Filha de Marcelo Fromer, guitarrista dos Titãs, homenageia o pai no dia em que sua morte completa 15 anos: “Ele morreu. Mas eu o tenho. Aqui. Agora. Ainda. Sempre”


Alice Fromer publicou o texto no site que a família administra para manter viva a memória do artista

Hoje faz 15 anos que o guitarrista e um dos fundadores dos Titãs, Marcelo Fromer morreu ao ser atropelado por uma moto, na Avenida Europa, nos Jardins, em São Paulo. Marcelo, apaixonado por futebol e por música, é o autor de sucessos do grupo, como “Sonífera Ilha”, “Televisão”, “Polícia”, entre outros, além de ter deixado uma biografia inacabada do jogador Casagrande e vários textos, poemas e letras de músicas que foram reunidas em um site organizado por sua irmã, Cuca Fromer.

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Nesta segunda-feira, sua filha Alice Fromer – uma das três que ele deixou -, escreveu um texto em homenagem ao pai, para que sua memória permaneça presente. A gente achou tão bonito e forte, que resolveu compartilhar aqui com vocês:

“Meu pai morreu faz uns bons (na verdade bem ruins) anos. Pessoas morrem, pais morrem. Mas daí a afirmar que “não tenho pai”, há um profundo e até insensato abismo.

Esses dias parei pra refletir sobre o quão estranha é a seguinte situação: alguém te pergunta sobre seu pai; seu pai faleceu já há algum tempo e então você simplesmente responde que não tem pai.

É uma situação até bastante corriqueira. Mas vem me impressionando, cada vez mais, a quantidade considerável de pessoas que respondem dessa forma quando questionadas sobre algum familiar que tenha já morrido mas com o qual tenham convivido durante anos. Mãe, pai, avós…

O que quero dizer é: como assim você não tem pai? É claro que você tem, ele só não está aqui. Jamais estará. Você jamais o verá novamente. Mas a dureza dos fatos — por mais pesarosos e devastadores que eles sejam — não justifica uma tal resposta. Para mim, revela um certo descaso.

Marcelo Fromer e Alice

Marcelo Fromer e Alice

Prevenindo já interpretações equivocadas, é claro que ninguém que recorre à resposta de que não tem pai, fá-lo com má intenção ou por falta de consideração. Não é isso que estou dizendo. Mesmo eu, possivelmente, já devo ter me servido dessa resposta um pouco infeliz.

Acontece que, se pararmos para pensar cuidadosamente sobre o real sentido desse padrão de resposta — e só recentemente o fiz —, facilmente corrigiríamos o nosso discurso ou nos incomodaríamos ao ouvi-lo por parte de terceiros.

Em meio a um certo automatismo do discurso, parece que a sensibilidade para com as palavras se perdeu um pouco. Talvez o seu interlocutor nem se incomode com a resposta — porque não pensou com cuidado sobre ela — tampouco você a julgará negligente ou perto disso — uma vez mais, por uma carência de reflexão.

No fundo, dizer que não se tem pai, quando na verdade ele faleceu depois de um ano, dois anos, vinte anos que sejam, de convivência, representa uma amnésia momentânea ou uma suspensão de toda uma história. Se quisermos, de toda uma vida.

Ora, se confrontada com a frequente pergunta do “mas e seu pai?” ou “cadê seu pai?”, “seus pais moram juntos?”, o leque de respostas é vasto. Das mais concisas às mais detalhadas. Só não é justo que eu recorra à leviandade de dizer que não tenho pai. Assim, sem mais nem menos, como se de fato nunca tivesse tido.

Com isso tudo, quero dizer apenas que tenho pai. Sim, o tempo verbal está correto. Não é que eu tive pai e agora já não tenho. Ele morreu. Mas eu o tenho. Aqui. Agora. Ainda. Sempre”