No Rio, O Cluster mostra recorte de uma geração ávida por mudanças, alheia ao tititi das semanas de moda!


Enquanto termina hoje a SPFW e começam, quase simultaneamente, o Minas Trend e o Fashion Rio, eventos alternativos revelam haver espaço para a diversidade de propostas

*Por João Ker

No último domingo (30/03), enquanto São Paulo se preparava para receber a horda de fashionistas que chegavam para a semana de moda, o Rio de Janeiro fervia com sangue novo, espalhado pelas ruas de Botafogo. Isso porque acontecia a sétima edição de O Cluster, no Solar das Palmeiras. No papel, o evento é um “espaço multidisciplinar com a proposta de trocar experiências com artistas, marcas, designers, estudantes e o público em geral”. Na prática, é muito menos quadrado: como uma espécie de feira em um ambiente descontraído, é possível caminhar pelo casarão onde costuma acontecer o evento e conferir os estandes das novas marcas de moda; do lado de fora, piscinas de plástico, almofadas e mesas estão distribuídas pela varanda, onde se assiste a live painting, se compra arranjos de flores (em uma kombi) e são degustadas pequenas pérolas da gastronomia a preços acessíveis, com um som que parece sair das árvores, de tão natural que se integra ao ambiente. Jovens, famílias e crianças se esparramam pelo espaço, à carioca, como se o verão não tivesse fim. Sob a curadoria de Carolina Herszenhut, o Cluster é um pólo cool de acessível criatividade para quem tem uma juventude de espírito e não tem paciência para pose – apesar de não se abster dela. HT conversou com Carol sobre como funciona esta iniciativa e também sobre como ela planeja dar continuidade ao evento daqui para frente. Confira.

Parece forçação de barra, mas não é. Para a curadora, apesar do alto nível de hipsters -impossível fugir deles hoje em dia -, todos que frequentaram esta última edição tem alguma coisa em comum: o apreço e a busca pelo que é diferente. “Temos uma linha de roupas masculinas como a Hull, e os acessórios da Rust Miner são feitos a partir de materiais reaproveitáveis, como pneu de bicicleta. Os arranjos em vinil e bolsas feitas com lona de banner da Fabricare são incriveis e os grafites críticos de Wark Rocinha têm atitude. E tudo isso, embalado pelo rock’n roll cinquentinha de Marcelinho da Lua é um luxo”, afirma Carol. De fato, tudo ali exala um frescor de “amanhã” autêntico.

A produtora ainda comenta que a finalidade do evento é poder divulgar e canalizar agentes da economia criativa, algo essencial nos dias atuais: “Hoje nós temos uma fila de 300 marcas querendo expor aqui, inclusive muitas de São Paulo, mas a prioridade é divulgar o mercado carioca. Só não podemos colocar todas porque temos uma preocupação muito grande com a originalidade da marca,  a qualidade e, o mais importante, se ela sabe se comunicar com seu público.”

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Fotos: I Hate Flash / Divulgação

Portanto o cuidado do crivo ao escolher quem entra no evento é justo o que faz as marcas expostas ali irem na contramão de grifes nacionais que “preferem copiar passarelas gringas e requentar mais do mesmo”, segundo a curadora. “Os rótulos jovem e cool do qual algumas dessas cariocas hypadas se apropriam, no fundo, não passa de artifício barato para atrair hippies de boutique e pessoas que só sabem ter estilo com um orçamento de R$ 1.000 para cima por look”, afirma, ressaltando que a “moda da rua” que é vendida nos shopping a preços surreais não chega nem perto dos genuínos desejos dessa geração que “will never be royals“.

Grande parte desses desejos pode ser vista em um rolé pelo evento. No início do ano, em meio a um calor infernal de fazer Belzebu suar, tornou-se hábito ver alguns homens saindo de casa com a saia emprestada da amiga, irmã ou namorada. Além de uma pequena polêmica no Facebook, graças a um sujeito hétero que foi trabalhar vestindo a peça, nada foi dito a respeito dessa tímida “tendência”. A moda já havia sido desfilada em Paris e feito alarde na cinturinha de pilão marombada de Marc Jacobs, mas, óbvio, não poderia atingir as massas. Aqui no Brasil, a necessidade de driblar o calor tropical é ignoradas por marcas importantes, sem coragem de dar um tapa na cara da sociedade, já que homem com saia não vende fácil, tem pecha de “gay”. Nesse contexto, é um alento se deparar com a Hull, que vende saia pra homem no evento. É quase como ter a sensação de receber uma brisa fresca na cara em meio ao forno de padaria carioca. Nas peças masculinas de Rodrigo Hull, as linhas que definem o gênero são propositalmente tênues. “A gente vai além da definição de homem e mulher, e todas as peças são pensadas tanto em um, quanto no outro. O objetivo é vestir muito bem os dois”, explica o estilista. A ideia funciona. Rodrigo explica que seus consumidores principais são jovens de maneira geral e que, durante esta edição da Cluster, recebe o primeiro cliente heterossexual interessado em suas saias. Dá para parafrasear a famosa frase da chegada do homem à lua: “É um pequeno passo para o homem, grande para a humanidade”.

O mesmo tipo de questão parece circundar a Handred, que vende camisas e shorts apeláveis para qualquer homem que já sonhou, na vida,  usar uma estampinha da Farm: florais, cores claras e acabamentos delicados são o que ela oferece. André Namitala, designer da grife, explica qual é o seu foco: “No Brasil, são homens de cabeça aberta, cariocas, moderninhos ou gays”. A necessidade de explicar que esse é o tipo de pessoas que comprariam suas roupas no Brasil revela, claro, que ainda há muito preconceito a ser destrinchado, mas que o quadro pode mudar.

Diante disso tudo, o fato mais significativo sobre O Cluster é ele, enquanto painel, mostrar um recorte comportamental da geração Y. Não de qualquer integrante seu, mas a parcela que pensa fora da caixa. Uma parte dessa faixa etária que quer viver para si, e não para os outros; que tem consciência ecológica (nenhum resto de cigarro foi visto no chão, pelo menos até a hora em que este repórter esteve ali) e vai em busca de designs sustentáveis; que, antes de se encaixar, procura se destacar. Por mais que, às vezes, o país ande a passo de formiga – e mesmo com o establishment das semanas de moda, bazares livres e gratuitos como O Cluster são um sopro de renovação, provando que há espaço para todos.