Sexo e drogas na Riviera: Jamari França viaja aos 70’s e lembra a barra que os Rolling Stones enfrentaram


O crítico de música mergulha no livro ‘Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones’, de Robert Greenfield (Editora Zahar)

* Por Jamari França

Há 40 anos, os Rolling Stones gravaram na Jamaica o LP Goat’s Head Soup,  Sopa de Cabeça de Bode,  em um flerte com os cultos afro na terra de Bob Marley e Peter Tosh. Não puderam se concentrar totalmente na gravação, porque tinham um importante assunto pendente.

Acusações de tráfico de drogas na Riviera francesa, nos oito meses que passaram na região em 1971\72 para as gravações do álbum duplo Exile On Main Street. Foi um período de choques entre Mick Jagger e Keith Richards, o primeiro às voltas com casamento e lua-de-mel com Bianca Perez de Macias, Keith envolvido com suas duas amantes destrutivas, Anita Pallenberg e a heroína. Tudo girava em torno da mansão Nellcote, onde ficou Keith e onde se devia gravar o disco com a unidade móvel da banda, um estúdio de 16 canais montado dentro de um caminhão. Jagger devia ficar em Nellcote também, mas Anita não queria concorrência como rainha do pedaço e tornou a vida de Bianca um inferninho até que esta se mandou para Paris e Jagger foi atrás, a partir daí num indo e vindo da capital francesa para Nellcote.

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Keith e Anita

Depois de assegurar seu domínio, Anita se trancou no quarto com um saco de heroína e de lá não saiu por um bom tempo. Quando Jagger estava em Nellcote, ele e a banda ficavam esperando Keith aparecer com idéias para músicas a serem desenvolvidas para ele colocar letra e gravarem. O andar de cima da mansão era exclusivo de Keith, nem Jagger ousava ir lá, porque seu companheiro tinha acessos de raiva, tinha armas às mãos e, doidão, mandava bala se enchessem seu saco. Só subiram lá em duas ocasiões. Numa por conta de um cheiro de queimado. Entraram no quarto, Keith e Anita chapados na cama e o colchão pegando fogo. Quase que o casal vira churrasco.

Na segunda, putos da vida, mandaram um voluntário que entrou no quarto e viu Keith apagado ainda com a seringa espetada no braço. Os “coadjuvantes da banda”, o guitarrista Mick Taylor, o baixista Bill Wyman, o baterista Charlie Watts, o saxofonista Bobby Keys e o trompetista Jim Price ficavam coçando o saco no porão, o estúdio improvisado, um lugar úmido e lúgubre, principalmente depois de saberem que a polícia política de Hitler, a Gestapo, tinha ocupado a casa durante a guerra e suspeitava-se que o porão fosse uma câmara de tortura. Encontraram até suásticas desenhadas nas saídas de calefação. Ao saber disso, Keith cagou e andou. Com a fama de Keith, logo Nellcote virou ponto de encontro de viciados vips que vinham vampirizar a corte stoniana e incluíam até traficantes, como Jean de Breteuil, de ascendência nobre, que tinha no currículo as drogas que mataram de overdose Janis Joplin, em 1970, e Jim Morrison, em 1971. Trazia uma heroína pura da Tailândia que podia ter transformado Keith no número três da lista não tivesse ele uma resistência descomunal às drogas.

A máfia corsa também circulava em Nellcote e montou lá uma central de negócios, coisa que Keith e Anita nem desconfiaram, ocupados em sua realidade paralela. Anita queixava-se que Keith não transava com ela e acabou dando para Mick Jagger, praticante da dieta da sopa: deu sopa, ele come. E olha que Keith tinha fama de bom de cama, mas a heroína tornava a performance muito irregular. Quando se hospedaram na mansão da Playboy durante a turnê americana de 1972, as coelhinhas faziam fila para transar com Mick e Keith, depois comparavam impressões e Keith ganhou de lavada.

Marianne Faithfull, por muito tempo namorada de Jagger, conta em sua biografia que uma noite transou com Keith e acordou leve, linda e solta, mas Keith mandou que ela ligasse para Jagger, porque ele é que estava interessado nela. Anita ficou grávida em Nellcote. Keith ficou tão feliz que compôs a música Happy, mas sua parceira estava em pânico. Queria fazer um aborto, porque não sabia se o filho era de Mick ou Keith. Ela morria de medo do que Keith faria se visse, por exemplo, um recém-nascido com os lábios grossos como os de Mick. Acabou não abortando, mas colocou a vida do feto em risco se picando de heroína durante toda a gravidez. Os médicos acharam que ia nascer um bebê viciado, que teria síndrome de abstinência assim que fosse separado da mãe, mas, por milagre, a menina, batizada Dandelion, nasceu saudável e com lábios normais.

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Anita suspeitou que sua filha pudesse ser de Mick Jagger

Algumas mortes por overdose aconteceram no entorno de Nellcote ou pela convivência lá dentro, como o músico Gram Parsons, ex-Byrds e ex-Flying Burrito Brothers, a quem Keith atribui influências country em Exile. Ele se drogou a ponto de virar um caco e Keith o despachou de volta para a Inglaterra, onde tomou uma dose fatal. O engenheiro Andy Johns se viciou em Nellcote, muita droga disponível, pouco o que fazer. O consumo era voraz. Um quilo de heroína pura mal dava para um mês e custava 9 mil dólares, muita grana em 1971. Keith mandava também trazer droga de Londres disfarçada no meio de brinquedos para o filho Marlon, que estava em Nellcote, ou em caixas de bombom embrulhadas como presentes para desencorajar a imigração a abrir o pacote para revistar.

Como não podia deixar de ser, a barra pesou. Keith mandou a máfia corsa embora, ameaçaram seqüestrar o filho dele e acabaram entregando-o para a polícia em denúncia anônima. Eles sempre faziam ensaios contra batidas da polícia. As drogas ficariam num mesmo lugar no segundo andar. Se os homens chegassem, alguém devia pegar o suprimento, sair pela janela, pular no teto do estúdio móvel e sumir. A realidade foi diferente, não havia tal disciplina entre um bando de viciados, daí Keith e Anita acabaram indiciados como traficantes, puderam sair, mas tiveram que voltar para julgamento, que acabou numa condenação com liberdade condicional e proibição de entrar na França por dois anos. Após oito meses saíram de Nellcote para Los Angeles onde trabalharam de verdade e terminaram Exile On Main Street, lançado em 12 de maio de 1972. It’s only sex, drugs and rock’n’roll.

P.S: A história completa está no livro Uma Temporada no Inferno com os Rolling Stones, de Robert Greenfield, da editora Zahar.

 

* Jamari França é jornalista, escreve sobre pop rock desde 1982. Cobriu exclusivamente o Rock Brasil para o Jornal do Brasil nos anos 80, quando se dividia entre o Caderno B e a Editoria Internacional. Trabalhou no Globo Online de 2001 a 2009. É  autor da biografia dos Paralamas, Vamo Batê Lata, e tradutor de livros sobre música e política.