Mais uma perda para o Rio de Janeiro: a Casa Alberto, sinônimo dos tecidos mais elegantes do Rio, encerrará atividades


O lançamento de um livro que contará a história desta tradição, como tudo surgiu e foi se construindo ao longo do tempo, e também uma grande liquidação, marcam a despedida

Que tristeza eu senti ao receber esse texto abaixo que reproduzo na íntegra. O nosso adeus a Casa Alberto e mais uma perda enorme para o Rio de Janeiro.

Os 81 anos da Casa Alberto se confundem com a história do Rio de Janeiro e do Brasil. Por ela, em Ipanema, passaram presidentes da República e primeiras-damas, como Juscelino e Sarah Kubitschek, Getúlio Vargas e Eurico Dutra, atrizes como Tônia Carrero, Marília Pêra e Vera Fischer, cantores como Roberto Carlos e Marisa Monte e comediantes como Chico Anysio.

A Casa Alberto, que nunca deixou de funcionar, encerrará suas atividades em grande estilo, com  lançamento de um livro que contará a história desta tradição, como tudo surgiu e foi se construindo ao longo do tempo, e também uma grande liquidação, pois, afinal de contas, estamos falando da oportunidade de se comprar a preço de custo e poder se deslumbrar em um estoque que esbanja variedades raras, desde relíquias vintages até  atualidades preciosas, rendas, guipures, bordados artesanais que levam meses para ficarem prontos, na maioria das vezes  assinadas pelas grandes grifes, provenientes do mundo inteiro.

A avaliação dos netos – Alberto, Hélio, Rachel e Ricardo, diretores da empresa e seguidores do tino empreendedor do patriarca Abrahim Chreem, conhecido com seu Alberto- é que o modelo de negócio se tornou  inviável, um nicho muito específico, cada vez mais reduzido. A venda de tecidos para alta costura, outrora um importante segmento no mercado de moda, tem cada vez menos espaço no mundo de hoje.

O momento é de reverenciar uma história bem-sucedida de oito décadas e as diferentes gerações que prestigiaram a loja nesse período, que se encerra oferecendo a possibilidade de que clientes fiéis e ocasionais possam levar para casa uma peça da Casa Alberto como uma lembrança ou até relíquia de um rito de passagem e dos bons momentos que passaram juntos.

O momento atual também foi importante na tomada de decisão. “A gente se especializou em festas. Com a crise econômica e a pandemia, todas as festas de casamento, bodas e demais tipos de celebrações estão, tristemente, em suspenso. O mundo mudou.  Hoje em dia, pouca gente compra tecidos para fazer roupas de alta costura. A gente achou melhor fechar, acabar esta história como começou, com garra e determinação, e concluir com chave de ouro uma história com mais de 80 anos de tradição no Rio de Janeiro”diz o diretor Helio Chreem.

Depois de muita análise e reflexão, os herdeiros do grupo decidiram que era necessário encerrar um ciclo. “Eu costumava ir a Paris duas vezes por ano, para a maior feira de tecidos de alta costura do mundo, a Première Vision, escolhendo coleções.  A gente já via em Paris, com anos de antecedência, uns 15 anos atrás, esta tendência das grandes lojas de tecidos de alto nível fechando ano após ano. A gente sabia que isso chegaria aqui no futuro, e agora o futuro chegou”, conta o diretor Ricardo Chreem.

O fundador da rede, seu Alberto,  veio de Antióquia, na Turquia, com 20 anos, em 1923. Ele saiu da terra natal porque não via muitas perspectivas por ali,  e sonhava, como tantos, “fazer a América”. Pegou o navio que dizia ir para as Américas, achando que estava indo rumo a Nova York, nos Estados Unidos, só que não imaginava que iria parar na América do Sul, cujo destino final seria o Rio de Janeiro. O filho de ferreiro trabalhava como engraxate e, mesmo sem falar o português, comunicava-se muito bem.Para sobreviver, começou a vender meias que comprava de Alex Arab, dono de uma loja de atacado entre a Avenida Senhor dos Passos e a Rua da Alfândega, no Centro da cidade.

Ele começou vendendo de porta em porta e, com muito tino comercial, foi parar em Ipanema, onde só havia dunas de areia, terrenos vazios e muito mato, onde asfalto ainda era uma miragem. Os amigos brincavam chamando-o de maluco. Aos poucos, foi progredindo, indo de porta em porta, e vendendo no crediário. Ele dizia que fazia questão de deixar para receber no próximo mês, pois, assim, tinha a oportunidade de vender outras coisas e  aceitar encomendas.  Começou com coisas pequenas, como grampos, gumex e gilete e, depois, passou a blusas, lenços e suéteres.

A primeira loja própria foi aberta em 1939, na Rua 20 de Novembro, hoje Rua Visconde de Pirajá 274, em Ipanema, embaixo do sobrado onde morava. Enquanto seus concorrentes iam para Tijuca e centro, ele optou por fincar seus pés ali, numa época em que haviam  poucas casas.

Sempre abrindo o leque de opções de mercadorias, vendia agora desde miudezas de armarinho, a uniformes, material para costura, como linhas e agulhas, sapatos, até tecidos finos, como o famoso tropical inglês, grande sucesso na época. A loja começou bem popular, vendendo artigos para festas de São João e carnaval, que tinha a d. Rachel, sua esposa, atrás das máquinas de costuras, confeccionando fantasias junto a três filhas mulheres (Margot, Esther e Sara).

Em 1948, Ipanema começou a crescer, e a Casa Alberto já era uma referência, e os filhos José, David e Jacob estavam na loja, ajudando e aprendendo a trabalhar com seu pai.

“Sou testemunha desta história linda, que tem mais de 80 anos de garra e determinação. Eu sinto orgulho de ter feito parte desta trajetória, Eu olho para trás e vejo meu irmão José, meu irmão Jacob, eu e meu pai, Sr Alberto, no comando da loja, numa Ipanema bem diferente da de hoje em dia. Eu só tenho a agradecer ao meu pai pelo desbravador e o visionário que ele foi.  Eu fico muito feliz em ver que a minha família, junto aos meus filhos, escreveu um pouco da história da cidade, trazendo beleza e elegância para Ipanema e para o Rio“.  diz David Chreem.

A loja cresce com a agilidade de quem se renova e segue as tendências. A Casa Alberto se especializa em tecidos de primeira qualidade para a sociedade carioca, como linho belga, organdi suíço, entre outros, que passam a ser seu principal produto, em uma Ipanema já famosa mundialmente nas músicas da Bossa Nova.

Em 1975, o filho David Chreem inaugura, sozinho, a nova Casa Alberto, agora no endereço atual, na Rua Visconde de Pirajá 302, e assume a direção da empresa, Aos poucos, a terceira geração entra em ação. David passa a ensinar aos seus filhos Alberto, Hélio e Ricardo o que seu pai o ensinou. Anos depois, entra Rachel,  que veio se juntar à família, abrindo a Casa Alberto acessórios de grifes, que viria a se tornar a Alberta, renomada multimarcas de grifes nacionais e internacionais.

A loja  foi se especializando cada vez mais no nicho dos tecidos sofisticados e exclusivos, o habillet e foi desbravando caminhos para achar esses tecidos nos quatro cantos do mundo. Rosinha, sua esposa, abre então a Casa Alberto Cama e Mesa, buscando o mesmo alto nível dos produtos.

Os netos, que herdaram do pai e do avô a vocação para empreender, também atuaram na Casa Alberto até seu encerramento e, agora, seguem caminhos distintos, em outros segmentos.  Alberto, que tocava a Alberto Gentleman seguiu o rumo na gastronomia e restaurantes, assim como Helio.  Ricardo está morando em Houston, tocando sua carreira de artista e cineasta, Rachel criou o Projeto In.House, que cria eventos/experiências que promovem o bem estar. E o seu David, hoje, na direção  da firma de administração e construção de imóveis.

Uma característica une todos eles: o exemplo deixado pelo avô, um pioneiro na arte de fazer negócios com obstinação, inovação e determinação.

   Grupo Casa Alberto

A lojinha se transformou no Grupo Casa Alberto,  onde cada um administrava um setor. A cadeia era composta pela tradicional Casa Alberto Tecidos,  a Alberto Gentleman (multimarcas masculina sofisticada com  a assinatura dos maiores nomes em moda masculina do mundo), o Atacado de tecidos importados Trilogia (que atendia o mercado das confecções de moda no Rio e no Brasil).

A Casa Alberto Cama & Mesa e Casa Alberto Baby , que era dirigida pela inesquecível Rosinha, mulher de David, e a Alberta, criada e dirigida pela e única filha mulher, Rachel . Ela foi uma das pioneiras em trazer as marcas mais desejadas do mercado nacional e internacional ao Rio.

A Casa Alberto Tecidos sempre foi sinônimo de estilo, classe e sofisticação no cenário carioca. A marca fez parcerias com os principais estilistas de todo o país. A loja de tecidos ficou conhecida pelo atendimento personalizado e pela especialização em tecidos exclusivos para roupas de alta costura e esporte fino. A casa tem mais de 25.000 tipos de tecidos, 400 tonalidades de seda pura, estampas exclusivas, lãs, tweeds e rendas de toda as partes do mundo, muitas inclusive customizadas especificamente para a loja, bordadas com matérias-primas inusitadas, como cordas de violão, sementes, especiarias, paetês tatuados cortados a laser ou cristais. É uma referência no Brasil e no mundo.

Celebrada pelo mundo da TV, do cinema, do teatro e da música, a loja costumava receber artistas, que procuravam tecidos especiais para seus figurinos, como Tônia Carrero, Marília Pêra, Roberto Carlos, Paula Toller, Marisa Monte, Beatriz Segall e Vera Fischer, que certa vez saiu da loja vestida com um terno masculino. Chico Anysio fazia roupas sob medida.  Figurinistas de TV, teatro ou cinema, como Marília Carneiro, Sonia Soares e Kika Lopes, eram presenças frequentes.

Todos os ateliês de alta costura batiam ponto ali, em busca de matéria-prima para suas criações: Guilherme Guimarães, Gérson, Silvia de Souza Dantas, Henrique Filho e Lucília Lopes com seus antológicos sábados, quando atendia, no mínimo, dez noivas, simultaneamente.