Rainha do Forró, Anastácia, 80 anos, lança EP na web com inédita escrita por ela e arranjo do ex-marido Dominguinhos


A cantora, ex-mulher e parceira de mais de 200 músicas com sanfoneiro, que morreu em 2013, é autora de cerca de mil canções. Ela fala do novo disco com produção de Zeca Baleiro e participações de Roberta Miranda, Amelinha, Chico César, e Mariana Aydar, entre outros nomes. Além disso, Anastácia divide com o público uma canção inédita com Dominguinhos: “Tenho um acervo com um monte de pastas velhas, papéis já envelhecidos de composições, e estava mexendo há alguns meses. Lá tem músicas que fiz, algumas foram gravadas e outras não. Daí encontrei um papel com o começo de uma letra, cuja a melodia era do Dominguinhos. Achei por bem trazer essa música à tona, porque ele foi um parceiro de grande importância na minha vida, com quem eu tenho o maior número de músicas compostas. Quis mostrar uma música excelente, que ele não teve a oportunidade de lançar, Então, terminei a letra e decidi gravar. A melodia é dele e a letra é minha. Acho que ficou muito bonito. Esse trabalho tem de tudo um pouco, canções mais tristes e outras para momentos mais alegres, como a vida. Temos que ir à luta”

*Por Brunna Condini

Um papo bom, uma voz gostosa de ouvir e um entusiasmo em viver que dão vontade de combinar uma outra entrevista, depois que a pandemia e a necessidade de isolamento passarem, tomando um cafezinho da tarde, para ouvir mais histórias de vida de uma mulher potente, que equilibra vocação, força e ternura. Estou falando de Anastácia, que foi casada com o sanfoneiro de Dominguinhos (1942-2013), e que dedicou uma vida inteira a cantar o amor. Batizada Rainha do Forró há mais de 60 anos, ela celebra seus 80, no próximo sábado, e lança em todas as plataformas digitais, na véspera, dia 29, seu novo álbum “Anastácia 80 – Lado A”, um projeto só de músicas inéditas, interpretadas em dueto com representantes da Música Popular Brasileira.

A primeira etapa do projeto terá cinco músicas, duetos com Roberta MirandaAmelinhaChico CésarMestrinhoJorge de Altinho e Mariana Aydar. “Quero comemorar essa data da melhor maneira possível, cantando, e nada melhor do que convidar grandes nomes da nossa música para estar comigo neste momento. É um presente, sem dúvida, para mim, mas principalmente para o público. Espero que gostem e celebrem comigo”, diz a cantora, que tem o EP produzido por Zeca Baleiro, ao lado do maestro Adriano Magoo. Baleiro divide ainda com Anastácia duas composições do projeto, a canção “O sertão está chorando”, interpretada por Amelinha e “Venha logo”, cantada por Chico César.

Zeca Baleiro com Anastácia: “Tenho facilidade de fazer letra, e ele é bom com a melodia, então nasceu uma parceria, juntamos as forças” (Divulgação)

A forrozeira aproveita para falar da admiração que tem por Zeca Baleiro. “Quando ele começou a aparecer aqui em São Paulo, me chamou muito a atenção pelo talento. Primeiro, acho a voz dele muito sexy (risos), e ele acha graça disso. Segundo, que ele é muito bom compondo, cantando e como músico”, reconhece. “Até que em uma oportunidade, a TV Globo do Recife, me convidou para fazer um especial, e eu comentei que gostaria que ele participasse. E ele foi. Cantamos juntos um forró meu, depois me arvorei e quis convidá-lo para fazer algo junto comigo. Fizemos duas músicas. Uma gravei há dois anos, em um disco que concorreu ao Grammy Latino (“Daquele Jeito” -2017). E depois, disse a ele para brincarmos de fazer mais músicas. Tenho facilidade de fazer letra, e ele é bom com a melodia, então nasceu uma parceria, juntamos as forças. Quando quis fazer esse disco celebrando meus 80 anos, falei com a minha neta, que é minha produtora, para convidarmos o Zeca para produzir, porque ele tem muita competência, e saberia onde colocar as pessoas certas. Entreguei tudo para ele, disse: “Minha vida está aí, em suas mãos, faça de mim o que quiser (risos)”. E ele está fazendo uma produção lindíssima. Zeca é meu amigo e muito talentoso, deu tudo certo”.

Anastácia e Dominguinhos: “Encontrei um papel com o começo de uma letra, cuja a melodia era do Dominguinhos. Achei por bem trazer essa música à tona no trabalho novo” (Acervo)

Anastácia está acostumada a fazer boas parcerias ao longo da carreira. E a mais famosa foi com Dominguinhos, com quem foi casada (de 1967 a 1976). Das quase mil composições dela, 250 são com o sanfoneiro, com quem divide as canções “Eu só quero um xodó” e “Tenho sede”, entre outras. Músicas que já nos embalaram em algum momento. E no atual trabalho, ela lança uma canção inédita composta com Dominguinhos: “Venceu a solidão”, interpretada por Mariana Aydar e Mestrinho. Como lembrou desta música? “Tenho um acervo com um monte de pastas velhas, papéis já envelhecidos de composições, e estava mexendo há alguns meses. Lá tem músicas que fiz, algumas foram gravadas e outras não. Daí encontrei um papel com o começo de uma letra, cuja a melodia era do Dominguinhos. Achei por bem trazer essa música à tona, porque Dominguinhos foi um parceiro de grande importância em minha vida, com quem eu tenho o maior número de músicas compostas”, compartilha Anastácia. “Quis mostrar uma música excelente, que ele não teria mais a oportunidade de mostrar. Então, terminei a letra. Até porque nos seus últimos momentos de vida, ele mostrava muita tristeza, acho até por entender que o mal que o acometeu não era uma coisa banal, era sério (Dominguinhos lutou alguns anos com um câncer de pulmão). Finalizei a letra e decidi gravar. É como se eu estivesse escrevendo para ele ou como se ele estivesse escrevendo aquilo. A melodia é dele e a letra é minha. Acho que ficou muito bonito. Esse trabalho tem de tudo um pouco, canções mais tristes e outras para momentos mais alegres, como a vida. Temos que ir à luta”.

“Dominguinhos foi um parceiro de grande importância em minha vida, com quem eu tenho o maior número de músicas compostas” (Acervo)

Força motriz

Anastácia, batizada Lucinete Ferreira, nasceu no Recife, onde começou a cantar. Fez carreira profissional em São Paulo a partir de 1960. E apesar das dificuldades no caminho, preferiu ficar com o lado bom da vida, guardando do resto, só os aprendizados. “Sinto orgulho e fico feliz de saber que nestas oito décadas venho cruzando o Brasil, fazendo o que mais gosto, cantando forró. Saí da minha terra, do Recife, com 20 anos. Até essa idade, cantei por lá. Depois, achei que devia vir para São Paulo. E vou te dizer, que vim, nem com a intenção de adentrar na carreira artística, porque achava muito difícil. Porque no Recife era engraçadinho cantar, mas achei que aqui o buraco era maior”, recorda, bem-humorada. “Mas acho que tudo estava inserido no contexto do meu destino, tanto que eu encontrei logo de início pessoas que me direcionaram para chegar onde cheguei. E peguei gosto pela coisa, comecei a gravar há 60 anos e gravo até hoje. Viajei o Brasil quase todo, e sai do país levada pela música. Então, posso dizer, que consegui fazer tudo que eu nem previa e aconteceu. Agradeço a Deus e a todas as pessoas que passaram pela minha vida colaborando. Sou feliz. E espero ter mais tempo por aqui, peço que Deus me abençoe, e vou ter, para que eu desfrute mais dessa vida”.

“Sou feliz. E espero ter mais tempo por aqui, peço que Deus me abençoe, e vou ter, para que eu desfrute mais dessa vida” (Divulgação)

A menina que começou a cantar aos 7 anos, no Bairro onde morava, Macaxeira, em Recife, foi rebatizada quando chegou na capital paulista pelo produtor do seu primeiro disco, e a inspiração foi o filme “Anastácia”, sobre a princesa da Rússia, protagonizado por Ingrid Bergman. Em seis décadas de carreira, lançou 35 discos e teve suas composições interpretadas por artistas como Gal Costa, Gilberto Gil, Nana Caymmi e Luiz Gonzaga, que a apadrinhou. A cantora gosta mesmo é de trabalhar e se reinventar, e nós queremos saber, de onde vem essa força e energia? “É o seguinte, é uma coisa tão prazerosa fazer música, que não é trabalho, é um prazer”, garante. E confidencia, que suas criações surgem sem fazer força. “Acontecem de forma inusitada. As vezes estou andando pela casa, e me vem uma melodia já com a letra pronta. Costumo dizer que não faço sozinha, sempre acho que tenho um benfeitor espiritual que me dá as dicas para que eu possa fazer. E quando tem um parceiro físico, é ainda melhor. Nos juntamos e de repente sai alguma coisa. É tão normal para mim, como se fosse sentar na mesa para almoçar”.

Tendo vivido tanto, e já visto o mundo de formas tão diferentes, o que diria para as pessoas, sobre coragem e esperança neste momento? “Sempre fui uma pessoa otimista. Vivi momentos maravilhosos. Não tive só alegrias, claro. Vivi momentos que tive que me equilibrar para buscar sair de algumas situações. Mas a vida é feita de desafios e a gente se prepara para sair deles, e digo que tive mais alegrias. Quando surgiram momentos que não correspondiam às minhas expectativas, sempre tive uma qualidade de administrar isso numa boa, de passar para o próximo lance. Nunca fiquei lamentando. Não deu? Partia para outra. Nunca acreditei que havia só uma porta, acreditava em várias. Sempre corria atrás disso”, ensina. “Me lembro que quando cheguei em São Paulo, não sabia fazer nada, a não ser cantar. Então, sai para procurar emprego, estava disposta até a limpar banheiro, numa boa, contanto que eu ganhasse meu dinheiro honestamente. E passando num sebo, tinha 3 cruzeiros naquele tempo, eram dois para a passagem e sobravam um. Daí comprei um livretinho de um escritor, que falava de autoajuda, não lembro o nome. Sei que ele dizia assim: elimine da sua vida, o “não sei”, o “quem sabe” e o “não”. Ele dizia que ficar dizendo isso, neutralizava as correntes energéticas positivas, do que podia fluir na sua vida. Decidi experimentar. Sempre fui para as coisas como uma campeã, pensava que tudo daria certo. E mesmo quando não deu, adquiri experiência para tentar a próxima vez. Então, se tem um conselho para passar com minha vivência, é dizer “sim” para as coisas. Use palavras mais positivas. Porque em alguma tentativa, vai dar certo. Vivemos na Terra, mas nossa proteção vem de Deus, é o que acredito. E ele sempre dá um suporte para resolvermos nossos problemas. E ainda mais neste momento que o mundo todo está preocupado, não vamos desanimar. Vamos seguir com fé. Acredito que logo estaremos respirando com liberdade, abraçando os outros e sendo felizes como gostamos de ser”.

“Nunca fiquei lamentando diante da vida. Não deu? Partia para outra. Nunca acreditei que havia só uma porta, acreditava em várias. Sempre corria atrás disso” (Divulgação)

Com duas filhas, três netos e quatro bisnetos, ela fala da quarentena por conta da pandemia da Covid-19. “Acho que eu, e todas as pessoas do mundo, já que essa pandemia cruzou fronteiras, estamos muito apreensivos. Porque tínhamos nossas vidas, e de repente temos que ficar onde estamos, sem sair, sem ver os amigos, abraçar, estar perto de quem amamos, então é complicado. Mas eu procuro seguir as recomendações e administrar isso com muita oração, gosto de rezar, e com muita leitura. Fazendo música, ocupando minha mente, para não focar só neste momento trágico. Moro com minha família, então nos juntamos como podemos e nos complementamos”, conta. Mas para Anastácia, o que conforta mesmo, é música. “É um bálsamo para todos os momentos. Se você está triste, tem uma musiquinha, já relaxa um pouco. Se está feliz, com certeza, ela estará presente. E neste momento que estamos vivendo, de ansiedade, de tensão, de incertezas, acho que a música se faz necessária”.

E apesar do cenário, ela celebra as conquistas: os 80 anos e o novo trabalho. Anastácia também promete seguir com o projeto musical, lançando em breve Anastácia 80 – Labo B”, com participação de Alceu Valença, Lenine, Flávio José, entre outros. “Aí de nós se não tivéssemos música, seria muito triste, tantas canções fazem com que a gente fique mais tranquila. E neste disco, completando 80 anos, procurei mostrar o meu lado de compositora e cantora juntos. Eu até acho que sou mais compositora do que cantora. Mas como a gente tem que propagar nosso trabalho, canto minhas músicas (risos). E tem participações inusitadas. Tem Roberta Miranda, que eu acho maravilhosa. Cantamos um baiãozinho. Tem o Jorge de Altinho, que é um pernambucano, que colocou a voz em um forró bem danadinho. Tem Alceu Valença fazendo um dueto de um xote comigo. E tem Lenine, que canta um samba rock. Está bem diversificado. A proposta desse disco é justamente essa, levar alegria, mas também falar de momentos pensantes, em que temos que ficar reclusos, entrar dentro de nós, para saber o porquê das coisas. Acho que vai ser interessante as pessoas prestarem a atenção neste trabalho neste momento”.