Luiz Bertazzo, de “Ainda Estou Aqui” fala sobre a tripla indicação do filme ao Oscar e relação com Fernanda Torres


O ator vive um momento de destaque ao interpretar Schneider, um agente da ditadura, no longa “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, que aborda a trajetória de Eunice Paiva pela busca pela verdade sobre o destino de seu marido, o deputado Rubens Paiva, que se estenderia por décadas – é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos. Reconhecido por sua atuação, Bertazzo contracenou com Fernanda Torres, vencedora do Globo de Ouro por seu papel de Eunice Paiva. O ator ressaltou a importância de retratar a violência de um período tenebroso, além de celebrar a projeção internacional do cinema brasileiro, cujo filme concorre em três categorias para o Oscar. Em 2024, Bertazzo integrou o elenco de “Baby”, de Marcelo Caetano, que recebeu 25 prêmios, e segue com novos projetos, incluindo a série “Iceberg” e o roteiro de “Alice Júnior, Férias de Verão”

*por Vítor Antunes

O ator Luiz Bertazzo celebra um momento marcante em sua carreira ao interpretar Schneider no longa-metragem “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles. Após ganhar destaque na série “Betinho: No Fio da Navalha”, o artista sul-mato-grossense conquistou reconhecimento por sua atuação no filme. No de Janeiro, no início dos anos 70, o O país enfrenta o endurecimento da ditadura militar. Estamos no centro de uma família, os Paiva: Rubens (1929-1971)., Eunice e seus cinco filhos. Vivem na frente da praia, numa casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens Paiva é levado por militares à paisana e desaparece. Eunice – cuja busca pela verdade sobre o destino de seu marido se estenderia por décadas – é obrigada a se reinventar e traçar um novo futuro para si e seus filhos. Baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, a história emocionante dessa família ajudou a redefinir a história do país.

“Sem dúvidas, foi a realização de um sonho estar em cena com Fernanda Torres e Selton Mello, sendo dirigido pelo Walter”, conta Bertazzo. Fernanda Torres, que interpreta a protagonista Eunice Paiva destacou o trabalho de Bertazzo: “Os agentes da ditadura não são tratados como brutos e burros; pelo contrário. E você vê no Bertazzo, da maneira como ele fez, que é um cara sofisticado. Você não está lidando com uma brutalidade burra”.

Fernanda Torres venceu na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama no Globo de Ouro, sendo a primeira brasileira a levar o prêmio. Maior das surpresas, o filme concorre em três categorias no Oscar: Melhor Filme Internacional, Melhor Atriz, e na categoria mais nobre, a de Melhor Filme. “Este é um momento marcante para o cinema nacional: sermos indicados ao Oscar na categoria de Melhor Filme, algo inédito para uma obra em língua portuguesa. Já havíamos sido reconhecidos na categoria de Melhor Filme Internacional, mas nunca na principal. Essa conquista abre portas, mostrando que nossa narrativa tem alcance e relevância global, especialmente num contexto de retomada cultural após anos de desvalorização das artes. O filme carrega uma mensagem poderosa, confrontando pensamentos antidemocráticos ao revisitar um período sombrio da nossa história: a ditadura militar. É uma plataforma universal para refletirmos sobre quem somos como nação. Além disso, a indicação histórica de Fernanda, repetindo o feito da mãe, reforça a força do nosso cinema. Estamos otimistas e esperançosos por essas premiações, que ocorrerão em pleno domingo de Carnaval. Este filme também é um tributo à memória de Eunice Paiva, símbolo de resistência durante a ditadura, tornando este momento ainda mais significativo para todos nós”.

O ator compartilha, então, alguns dos bastidores da convivência com a atriz: “A Fernanda é superdivertida. Ela é exatamente o que se vê nas entrevistas: tem uma potência e força incríveis para interpretar uma personagem como a Eunice Paiva, de forma tão forte e emocionante, mas sem exageros. Ao mesmo tempo, ela é capaz de fazer uma piada, trazer humor. Isso é fascinante de ver. Sou muito fã dela, então fiquei encantado e feliz demais por estar ali. Foi uma experiência incrível. Torço muito por ela, já torcia antes, mas hoje torço ainda mais, por ela e pelo filme, como se fosse alguém da minha família. É muito louco. Ela realmente desperta isso nas pessoas.”

Fernanda Torres e Luiz Bertazzo no set de “Ainda Estou Aqui” (Foto: Divulgação)

Ele prossegue: “Ao mesmo tempo que é capaz de interpretar uma personagem como a Eunice Paiva, super séria, ela consegue trazer humor nas entrevistas que dá. Isso era algo que se refletia no set também. Ela estava ali, completamente imersa como Eunice Paiva, mas, nos momentos entre um plano e outro, ou antes do próximo take, ela fazia questão de manter o ambiente harmonioso e divertido. Ela brincava o tempo todo. Começou a brincar muito sobre o meu personagem, dizendo que parecia um ótimo pai, um excelente marido que visita as tias na Tijuca. Quando percebi que ela estava enxergando isso no meu processo de atuação, comecei a seguir por esse caminho, jogando junto com ela, com o que ela via”.  O personagem de Bertazzo era um militar ligado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e vinculado aos torturadores da ditadura.

Bertazzo complementa dizendo que Fernanda é uma atriz muito generosa. “Ela constrói o personagem dela, mas também abre espaço para que você construa o seu, para que a cena e a relação entre os dois personagens brilhem. Foi incrível trabalhar com ela. Quando começamos a ensaiar e gravar, parecia que tudo fluía naturalmente. O texto, às vezes, tinha uma qualidade quase teatral de tão vivo e orgânico, fruto da condução do Walter Salles durante as cenas”.

Luiz Bertazzo critica a relativização da ditadura (Foto: Julieta Bacchin)

“Eu nasci em 1985. Foi o ano em que o país se redemocratizou, então tenho a mesma idade da nossa democracia. Por isso, é muito importante para mim estar nesse filme e falar sobre essas questões. Quando eu era criança, havia um consenso entre as pessoas de que a ditadura era algo abominável, algo que não se podia desejar. Por isso, levei um susto ao ver esse levante recente, pessoas indo aos quartéis, pedindo intervenção militar, pedindo a volta da ditadura. Parece que as pessoas se esqueceram, e as novas gerações não receberam essa mensagem, não tiveram esse entendimento transmitido. De alguma forma, as artes — não só o cinema, mas também a música, como as músicas censuradas de Chico Buarque, Caetano Veloso e Rita Lee, que foi uma das mais censuradas — precisam continuar falando sobre a ditadura. Fazer isso por meio de um filme que toca as pessoas em um lugar mais universal é muito significativo. A repercussão internacional do filme vem justamente desse aspecto: ele aborda a perda de uma mãe, a Eunice Paiva, e a maneira como ela reconstruiu a vida, como lutou pelo Brasil”.

“O filme nos dá uma oportunidade de falar sobre esse tema de uma maneira sensível, comovendo as pessoas. Ele tem a missão importante de mostrar o que é a barbárie de um estado não democrático, de um estado que tortura, mata e desaparece com corpos. Isso não é algo a se pedir nos quartéis, e o filme tem sido muito importante nesse sentido. Além disso, é incrível ver as conquistas no audiovisual, como o fato de o filme levar tantas pessoas ao cinema novamente, especialmente após uma pandemia que nos afastou do contato físico. Filmes como este, ou como O Auto da Compadecida, com mais de 3 milhões de espectadores, e Baby — que vamos falar daqui a pouco — têm lotado salas de cinema. Esse movimento no cinema mostra o quanto é importante, não só internacionalmente, mas também nacionalmente. O cinema brasileiro traz narrativas fortes, potentes, que precisam ser ditas, e que são extremamente atuais, mesmo quando falam de um passado, como é o caso de  Ainda Estou Aqui. São temas que nos percorrem e fazem parte do DNA do brasileiro”.

Quando veio o anúncio da Fernanda como Melhor Atriz no Globo de Ouro eu chorei inesperadamente. Achei que ia vibrar, gritar, mas caí no choro. Foi emocionante ver o Brasil ali, o filme naquele palco, um momento que nunca vou esquecer. Acho que a Fernanda merece todos os prêmios que for indicada. O filme já faz parte da história do cinema no Brasil, e me enche de orgulho ter feito parte dessa história. Ele nos deu uma autoestima coletiva, encheu a gente de orgulho, não só para quem trabalhou nele, mas o Brasil inteiro se sentiu ali, de alguma forma representado. O país segue assombrado por esse fantasma da ditadura. Esse filme é importante para que a gente nunca esqueça dessas atrocidades” – Luiz Bertazzo

O ator lembra que, para conquistar o papel, precisou passar por testes quase um ano antes das filmagens e que escolheu explorar o contraste entre gentileza e violência, inspirado pelo livro de Marcelo Rubens Paiva. “Fui por esse caminho durante o teste, e acho que isso foi um acerto, pois acredito que a violência gráfica ou exagerada costuma afastar o espectador, quase como se transformasse a ditadura e seus agentes em um clichê ficcional, longe da realidade. Quanto mais próxima a violência está da gente, mais sutil ela pode ser. A direção de Walter Salles para essa personagem era justamente a de mostrar o quanto esses agentes poderiam ser nossos vizinhos ou se assemelharem a alguém da nossa própria família. Isso aumenta a sensação de perigo”, reflete.

Em 2024, Luiz também teve sua imagem projetada no Festival de Cannes, no filme “Baby”, de Marcelo Caetano, que estreou em 9 de janeiro. Em “Baby”, ele mantém sua figura antagonista em um registro mais elaborado. “Talvez seja a história de amor mais linda que já vi se passando em São Paulo, ainda que mergulhada num universo de muita dureza e vulnerabilidade. Para interpretar o Torres, um traficante do mundo LGBT+, Marcelo e eu escolhemos o caminho de uma periculosidade lasciva, desse sentimento de libido e ameaça de quando se flerta com o perigo. Meu personagem em “Baby” está mergulhado em outro mundo, com violências distintas das de ‘Ainda Estou Aqui’”.

Ele explica: “Baby é um filme muito forte porque, ao mesmo tempo que tem essa linguagem LGBT, ele também fala de amor, mesmo sendo um amor duro, ambientado no centro de São Paulo, um lugar marcado por muitas mazelas e marginalidade. No entanto, mesmo nesses espaços difíceis, brotam relações de amor. Esse amor pulsa no filme o tempo todo, não apenas entre os dois personagens principais, mas também nas relações familiares, o que é muito interessante, porque acontece dentro de uma estrutura muito dura, simbolizada pelo Minhocão, onde o filme está geograficamente situado”.

Para Bertazzo, o longa propõe também uma discussão sociológica. “É importante destacar a temática LGBT presente no filme e como ela ressoa dentro do ser humano. Questões como homofobia aparecem ali, mesmo que o filme não faça um recorte explícito sobre isso. A trama se desenvolve dentro de uma comunidade queer, e o meu personagem, mesmo assumindo um papel antagônico ao do protagonista, ele também é queer. Essa complexidade é interessante de se abordar”

Claro que pode haver um público que não se sente confortável com um filme LGBT, mas ‘Baby’ dialoga com quem está disposto a ouvir, inclusive fora da comunidade LGBT, porque trata de um tema universal: o amor e, em alguns casos, a impossibilidade de amar. Isso faz com que o filme alcance pessoas além da sua temática inicial. Acredito que o mais importante seja criar narrativas LGBT que sejam universais, que não sejam confinadas a nichos. ‘Baby’ não pode ser resumido a um ‘filme LGBT’. Ele é um filme que transcende rótulos, explorando questões LGBT em espaços que não são necessariamente marcados por essas identidades – Luiz Bertazzo

Luiz Bertazzo está em dois filmes aclamados: “Ainda Estou Aqui” e “Baby” (Foto: Caio Lírio)

Essa não é a primeira vez que o ator participa de festivais internacionais. Em 2020, seu primeiro longa-metragem como roteirista, “Alice Júnior”, foi selecionado para o Festival de Berlim. No horizonte, o ator estará em novos projetos: além da série “Cidade de Deus – A Luta Não Para”, onde vive o chefe de redação que pressiona Buscapé, protagonista interpretado por Alexandre Rodrigues, por um furo de reportagem na comunidade e cuja segunda temporada está em produção, ele está gravando seu primeiro papel como protagonista na série “Iceberg”.

Além das séries, rodou o longa “Valentina” e prepara “Alice Júnior, férias de verão”, seu trabalho como roteirista. “Minha expectativa é que o meu trabalho fale por mim, e me abra portas pra continuar fazendo o que eu amo, que é atuar e escrever roteiros. Só agradeço por tudo”, celebra o ator, que vive uma fase marcada por grandes desafios e conquistas no cinema e nos streamings.