Exclusivo: Clarissa e Je Muniz conversaram com a gente sobre a próxima edição de O Mercado, economia criativa e crise. Vem ler!


As sócias são responsáveis pela feira e garantem que é possível viver de pequenos empreendimentos no Brasil em tempos de crise. “A diferença entre nós e os grandes empreendedores é que para eles é mais difícil se adaptar à crise por questões estruturais que nós não enfrentamos”, diz Clarissa

Dia 15 de agosto é o Dia dos Solteiros, mas a data promete um motivo a mais para comemorar:  O Mercado, feira de moda, design, arte e gastronomia terá uma edição pra lá de especial, na sede do Fluminense. Criado pelas sócias Clarissa Muniz e Je Muniz, O Mercado reúne 100 marcas com estilos e visão de moda totalmente diferentes. O DJ Galalau comanda a festa e a entrada é gratuita. O evento reúne diversas criações e leva ao público, há quatro anos, uma opção de consumo alternativa, com originalidade e atendimento personalizado. O evento está entre os mais importantes do país como estímulo da economia criativa, que é fundamental para fazer o mercado girar em tempos de crise, quando as pessoas não podem ou têm medo de gastar.

 

Já reconhecida há mais de uma década, a economia criativa usa a criatividade como matéria-prima para vender sensações e sentimentos. Para estar à frente desse mercado, as empresas precisam manter-se no imaginário do consumidor e oferecer benefícios e é isso que O Mercado proporciona. As marcas que expõem na feira se tornam reconhecidas pelos frequentadores e oferecem mais do que apenas o produto, mas todo o contato com seu fabricante e o atendimento exclusivo.

Esse ramo vem crescendo rapidamente no mundo econômico graças a uma geração de renda e a criação de empregos, já que inovação humana e criatividade se tornaram a carta na manga das nações para vencer crises. Em tempo: a Firjan está reformando o palacete que pertenceu à família Guinle, em Botafogo, para ser sede de um polo de economia criativa.

No Brasil, devido ao potencial de crescimento, em 2011 foi implantada a Secretaria de Economia Criativa, que tem como objetivo conduzir a implementação de políticas públicas para o desenvolvimento dos pequenos e microempreendedores criativos. Esses profissionais tem horários de trabalho alternativos e o que os destaca entre si é a capacidade de inovar. Ou seja, diferentemente da economia tradicional, de agricultura, manufatura ou comércio, a economia criativa acredita no potencial humano para produzir bens criativos e de considerável valor econômico. Grande parte dessas atividades vem do setor de moda, design, cultura, gastronomia, música e artesanato, principais focos de O Mercado.

As estilistas responsáveis conversaram com a gente sobre moda, economia criativa, crise e muito mais. Olha só:

HT: Como começou “O Mercado”? De onde surgiu a inspiração do nome?
Je Muniz: Bem, na verdade a gente queria um nome simples e direto que mostrasse para o que viemos. Não queríamos que tivesse nenhuma referência a estilo ou época. Esse nome é clássico e fica para sempre.

Clarissa Muniz: Eu tenho uma marca, a Zizi Anil e a Je tem a Rosamunde e nós duas sempre participamos de feiras e bazares. Nos conhecemos em um bazar em Ipanema e sempre ficávamos conversando sobre o que achavámos interessante ter no evento, como sacolas grandes, não cobrar entrada, essas coisas, sabe? Resolvemos criar “O Mercado” pra nos atender e também aos conhecidos que queriam o evento feito pelos olhos de quem expõe, os estilistas e designers, já que os produtores acabam tendo uma outra visão. O nome “O Mercado” surgiu depois de pesquisarmos nomes e vermos que tem vários mercados, o MundoMix, o MercadoFashion etc, nós queríamos ser uma casa de todos eles. Somos amigas de vários produtores de eventos do Rio e a nossa ideia era essa e até hoje conseguimos levar bem a sério. Eu e a Je que fazemos tudo, entramos em contato com os expositores, ensinamos o que se leva pro evento, como tirar CNPJ e tiramos todas as dúvidas. A ideia é que quem vá tenha suporte.

HT: Quantas edições já rolaram? Sempre no Rio de Janeiro?
CM: Sempre no RJ. Fechamos um calendário anual sempre no mesmo lugar, esse ano todas as edições são no salão nobre do Fluminense. Serão 6 edições, essa é a quarta. O evento comemora cinco anos em novembro.

HT: De quanto em quanto tempo?
JM: Então, ano que vem serão seis edições. Esse ano também fizemos assim, uma edição a cada dois meses. Se a gente faz todo mês fica muito repetitivo, não dá tempo de as pessoas criarem novos produtos. A Clarissa fica mais com a parte de divulgação e eu com fechamento, mandar propostas, marcar entrevistas com os donos das marcas. Eu gosto de conhecer a pessoa que vai participar da feira, de conversar pessoalmente e saber seus objetivos.

HT: Por que vocês escolheram o Dia dos Solteiros pra fazer a edição de “O Mercado”?
CM: Todo ano a gente escolhe um tema para fazer o evento e gostamos de variar sempre. O Natal já é um clássico, mas todas as edições são temáticas. No ano passado, fizemos no Dia dos Namorados. Agora, no Dia dos Solteiros, achamos interessante fazer esse contraponto engraçado quando fomos fechar a agenda.

HT: Qual a importância de unir pequenas marcas em uma feira?
CM: Nós não temos grandes marcas, não tem nenhuma superconhecida em “O Mercado”. Temos marcas bem conhecidas dentro do circuito alternativo de moda carioca, mas nada internacionalmente. Trabalhamos muito com a questão de qualidade de vida, com pessoas que escolheram não abrir dez lojas em shopping, viver em escritórios. Queremos gente que tem marca, que queira botar o processo criativo em prática e viver disso, mas que também tem tempo para viver, ir ao cinema, ficar com a família. A ideia de 99% das marcas é continuar pequena, não é ficar grande. É poder se sustentar com aquilo, viver daquilo. As pessoas que estão com a gente escolheram fazer produção pequena. Inclusive isso que eu e minha sócia fazemos, nossas marcas são pequenas, a minha é feita em ateliê com minha mãe costurando, nós vivemos bem com ela e isso que quero proporcionar para os outros.

HT: Como vocês enfrentam a concorrência das vendas pela internet e os fast-shops que, por produzirem em larga escala, conseguem um preço mais acessível? Como essas vendas abalaram as estruturas de varejo?
CM: Não abalaram, não, eu acho. Existem opiniões muito diferentes. Alguns acham que as vendas virtuais e e-commerce abalaram, mas eu acho que quem está antenado conseguiu controlar isso e entrar na onda. Os pequenos produtores com quem trabalhamos geralmente têm loja virtual e os que não possuem administram formas de vender virtualmente, mesmo que seja através de redes sociais. Quando você participa de feiras acaba impulsionando essa venda virtual. Tem muito cliente que primeiro prefere ver a peça pessoalmente e, depois que conhece a marca, passa a comprar na loja virtual. Eu acredito que sabendo trabalhar os dois, essas redes não abalam o comércio tradicional de varejo.

JM: A produção em larga escala é massificadora, quando você compra em uma dessas redes de fast fashion existem muitas peças iguais ou de estampas iguais. Nós tentamos sempre mostrar que no nosso evento a pessoa vai comprar com quem fabrica e isso incentiva a renda local. O público gosta muito do nosso evento, porque os mercadores estão vendendo aquilo que eles próprios fizeram. O contato é mais pessoal e eu acho que cada vez mais as pessoas buscam esse tipo de atendimento. É um novo conceito de consumo que vai crescer muito. Atualmente, os consumidores querem saber de onde estão consumindo, porque há a preocupação com o próximo.

HT: É possível viver bem produzindo em pequena escala?
JM: É. Com “O Mercado” eu não tenho tido tanto tempo de focar na minha marca, mas eu sempre preparo peças novas para as edições de “O Mercado”. Eu fiz feira a vida inteira, fui criada fazendo isso, sempre viajei muito. Eu acho que depende do que a pessoa considera viver bem, mas na pequena escala o investimento é menor e quando você faz um evento como o nosso você investe, produz e tem o retorno logo, o que é diferente de vender atacado, que não tem feedback na hora, por exemplo. Para a gente é tudo mais dinâmico, então, sim, se vive bem.

HT: Vocês acreditam que os pequenos produtores são pouco valorizados no mercado?
CM: Sim. Infelizmente ainda existe isso de as pessoas acharem que têm que ter uma etiqueta conhecida, um nome e não olharem muito pra forma como é feita a peça. As pessoas consomem algo pela etiqueta e não checam como foi produzido, o que foi feito para que aquilo chegasse ali e, como consumidores, eles influenciam o processo, às vezes negativamente. Mas isso tem mudado muito, ainda bem. Eu acredito de uns oito anos para cá tem melhorado bastante, as pessoas estão enxergando o outro lado e passaram a consumir mais de pequenos produtores, comprar com consciência. As redes sociais ajudam muito nisso, a informação é compartilhada mais rápido, as pessoas ficam sabendo das coisas e fazem escolhas mais conscientes. O consumo de pequenos produtores está em uma crescente considerável.

HT: Vocês acreditam que a concorrência entre agentes criativos estimula o mercado?
CM: Acho que sim! A concorrência é sempre válida. Concorrência saudável, claro, porque isso dá motivo para evoluir e melhorar. Concorrências leais, limpas e honestas até se complementam, de alguma forma. Há público para todos e o grande problema de muitas áreas é que por não ter concorrência acabam estacionando e oferecendo produtos de qualidade duvidosa. A economia criativa evolui mais rápido com a concorrência e ela é muito saudável no mercado alternativo de moda. Mesmo quem vende o mesmo produto mas se ajuda, todos trocam informações. A gente acredita que seu concorrente não é seu inimigo. É uma alavanca para o negócio.

HT: Como é trabalhar com economia criativa em um país em crise?
CM: Olha, minha sócia esses dias falou algo que achei bem interessante. Acho até que ela postou nas redes sociais: “Se está tendo crise e as pessoas estão chorando, então vamos vender lenço”. A diferença entre nós e os grandes é que para eles é mais difícil se adaptar ao segmento por questões estruturais que quem é pequeno não enfrenta. Não vou falar que a crise não chegou. Claro que sim e todos sentem. Mas temos duas situações: a primeira é que muita gente que só consumia em shoppings quer continuar consumindo mas, como o poder aquisitivo está menor, essas pessoas acabam escolhendo consumir em feiras e eventos e passam a conhecer o trabalho. A segunda situação é o lance de adaptação. Para os pequenos produtores é muito mais fácil trocar a matéria-prima por mais barata, barganhar melhor a mão de obra, temos um jogo de cintura e conseguimos nos resolver. A gente sente a crise, claro, mas para uma grande empresa o reflexo é maior. A gente consegue adaptar nosso produto de forma que ele se torne mais barato.

JM: É até mais fácil, às vezes. Claro, não ter um salário fixo é difícil, mas o salário anda tão defasado. Se a pessoa que trabalha com criatividade tiver força de vontade, foco, trabalhar e conhecer bem seu público-alvo é muito possível. Tem que saber usar a criatividade para fazer coisas que as pessoas queiram comprar e que não sejam peças comuns que se vende em lojas. As pessoas que vivem de economia criativa buscam a liberdade e a qualidade de vida, são elas quem definem seus próprios horários, de que feiras participam, onde vendem.

HT: Vocês acham que a economia criativa ajuda a superar a crise econômica do país?
JM: Com certeza! Movimenta capital demais, principalmente pelas pessoas que, ao fazerem CNPJ como microempreendedores individuais, saem da informalidade. Antes era muito difícil ter CNPJ, hoje em dia se tira muito fácil pela internet e isso ajudou muita gente a ter emprego, porque pessoas que eram desempregadas ou até mesmo gente que trabalha em algum lugar, mas é microempreendedor individual, ajuda no movimento econômico e na geração de renda.

HT: Vocês veem a economia criativa como uma possibilidade dos jovens talentos exercerem suas habilidades mesmo diante das dificuldades pelas quais o país atravessa?
CM: Sim! Claro! E olha, isso vai aumentar, tá? Porque muito se fala de demissão e desemprego e essas pessoas vão ter que gerar renda. Muitas pessoas que antes estavam presas em escritórios ou que trabalhavam em setores criativos dentro de empresa estão criando seu projeto agora. Sempre em momentos de crise os autônomos aumentam. Todo mundo tem que ganhar dinheiro de alguma forma, acredito que quem tem um dom ou uma ideia ou um projeto tem que investir nisso. Não só dinheiro. Investir tempo, garra, contato, bater pernas, investir em pesquisa. Independente de crise ou não, quem trabalha com economia criativa não pode se prender na palavra crise.

HT: A economia criativa é uma estratégia de desenvolvimento inclusivo?
CM: Acredito que sim, porque se você chegar no evento e der uma volta, você vai ver como as pessoas são diferentes e têm diferentes histórias, origens e oportunidades na vida. No “O Mercado” temos desde meninas que fizeram faculdade particular de moda até quem fez curso em ONG e aprendeu a costurar lá. Eu acredito que nesse mercado há muita oportunidade, sem preconceitos.

HT: Quais os ramos presentes na feira? Vocês têm mais de 100 empreendedores, como contatam todos eles?
CM: Temos um cadastro no nosso site e quem quer participar se cadastra e selecionamos. Mais de 5000 pessoas se cadastram e nós selecionamos. Óbvio que não dá para colocar todo mundo. Além disso, temos marcas que já estão conosco desde a primeira edição. Começamos a fechar novembro de 2015 em novembro do ano passado. Vendemos os espaços pras pessoas exporem. A rotatividade é bem pouca, porque quem está conosco, geralmente fica. Temos moda feminina, masculina, infantil, lingerie, craft, acessórios, calçados, bolsas, decoração, arte e gastronomia sempre com o Gustavo Fonseca, que é nosso chef em todas as edições. Esse foi um acordo que fizemos para ir na contramão de eventos de gastronomia, já que começamos a nos questionar se esses eventos, tão popularizados atualmente, eram realmente de boa qualidade e vimos que queríamos ir além disso, então ao invés de colocarmos um monte de gente vendendo comida a esmo sem controle de qualidade, nós colocamos um chef e temos acesso direto a ele. Nessa edição teremos comida latina como pimenta, frango ao curry com castanha e banana e muitos outros. O Gustavo Fonseca realmente faz gastronomia num preço acessível. Além disso, teremos chefs de vinhos, de sucos, de drinks, de cerveja e de doces e vendemos geléias, pães e molhos.

HT: Vocês tem apoio dos órgãos governamentais?
CM: Não. Nunca conseguimos apoio de ninguém, nem órgão do governo, nem ONG. Já tentamos contato e não conseguimos. Só nosso mesmo e dos outros expositores. Entre nóss fizemos uma grande rede que todos se ajudam.

HT: Qual o diferencial de “O Mercado”? O que ele tem que outras feiras de pequenos produtores não tem?
JM: O nosso grande diferencial é a seleção. Acabamos montando uma feira grande, mas temos a preocupação e o cuidado de selecionar, de dar oportunidade para os microempreendedores. Além disso, O Mercado não é focado apenas em moda, trabalhamos com design, craft e muito mais. Procuramos ter o mínimo possível de produtos de revenda, queremos que a maioria das pessoas que fazem parte do evento fabriquem seu próprio produto. Existem milhões de feiras de revendedores e a nossa não tem esse objetivo. Temos o cuidado de trabalhar com pessoas criativas, não só comerciantes.

HT: Como vocês lidam com a questão da sustentabilidade, tão presente para quem faz arte?
CM: As sacolas do mercado são de TNT e é enorme, para colocar todas as compras. São laváveis e reutilizáveis. Nós temos muitas marcas que trabalham com reciclagem, a minha é. A LuscoFusco trabalha com retalhos, a Santa Frescura com madeira, vidro, garrafas, os meninos do Ateliê TQ transformam capas de disco de vinil, disquete em bloquinho e muito mais. Por sermos artesãos, temos grande cuidado com a sustentabilidade e reutilização de produtos.

Serviço

O Mercado – Dia dos Solteiros

Dias: 15 e 16 de agosto

Horário: 14 às 21h

Local: Salão Nobre Fluminense Futebol Clube (Rua Álvaro Chaves, 41 – Laranjeiras)

*Entrada Franca – Classificação Livre