Com direção de Marcos Caruso, Mateus Solano e Miguel Thiré abusam das mídias sociais em “Selfie” e batem papo com HT


Face, insta, twitter, fotos de celular! Internauta neurótico que se prepare: depois da estreia em Vitória, espetáculo chega ao Rio e aborda com humor a questão da vida de plástico, pautada pelo uso excessivo da hiperconectividade!

*Por João Ker

Nem mesmo a chuva forte que desabou no Rio, em plena noite de Halloween, foi capaz de impedir que o Teatro Miguel Falabella, no Norte Shopping, Rio, recebesse com a casa lotada a  estreia carioca da peça “Selfie”, estrelada por Mateus Solano e Miguel Thiré. Sob a direção de Marcos Caruso e com o texto de Daniela Ocampo, os atores apresentam um espetáculo cbem humorado que lança um olhar crítico sobre o fenômeno da internet, da conectividade e como as relações interpessoais mudaram a partir do avanço dos dispositivos tecnológicos e suas respectivas mídias sociais.

Com um palco minimalista, onde as luzes de Felipe Lourenço são fundamentais, Mateus vive Cláudio, um rapaz prestes a se desconectar completamente do mundo virtual, enquanto Miguel interpreta 11 personagens diferentes que se relacionam com o cara. O entrosamento entre os dois, que já trabalham juntos desde 2008, quando lançaram o espetáculo “Dois Para Viagem“, é palpável e perceptível logo na primeira cena, quando eles interpretam macacos – uma alusão às necessidades básicas do homem, mas, subliminarmente também uma menção à mítica cena do monolito de “2001 – uma odisseia no espaço”, que lida com a questão do surgimento da humanidade a partir do desenvolvimento da inteligência e da comunicação – e, dentre muitas coisas, checam as genitálias um do outro. Mas, bem mais importante que isso, é ver a força no trabalho corporal e vocal de ambos, algo que pode ser considerado como uma das grandes marcas da peça, com os dois interagindo através de onomatopeias que ajudam a dar o exato tom cômico da produção.

Miguel surge impecável como todos os personagens que encorpora, da apresentadora de talk-show à la Marília Gabriela (talvez uma versão mais fútil da jornalista) à mãe conectada que não consegue nem olhar para o filho, se não for pela câmera do celular, além de um maconheiro despreocupado com a memória fraca. Enquanto isso, Mateus vai a dois extremos: o da total exclusão tecnológica ao ápice – e grande ponto central da trama – com um chip de computador instalado dentro do próprio cérebro, o que transforma o rapaz em uma espécie de supercomputador que anda e fala, tipo Brainiac, o híbrido de ser ciente e autômato das histórias em quadrinhos do Superman.

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Fotos: Vitor Zorzal | Divulgação

Os comentários sociais estão todos ali e nem é preciso pensar muito, além para entendê-los. Por mais que os personagens sejam fictícios e muitas vezes exagerados, eles soam como eu, você, aquela melhor amiga que posta 30 fotos com 50 hashtags no Instagram, ou ainda aquele colega que expõe mais do que deveria de sua privacidade no Facebook. São retratos hilários, mas igualmente fieis, de arquétipos que se tornam mais comuns a cada dia que passa e a cada nova rede social ou aplicativo “imperdível” que surge. E, por tratar-se de uma problemática tão contemporânea, a reflexão aqui não traz resposta, mas através dos limites estapafúrdios a que chegam, atentam o público para o fato de que,assim como é impossível se desconectar completamente do mundo atual, estar sempre online também não é nenhuma uma grande vantagem para a sanidade mental e social de um indivíduo.

Após o espetáculo, Marcos, Miguel e Mateus comentam com HT sobre o excesso da conectividade e os pontos levantados pela peça. Caruso diz que a química cênica entre os protagonistas é algo que já existia e ele apenas precisou adequar para os detalhes da realização, como a produção do cenário, complementando: “Não sou completamente contra nem a favor [desse excesso de conexão]. Acho que você deve saber o momento de soltar a pipa e o momento de olhar no celular”, diz, referindo-se a um dos traços do personagem de Solano, que usa o brinquedo para se prender à sua humanidade offline. “Acho que a peça propõe essa reflexão sobre a hora em que você deve estar conectado com o mundo e a hora que você deve estar conectado com o ser humano. Nós não críamos nenhum juízo de valor, apenas uma possibilidade de reflexão”.

Mateus, por sua vez, revela que o trabalho vocal e corporal realizado por ele e Thiré é algo que já vem comparecendo há pelo menos duas peças que eles encenaram juntos, e explica: “Foram três meses e meio correndo atrás desse texto, com a Dani Ocampo transformando as nossas improvisações na peça, que é algo que ela já faz normalmente na Rede Globo, em programas como o “Tá No Ar” e “Caras de Pau”. Foi um processo tão divertido quanto desafiante, instigante e cansativo. Nós só tínhamos a palavra “selfie”, e então resolvemos ampliar esse conceito para “conectividade”, indo em busca desse lugar com muito humor, aliás, um humor que já está presente nessa nossa esquizofrenia de celular e internet”.

O ator, que afirma não ter nenhum convite para Globo após o estrondoso sucesso de Félix em “Amor à Vida”, vai além: “É tudo boato que o povo planta e os outros comem” -, ainda comenta sobre essa tal esquizofrenia conectiva coletiva: “Acho que nem tanto no céu nem tanto  na terra.  Nós estamos em uma sociedade onde estar conectado faz parte. Nem que seja um arroba ou uma hashtag, é preciso desesperadamente ter um. Pelo menos um e-mail, senão a gente não existe na sociedade atual. Mas, também não é para ficar com a cara enfiada no celular o tempo inteiro”.

Miguel Thiré, que confessa ser viciado em aplicativos de trânsito e tempo, comenta que fez a peça porque é uma tema que precisa ser discutido. “Nós temos essa grande novidade na sociedade nestes últimos anos – não só uma, mas essa hiper conectividade e a internet móvel, que nos permite abrir uma janela para o mundo inteiro. Ao mesmo tempo, é perigoso nós começarmos a nos desconectar daquilo que está a nossa volta, ao alcance físico, palpável. O mundo digital traz grandes vantagens, mas é preciso usá-lo com sabedoria e, talvez, nós estejamos nos lambuzando um pouco demais com isso. Acho que a gente aprende a dosar isso com o tempo”, finaliza, antes de sair para tirar uma selfie com os fãs, que esperam ansiosos com o celular nas mãos e as câmeras já programadas, para tirar fotos ao lado das duas estrelas e, depois, imortalizar o momento em suas redes sociais. C’est la vie!

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Fotos: Vitor Zorzal | Divulgação