, em ioruba, significa amor. Além de Cecília, as médicas Abdulay Eziquiel (Cirurgia Plástica), Aline Tito (Cardiologia), Julia Rocha (Dermatologia) e Liana Tito (Oftalmologia Geral e Pediátrica), atendem no espaço localizado no Flamengo, Zona Sul do Rio de Janeiro, e enxergam de forma próspera o crescimento do empreendedorismo feminino negro. “O mercado é oportuno àqueles que se adaptam às mudanças e o empreendedorismo feminino cresce na medida em que temos grandes mulheres no mercado de trabalho, mas sem o devido reconhecimento de suas competências. Entender nosso potencial e a vontade de se arriscar a partir dos nossos propósitos foi a força que nos impulsionou a empreender”, salienta Aline, médica especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC.
Ocupando espaços
A clínica não é um lugar restrito à população negra, é para todos, todes, inclusivo e integral, como as especialistas salientam. Mas sem dúvida, o empreendimento é uma conquista rumo à normalização de pessoas pretas em todos os lugares na sociedade, inclusive na medicina. Pensando nisso, a dermatologista Julia Rocha relembra sua trajetória até aqui. “A decisão de fazer medicina veio a partir dos exemplos que tive em casa. Meus pais foram os primeiros médicos da família, e tornaram-se a primeira geração do meu núcleo familiar a ter acesso à universidade. O sentimento de cuidar do outro, ouvir com carinho e dialogar com atenção e empatia, sempre estiveram presentes na minha formação, e é o que também procuro estabelecer como essencial no meu lado profissional”, divide.
“Acho que desde o momento que entramos no processo de formação do ciclo superior, bem como quando entramos no mercado de trabalho, somos questionadas de forma subjetiva ou totalmente objetiva, se de fato podemos ocupar e transitar por lugares e situações . Afinal, somos percebidas como a exceção na maior parte dos momentos. Por isso, uma rede de apoio é tão importante. É fundamental naturalizar o direito da mulher negra conquistar o cargo e a função que ela quiser”.
As médicas perceberam haver poucos empreendimentos com perfil semelhante no Brasil. Para a ginecologista, obstetra e mastologista Cecilia Pereira, felizmente as dificuldades sociais em sua família foram vencidas uma geração antes, com seu pai sendo o primeiro na família a cursar o ensino superior. “Isso já me colocou em outro lugar do ponto de partida. Ao longo dos 12 períodos de curso foram dois professores negros, e em torno de cinco colegas de sala, fato que, talvez pela imaturidade, não me despertou o insight de que essa pudesse ser uma profissão que iria me trazer frutos pessoais por minha competência, mas seria também uma ferramenta para abrir caminhos e mudar a representatividade para gerações futuras”, reflete. “Hoje enxergo com clareza a importância e a força da coletividade para a mudança de conceitos enraizados sobre o que seria a figura de um médico. Essa figura não existe, ela pode e deve ser possível a todos desde que as oportunidades sejam dadas de forma a buscar equidade”, completa.
Desbravando
A oftalmologista Liana é irmã da cardiologista Aline Tito. Inicialmente, elas abririam um consultório em conjunto, mas a ideia de se conectar a outras mulheres com o mesmo propósito de escuta e acolhimento na medicina, foi irresistível. E foram em frente, desbravando e ampliando a rede. “O caminho até o diploma foi desafiador, pois durante toda a faculdade atuei como fisioterapeuta, minha primeira formação, na Força Aérea Brasileira. Mas a conquista valeu o esforço. A medicina para mim representa a possibilidade de cuidar através da conjunção de ciência, escuta e empatia”, traduz Liana.
A cirurgiã plástica Abdulay Ezequiel também tem ajudado a ‘desbravar’ no que diz respeito à sua especialidade. Ela não se deixou intimidar por escolher a cirurgia plástica, em que, historicamente, mais homens atuavam. “Entrei na faculdade sem imaginar a especialidade que iria seguir, mas ao longo dos períodos de estágio, me encantei pela cirurgia plástica. O fato de ser uma especialidade mais masculina me preocupou de início. Pensei que não teria ninguém antes de mim para me assessorar no caminho, mas gosto muito da expressão “vai com medo mesmo, mas vai”. E fui”, recorda Abdulay.
E acrescenta: “Optei por ter um bom alicerce, o conhecimento e o estudo, por isso decidi ficar um bom tempo estudando até passar em boas residências. Fiz cirurgia geral no Hospital Universitário Gaffrée Guinle, cirurgia plástica no Hospital Federal da Lagoa, no Instituto Nacional do Câncer e estágio na Universidade da Califórnia. Meu meio de combater este ambiente machista e preconceituoso era estar bem preparada e informada para encarar este mundo”.
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