Terceto Oriki~Yá estreia no mundo musical com reflexões da ancestralidade afro, do feminino e da maternidade


O grupo Oriki~Yà é composto pelas cantoras Afroflor, Patchamora e Vittória Braun e tem como principal objetivo resgatar a energia e sensibilidade dos ritmos brasileiros e temas de importância da cultura preta.

A banda Oriki~Yá reflete sobre a ancestralidade feminina

*por Luísa Giraldo

Oriki~Yà reúne os encantos da ancestralidade preta, do culto ao feminino e da relação da mulher com a maternidade em canções repletas de sensibilidade. As artistas AfroflorPatchamora e Vittória Braun estreiam como grupo musical com o single “Vem Saudar”, com a participação especial de Negadeza. A canção apresenta a essência das sonoridades e ritmos tradicionais brasileiros. Em conversa exclusiva com o site Heloisa Tolipan, as participantes de Oriki~Yà refletem sobre o impacto do resgate cultural da essência feminina, preta e ancestral, a potência da energia afro-brasileira e latina, as suscetibilidades da maternidade para a mulher contemporânea e relembram a história do terceto.

A banda Oriki~Yá relembra a criação da primeira música, "Vem Saudar"

A banda Oriki~Yá relembra a criação da primeira música, “Vem Saudar”(Foto: Nathalia Atayde)

 

Como tem sido o processo de reunir elementos culturais como o feminismo, a ancestralidade e os ritmos brasileiros?

Afroflor: A mistura dos ritmos e das próprias pautas que a gente levanta são coisas que fazem parte da nossa vida. Naturalmente, a gente acorda e já lida com isso. São ritmos que a maioria de nós já houve desde muito pequena. E os assuntos permeiam a nossa vida no dia a dia. É um trabalho que surge de forma muito natural. Por mais que a gente estude e procure em outros artistas, pensadores, principalmente mulheres, a pesquisa fica nesse campo do que as mulheres escrevem e a reflexão sobre a nossa vivência e a nossa verdade.

Vittória Braun: Simplesmente sinto que as coisas no Oriki~Yà vieram de maneira muito natural e espontânea, quase como um caminho de liberdade. Aqui, a gente é quem a gente é, do jeito que é, com tudo que a gente sabe. É um espaço de liberdade para sermos inteiramente, nas nossas diferenças. Porque isso também é uma coisa legal do Oriki~Yà: cada uma de nós vêm de um lugar muito diferente de vivências, mas há pontos que nos conectam, além de sermos mulheres pretas.

Patchamora: Neste lugar, somos juntas e somos poesia juntas. Tudo começou com um show que trouxe muita vontade e fé para seguirmos e estarmos juntas. Também tem a ver com a cura, já que essa união traz uma cura através do canto. E como cada voz complementa a outra. As nossas vozes são muito diferentes, então coube muito bem. Vejo muito potencial e aprendo a trabalhar em coletividade e ser juntas de forma coletiva e musical. É um sentimento de verdade.

Afro-flor, do grupo Oriki~Yà, fala sobre sua origem de mulheres fortes

Afroflor, do grupo Oriki~Yà, fala sobre sua origem de mulheres fortes (Foto: Nathalia Atayde)

 

Como se dá a relação de vocês com a ancestralidade feminina? 

Afroflor: Venho de uma família na qual as mulheres têm muita força, muita voz e muita presença. Sou fruto de uma família monoparental com uma mãe solo, então sempre tive a imagem de uma mulher forte lidando com a vida. Historicamente, os homens sempre ganharam mais espaço para assinar [produtos culturais] nas artes no Brasil e no mundo. Quando a gente consegue resgatar mulheres que vieram antes de nós e contemporâneas a nós, honramos a todas dando o espaço e a voz [que merecem]. Porque a mulherada está atuando como sempre atuou: muito bem, mas agora tem espaço para colocar o próprio nome. Nós damos espaço para as mulheres que somos individualmente e todas as outras que nos cercam.

Vittória Braun: Ao falar sobre a ancestralidade, pensamos somente no passado. Definitivamente, a gente sente o quanto esses espaços foram abertos na nossa história e no nosso caminhar pelas nossas ancestrais do passado. Mas a ancestralidade também é presente e futuro. A gente aborda muito sobre conseguir olhar para parceiras da contemporaneidade que estão compondo músicas. A gente já está construindo a nossa história. É um processo de conscientização quase inerente da nossa parte porque, quando juntas, externalizamos o que a gente veio construindo nas nossas vidas de algum modo. É como se tivéssemos encontrado um lugar de liberdade para ser aquilo que a gente vem construindo há muito tempo, cada uma em sua respectiva vida.

A ancestralidade não é uma coisa que a gente define. É muito ampla, então sinto que a gente consegue vivê-la nos três tempos da vida. E, também, que estamos construindo ela no momento em que a gente se torna uma ancestral quando se junta. A gente referencia as mulheres que estão perto da gente, o que constrói a ancestralidade. Ela tem a ver com a continuidade e com a perpetuação da gente. Sinto que, com Oriki~Yà, a gente está se perpetuando.

Patchamora: Sinto muita conexão. A gente traz uma conexão dos ritmos variados nas nossas músicas. Inclusive, a gente trabalha junto com percussionistas que estudam ritmos brasileiros variados, o que também traz essa conexão com a nossa ancestralidade. Nós queremos trazer a ideia através de músicas latino-americanas, não só brasileiras. A proposta é mostrar que falamos de todas as mulheres. É um lugar muito especial para usar a minha voz. Nós usamos as vozes juntas para cantar, algo que é muito simbólico já que o meu corpo é como uma cura. Abrir a boca e cantar é algo que faço para me libertar. A gente se encontra no caminho do cantar, que liberta as nossas vozes, que foram silenciadas por muito tempo e ainda são. Vejo esse caminho se juntando ao físico no corpo. É um trabalho espiritual.

Integrante do Oriki~Yà, Patchamora exalta os ritmos e sonoridades brasileiras como forma de conexão com a cultura

Integrante do Oriki~Yà, Patrischa exalta os ritmos e sonoridades brasileiras como forma de conexão com a cultura (Foto: Nathalia Atayde)

 

De que forma vocês entendem a importância desse trabalho para as gerações mais nova, sobretudo na criação de um novo imaginário?

Vittória Braun: Inspirar já é um caminho. Sou a única do grupo que ainda não é mãe e admiro muito esse trabalho. Observo a relação das meninas com os filhos delas e é algo que me alimenta muito. Acho que é revolucionário o suficiente, já que essas crianças crescem vendo que as mães cantam e sobem no palco para defender ideias e ser quem elas são. Não estão para cumprir uma tabela de uma moral cristã careta, antiquada e preconceituosa que diminuía essas mulheres. [Para ela], é como se escolher a arte ou escolher quem a gente é fosse algo menor por conta dessa moral cristã e capitalista na sociedade que a gente vive e que diminui o trabalho artístico.

Gostaria de inteirar que, no nosso último show, tiveram muitas crianças pela presença de inúmeras mães que escutam o nosso trabalho. Foi lindo. Senti que elas se conectam muito fortemente com a ideia do trabalho e com as verdades dentro delas. Sinto que a gente já está alimentando essa nova geração.

Afroflor: Algo bastante imposto socialmente é a rivalidade entre mulheres. Sempre é colocado que as mulheres estão sempre competindo umas com as outras. Nós, como grupo e trio vocal de mulheres cantando juntas, passamos uma outra mensagem: que é possível construir junto e que cada uma dá o seu melhor para a construção desse trabalho. Principalmente para as crianças, é uma mensagem muito forte, já que a gente teve uma referência diferente de bandas femininas e masculinas na infância. Nos grupos masculinos brasileiros, os homens já acordaram de uma forma que não se vê a rivalidade masculina. É possível a gente construir uma nova perspectiva de união de outras mulheres e de exclusão da competição. É uma mensagem muito importante que a gente passa sem nem mesmo termos conversado sobre isso.

 

E de que forma a ideia da coletividade feminina se conecta com o trabalho de vocês?

Patchamora: A sociedade e a mídia mostram a competição entre os indivíduos e a individualização de tudo. Mas somos coletivo. A gente quer saudar as grandezas de cada uma e a união delas torna as nossas grandezas maiores e mais potentes. O amor que o público vem trazendo para a gente, sem importar a idade, e o acolhimento dele nesse show é incrível. Percebi que o nosso canto puro e os ritmos se conectam com todo mundo naquele momento. Não tem tempo ou hora porque a gente se conecta com a alma. A nossa música tem a proposta de conectar com a alma de pessoas de qualquer idade porque é orgânica. A nossa voz compõe uma harmonia em que as pessoas se sentem acolhidas.

 

De onde veio o nome do grupo?

Vittória Braun: Nos encontramos em um show que tinha a temática de 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. O nome veio da percepção que já estávamos saudando coisas que a gente queria saudar: a ancestralidade feminina e o protagonismo de mulheres. A presença, não sempre nas composições, mas nas pessoas que eternizaram essas músicas na interpretação delas que é grande suficiente. A gente quer ocupar todos os lugares de intérprete e de musicista. A gente quer saudar mesmo as coisas que nos fortalecem e constituem a nossa história. É um processo de conscientização.

A artista Vittória Braun, do grupo Oriki~Yà, abre o coração sobre a maternidade

A artista Vittória Braun, do grupo Oriki~Yà, abre o coração sobre a maternidade (Foto: Nathalia Atayde)

E a origem dele?

Vittória Braun: O nome é no idioma iorubá. Amo especialmente isso porque coloca a gente para usá-lo e manter essas palavras vivas, o que é muito caro para a gente. É uma ação importante preservá-lo em um território como o Brasil porque, no geral, a gente renega muito as nossas redes afro-latinas. Cada vez que a gente saúda, conseguimos lembrar que a gente é de um território afro e não apenas colonizado.

 

Como vocês abordaram o tópico do afeto em “Vem Saudar”? 

Vittória Braun: Defendi muito que o nome da música fosse “Vem Saudar” porque ela fala muito do nosso nome e é uma espécie de hino. [A nossa primeira música] tinha que ser  “Vem Saudar” porque é, de fato, um convite. Tem esse lugar do afeto porque a gente convida as pessoas a saudarem conosco. É a ideia do coletivo, mas que não se aplica somente ao fato de sermos uma banda e um coletivo de mulheres que está fazendo um projeto. Trata-se de algo mais amplo: a ideia de coletivo de comunidade. Sinto que a gente convida as pessoas a pensarem sobre a saudade dos afetos e olharem para a poesia como uma coisa além. 

Afroflor: A história da composição da música também envolveu muito afeto e fluidez. Ela aconteceu em um pós-show. A gente estava ainda com a energia da primeira apresentação e se preparando para a segunda. Pensamos que podíamos fazer uma música bonita. Estávamos próximas à janela, a Lua e o céu estavam bonitos e a gente começou a soltar frases. Em questão de minutos, a música estava pronta. Foi tudo muito fluído.

Patchamora: Durante a composição, “Vem Saudar” foi uma das primeiras frases que formulamos para a música.