Acusado de gordofobia por cena em que personagem chama rival de “gorda”, Walcyr Carrasco questiona: “Politicamente correto significa falar de um jeito mais bonitinho?”


“Já tive, em outro elenco, um ator que beirava os 140 quilos. Mas se ofendeu e cortou relações comigo quando um personagem o chamou de ‘gordo’. Descobri que é errado dizer ‘gordo’, ‘gorda'”, contou

*Por Karina Kuperman

“A Dona do Pedaço”, da TV Globo, tem dado o que falar. A trama, assinada por Walcyr Carrasco, é sucesso de público, mas, como toda história acompanhada de perto, tem causado polêmica. Isso porque o autor escreveu uma cena em Gilda (Heloisa Jorge) casada com Amadeo (Marcos Palmeiras) chama sua rival de “gorda”. Foi o suficiente para virar pauta na internet e muita gente acusou Carrasco de gordofóbico. Nessa quarta-feira, ele se pronunciou e revelou um outro caso: “Já tive, em outro elenco, um ator que beirava os 140 quilos. Mas se ofendeu e cortou relações comigo quando um personagem o chamou de ‘gordo’. Descobri que é errado dizer ‘gordo’, ‘gorda’. Grupos militantes, haters da internet, todos se revoltam. O correto? Quando se vai falar de alguém que está gordo, gordíssimo, diz-se que está com ‘sobrepeso’. Criou-se a categoria de modelos ‘plus size’. Na verdade são gordas que desfilam de lingerie, moda praia…”, escreveu, na revista Veja.

Walcyr Carrasco questiona gordofobia (Foto: Reprodução)

“Tudo bem. Plus size, ou qualquer outro termo, dá no mesmo. São gordas. O que se faz é mudar palavras para retirar o suposto sobrepeso (não resisti, é sobrepeso mesmo) negativo. Uma tendência forte no politicamente correto. É um vocabulário pasteurizado. Eu tenho barriga, creio que nunca a perderei. Já disse que, quando preciso viajar, compro um lugar para mim, outro para a barriga. Eu e a barriga. Às vezes, quando vou comprar uma camisa, digo: ‘Não quero listras horizontais, porque engordam’. O vendedor me observa, crítico. Caio em mim. Reconheço. O que engorda não são as listras. Mas comer pudim e chocolate, logo após um churrasco gorduroso. Entre outras delícias. Mesmo assim, opto por uma camisa preta ‘porque emagrece’. Prefiro rir e fazer piada a ser tratado com cautela. Como se minha barriga não pudesse ser tema de conversa”, refletiu.

E continuou: “A verdade pura e simples. Gordo não quer ser gordo. Raríssimas são as exceções. Prova disso é que entre 2011 e 2018 o número de cirurgias bariátricas no Brasil aumentou em 85%. É óbvio que a obesidade é um problema de saúde. Mas a maior parte dos pacientes só deseja usar tamanho P. Muitas crianças choram na escola quando são chamadas de gordas. Para tirar a carga negativa, não seria melhor simplesmente aceitar que as pessoas são o que são? Politicamente correto significa falar de um jeito mais bonitinho? É claro que termos como ‘barril’, ‘elefante’ são ofensivos. Magoam. Se eu posso tomar cuidado e não usar esses termos, é melhor. Mas também não quero mascarar a realidade”, explicou.

Frase em “A dona do pedaço” gerou polêmica (Foto: Reprodução)

A reflexão foi além: “É tão ruim ser gordo? Fora os problemas de saúde causados pela obesidade? Pois bem. Não é. Nós vivemos num mundo contraditório. O padrão de beleza é ser magro. Mulheres esqueléticas, subalimentadas, são consideradas lindas. Só ossos, eis tudo. O padrão de beleza real é a mulher com curvas, seios, quadris. Expresso pelos machistas numa frase lapidar: ‘Homem gosta de ter onde pegar’. Eu conheço gordas com intensa vida afetiva e sexual. Amadas e desejadas. É uma nova ditadura em que as palavras são mascaradas. Bobagem. Vocabulário não é regime. Falar diferente não emagrece. Gordice é gordice. Só que ninguém precisa sofrer por isso. Basta ser gordo e feliz”.