Ney Latorraca fala sobre musical high tech e seu casamento: ‘Nunca achei que precisasse levantar bandeiras’


O ator comemora 60 anos de carreira utilizando tecnologia inédita no teatro brasileiro, e, em entrevista exclusiva, repercute a declaração de amor ao ator Edi Botelho que movimentou a web: “Nos conhecemos na montagem de ‘Dom Juan’, com direção do Gerald Thomas, que fazíamos juntos. Não falava antes, porque nunca achei que precisasse levantar bandeiras. Além disso, no passado, isso impactava nos trabalhos, o galã tinha que viver vidas duplas. Acho que agora chegou o momento. Essas paredes foram derrubadas, é uma vitória”

*Por Brunna Condini

Após 60 anos de carreira, Ney Latorraca conta, nesta entrevista exclusiva, que se sente recomeçando. “Na verdade, é como se eu estivesse começando. Acho isso bom, porque se não sentimos esse frio na barriga, parece que já sabemos tudo, e não é assim. E com essa peça, é tudo novo. É tudo muito emocionante”, diz o ator, sobre ‘Seu Neyla‘, espetáculo que por conta de uma tecnologia inédita, que comporta um telão de led, de 5 metros de altura por 2,5 de largura, permite que ele contracene da sua casa com outros cinco atores e o público, no Teatro Riachuelo. O ator se sentiu mais seguro para voltar à cena neste formato, mesmo já tendo tomado todas as doses de vacina da Covid-19. O musical se propõe a revisitar seis décadas da trajetória do artista e seu caminho até aqui. “Com pai carioca e mãe de Campo Grande, cheguei ao Rio vindo de São Paulo para ficar três meses, estou até hoje. São 48 anos aqui. O teatro também é a família que escolhemos. Estou feliz de estar de volta. Não é um estudo profundo, é um musical para trazer alegria”.

 Eu vim aqui para quê? Não é só para receber aplausos. Vim à Terra para cooperar também. Aprendi isso com a minha mãe, mas também tem a ver com caráter – Ney Latorraca, ator

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Ney Latorraca comemora 60 anos de carreira utilizando uma tecnologia inédita no teatro brasileiro (Foto: Markos Fortes)

Não falava da minha relação antes, porque nunca achei que precisasse levantar bandeiras. Além disso, no passado, isso impactava nos trabalhos, o galã tinha que viver vidas duplas – Ney Latorraca, ator

Amor e anjo da guarda

Em recente entrevista, Ney falou da relação de mais de 20 anos com o também ator, Edi Botelho. “Nos conhecemos na montagem de ‘Dom Juan‘, com direção do Gerald Thomas, que fazíamos juntos. Estava no intervalo dos ensaios pensando se anjos da guarda existiam. Foi quando ele passou e me perguntou se eu queria alguma coisa, e eu disse que “não”. Assim mesmo, Edi me trouxe um sanduíche, muito bem feito. Fiquei pensando se era o tal anjo ali”, lembra.

Edi Botelho e Ney Latorraca em 'Don Juan' (Divulgação)

Edi Botelho e Ney Latorraca em ‘Don Juan’ (Divulgação)

“Temos respeito, dignidade em nossa relação. É um homem íntegro, nunca me usou de nenhuma forma para algo em sua carreira. É um ótimo ator. Tem o caminho dele e está ao meu lado. É muito inteligente, amamos conversar até hoje. É leve”.

Sobre falar abertamente a respeito da relação, Ney pontua: “Não falava antes, porque nunca achei que precisasse levantar bandeiras. Além disso, no passado, isso impactava nos trabalhos, o galã tinha que viver vidas duplas. Acho que agora chegou o momento. Essas paredes foram derrubadas, é uma vitória”.

Uma ode às mulheres de sua vida

Em um dos momentos do espetáculo, o ator homenageia o que chamou de ‘mulheres da sua vida’, entre elas Marília Pêra (sua madrinha no teatro), Maria Della Costa, Tônia Carreiro, Lilian Lemmertz, e Dina Sfat, com quem Ney contracenou em alguns trabalhos como a inesquecível minissérie ‘Rabo de Saia‘, na Globo, no qual ele interpretava o mulherengo Quequé.

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No atual espetáculo, ele relembra seu primeiro trabalho com Dina, que virou uma grande amiga. “Recebi um telefonema dela para fazer ‘Mandrágora‘ (1975) no teatro, com direção do Paulo José. Eu tinha acabado de ser convidado pelo Walter Avancini para fazer a novela ‘O Grito‘. A Dina era muito amiga do Avancini e soube que o Jorge Andrade entregou a novela toda pronta. A ação da trama se passava em um dia, eu ficava em um apartamento observando o que acontecia no outro. Como o Avancini já tinha na cabeça toda a montagem das cenas – ele era impressionante – gravei toda a minha participação em dois dias, e fiquei livre para fazer a peça”, recorda.

“Ele era um diretor genial. Em ‘Rabo de Saia‘ eu tinha mais de 2000 cenas, e gravamos em 18 dias”, conta Ney, que está no ar, em Vale a Pena Ver de Novo com outro sucesso do diretor Walter Avancini, a novela ‘O Cravo e a Rosa‘.

O ator celebra 60 anos de carreira em cena (Foto: Markos Fortes)

O ator celebra 60 anos de carreira em cena (Foto: Markos Fortes)

O ator celebra 60 anos de carreira em cena (Foto: Markos Fortes)

O ator celebra 60 anos de carreira em cena (Foto: Markos Fortes)

Ney e Dina Sfat – que morreu em 1989, vítima de um câncer de mama contra o qual lutava havia anos – se tornaram parceiros dentro de cena e amigos para a vida toda. “Sinto muita saudade dela. Lembro que uma vez gravávamos ‘Rabo de Saia‘ em Tiradentes, Minas Gerais, e eu ficava sempre brincando, fazendo graça nos bastidores antes das gravações. Afinal tinha na ficção 12 filhos (risos). Um dia, a Dina me chamou em um canto e me deu uma dica preciosa, para a vida, me disse: “Ney, você tem muita energia, isso é ótimo. Mas tem entrado no set para gravar exausto. Porque não experimenta colocar isso tudo na cena? No final do dia, você solta. Foi um toque maravilhoso”.

“Não falava da minha relação antes, porque nunca achei que precisasse levantar bandeiras” (Foto: Markos Fortes)

Ele relembra ainda o momento que soube da partida da atriz. “Minha mãe, dona Nena, chegou no meu apartamento em Ipanema na época, e disse de supetão: “Sua amiga foi embora”. Ela não imaginava como eu ficaria. A notícia me impactou tanto, que no mesmo dia tive que ser operado de uma úlcera que estourou. Dina é inesquecível”.

A cultura resistindo

No palco, o ator fala que teve sua primeira oportunidade profissional em 1965, no espetáculo ‘Reportagem de Um Tempo Mau’, de Plínio Marcos. A peça teve apenas uma apresentação no Teatro de Arena tendo sido proibida pela Censura Federal. Sobre os ataques à cultura do país nos últimos anos, Ney analisa: “Somos mais fortes. Qualquer nuvem que paire sobre nós, encontramos a luz. De todos os regimes, o melhor é a democracia. Ela grita, é escandalosa, é linda. Ninguém consegue calar. E cada dia ela se fortalece mais”.

O ator celebra sua vida e trajetória (Foto: Markos Fortes)

O ator celebra sua vida e trajetória (Foto: Markos Fortes)

O ator celebra sua vida e trajetória (Foto: Markos Fortes)

O ator celebra sua vida e trajetória (Foto: Markos Fortes)

O teatro também é a família que escolhemos. Estou feliz de estar de volta. Não é um estudo profundo, é um musical para trazer alegria – Ney Latorraca, ator

Legado afetivo

Sobre a mãe, dona Nena, morreu em 1984, aos 71 anos, uma grande amiga e incentivadora, ele exalta o maior legado: “Aprendi com a minha mãe a ser o mais generoso possível na vida. Uma vez, ela chegou a vender um telefone que tínhamos para ajudar uma amiga. Era capaz de tirar algo que usasse para dar a quem gostava. Pura naturalidade”, relembra. “Herdei isso. É importante olhar além. Ajudo o Retiro dos Artistas, a ABBR, o GAPA de Santos, entre outras instituições. Na vida não adianta só conseguir tudo o que se quer e não olhar para os outros. Eu vim aqui para quê? Não é só para receber aplausos. Vim à Terra para cooperar também. Aprendi isso com a minha mãe, mas também tem a ver com caráter”.

Ney Latorraca comemora 60 anos de carreira utilizando uma tecnologia inédita no teatro brasileiro (Foto: Markos Fortes)

“Ela faleceu em São Paulo, e eu demorei a voltar para o meu apartamento no Rio. fiquei na casa do Nanini (Marco Nanini). As pessoas ficaram tristes junto comigo, saia na rua e tinha que consolá-las. Minha mãe sabia que ia partir, e me disse que estava feliz, porque tinha me visto me realizar, fazer sucesso na profissão. Viu muitos trabalhos importantes meus, adorava. Dizia que eu era um bom filho, ator e amigo. Quando ela se foi fiquei muito abalado. Tanto que o Nanini montou ‘O Médico e o Monstro‘, que eu fazia de dia e ‘Irma Vap‘, em que estávamos em cena à noite, para eu não ter tempo de pensar. A arte cura, é uma droga saudável”.