Rodrigo Pitta exibe seu eletro-psicodélico no palco do Miranda e fala sobre “Estados Alterados”


O músico, que já andou trabalhando com Arto Lindsay, Adriana Calcanhoto e Ana Carolina, recentemente teve música na trilha de “Amor à Vida” e abusa de som eletrônico que não foi feito “apenas para dançar”

*Por João Ker

“Altere-se, ouçaEstados Alterados’. É essa a mensagem que vem no cartão de divulgação de Rodrigo Pitta durante o pocket show realizado no Miranda nesta última terça-feira (24/6), véspera de feriado para os cariocas. Realmente, a sonoridade do músico é algo que altera não só o público, mas o estado atual da cena musical brasileira, convidando todos para uma dança que tanto pode ser móvel quanto interna, acontecendo também na cabeça de quem a sente.

“Estados Alterados”, o primeiro disco de Pitta, é uma mistura de música eletrônica com poesia feita pelo próprio, onde elementos de rap e ritmos brasileiros tradicionais se misturam criando uma catarse sonora que se encaixa tanto nas pistas de dança quanto nas salas-de-estar, onde o ouvinte procura alcançar algum transe pessoal sem precisar tirar os quadris da cadeira. É um suprassumo de psicodelia dançante, pontuado pelos vocais prolongados e afinados de Rodrigo, potencializados e enfeitados pela produção certeira de Arto Lindsay, músico norte-americano de sangue e brasileiro de alma que já produziu aos montes para nomes como Caetano Veloso e Marisa Monte. Pitta e Lindsay se conheceram na Bahia, onde ambos trabalhavam no bloco Cortejo Afro, criado por Alberto Pitta, tio de Rodrigo. “O Arto sempre me incentivou a gravar música. Então, surgiu esse conceito de ‘estados alterados’ e nós começamos a trabalhar em cima disso. Queríamos espalhar esse conceito para formas e circunstâncias mais gerais, não somente as alterações por loucura, mas também os déjà vus, os desvios psicológicos, a dor, o amor…”, explica o cantor no final do seu show, em entrevista exclusiva para HT.

Rodrigo Pitta, “Sambas Urbanos”

Apesar de entrar na categoria “música eletrônica”, o som de Rodrigo Pitta está longe de ser apenas música de balada, se distanciando em todos os aspectos daquelas superproduções repletas de sintetizadores com batidas frenéticas que enchem a rádio, como Calvin Harris Skrillex ou Ke$ha e Anitta. Mesmo com o som envolvente, os versos cantados por Pitta não lembram em nada o clichê de “hoje é dia de beber, mãos para o alto, vamos dançar”. Ao invés disso, ele faz o público mexer enquanto fala sobre temas urbanos – principalmente aqueles encontrados em São Paulo -, amor, perda, revolta, dor, inconformidade e confusão. O caos. Tudo isso é mesclado pelas batidas alucinógenas de Lindsay e, para ouvidos menos atentos, pode funcionar como trilha sonora de um festival louco de música eletrônica. Ou de novela, como é o caso de “Sambas Urbanos”, que foi tema de “Amor à Vida”. Dentre todos os estados da mente, Pitta tem um preferido que permeia a maior parte do álbum: “O amor é o maior estado alterado e o que o leva ao pior dos extremos. Eu sofro desse mal, dessa saga sem fim”, comenta o cantor entre risos. Mas então o amor, assim como na música de Vinicius de Moraes – “Canto de Ossanha”, que o músico incluiu na setlist do show-  só é bom se doer? “Existem vários tipos de amor: aquele que você tem pelo seu cachorro, o que existe pelo seu amigo e aquele que não é correspondido e que dói. Mas há também relações mais calmas e menos doentias, um amor mais brando”.

 

Rodrigo no palco do Miranda (Foto: Zeca Santos)

Rodrigo no palco do Miranda (Foto: Zeca Santos)

No palco, Rodrigo Pitta chega envolto em fumaça e cheio de ginga, dançando consigo mesmo, enquanto os óculos escuros refletem as luzes do cenário e impedem o público de ver seus olhos. Seu background em direção à dramaturgia transparece na performance que, através de gestos e entonação dramática, envolve e contagia, com pitadas dramáticas que se sobressaem em seus gritos bem sustentados. “O show não dá para ser feito em estados alterados. Eu já me apresento há um ano e fico nervoso antes de entrar no palco, mas, depois que começa, você não pode ficar se controlando muito. Eu ensaio bastante os vocais, mas, na hora, deixo a musica agir”, confessa.

Com uma forte representação audiovisual, em videoclipes que apresentam estética e roteiros bem desenvolvidos, Pitta diz que, no início, precisava de mais artifícios no cenário, mas, agora, já consegue se sentir à vontade com bem menos coisas no palco: “Como sou dramaturgo, às vezes existem imagens quando estou compondo que, mais tarde, se transformarão no clipe da música. Até na hora da performance, eu costumava colocar várias telas com projeções em volta de mim, como que para encher o palco. Hoje eu não preciso mais disso”, confessa o cantor no camarim, enquanto ocasionalmente interrompe a entrevista para cumprimentar os vários amigos que chegam para elogiar a apresentação. Compreensível, já que paulista em solo carioca é sempre uma comemoração, ainda mais quando chega transbordando talento.


Vídeo oficial para “Blue Tuesday”

O sincretismo sonoro de Rodrigo é algo que vai muito além da música, mas está intimamente ligado à sua pessoa e suas referências. “Eu SOU essa mistura! Desde os 10 anos, eu sabia cantar ‘Construção’, de Chico Buarque, ao mesmo tempo em que gostava de ouvir Menudos e Rita Lee. Escuto majoritariamente música brasileira, mas não me abstenho da cena internacional; sempre ouvi de tudo”. Esse mix é facilmente perceptível quando se analisa suas parcerias. Há a produção eletro-contemporâneo de Arto Lindsay; vocais de convidados como Cibelle e Edi Rock (dos Racionais MC); a música de faroeste sombrio e dançante em parceria com Ana Carolina, “Bang Bang 2”, presente no mais recente álbum da cantora, #AC; covers de Vinicius de Moraes, Milton Nascimento, Tom Jobim Caetano Veloso; uma pegada eletrônica psicodélica e alucinante que lembra um pouco de The xx com Blood Orange; uma brasilidade repleta de versos bem construídos, referências ao candomblé e um show compartilhado com Adriana Calcanhoto. O resultado disso tudo é Rodrigo Pitta, ou R. Pitta, se você preferir. E ele pode até “não achar nada nesse caos”, como canta, mas o público pode encontrar em suas músicas uma brecha na mesmice e na inércia da sonoridade que invade e domina as rádios brasileiras.

 

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Fotos: Zeca Santos/Divulgação