Projota analisa o rap, vai contra a redução da maioridade penal, fala de drogas e racismo: “a gente sente que é tratado diferente”


Em entrevista exclusiva, Projota também falou sobre como manteve a carreira de forma independente, a má fama que muitos tem do rap e planejou o futuro: “o meu sonho é continuar notório na minha cena”

José Tiago Sabino Pereira morava na periferia da Zona Norte paulistana quando, aos nove anos de idade, perdeu a mãe. “Isso mexeu na estrutura da minha família toda. E levamos vários anos para nos reestruturamos”. Ele foi crescendo e, mesmo tendo a droga sempre por perto, garante nunca ter usado.”Nunca experimentei nem cigarro, nem maconha. E as pessoas não acreditam”. Como a vida de José Tiago nunca foi fácil, ele focou no trabalho. Foi balconista de depósito, secretário de escola e funcionário de uma estamparia. Bom de bola e ótimo aluno, ganhou uma bolsa de estudos e foi cursar Educação Física. Com o diploma quase na mão, desistiu da carreira em nome da música. Fã de rock, descobriu o rap e fazia rimas com a mesma facilidade que piscava. Venceu quatro vezes a batalha da Santa Cruz e três vezes a Rinha dos MCs. “Eu fazia show no Brasil todo, enquanto o pessoal do meu bairro nem sabia que eu rimava”, lembra.

A essa altura do campeonato José Tiago já tinha virado Projota, o rapper que movimenta sua cena como ninguém. A fama veio, uma gravadora o abraçou, um clipe será lançado em breve, mas o preconceito nunca morre. “É assim: enquanto a pessoa não olha para você e não te chama de macaco não pode chamar de racismo. A gente sente que é tratado diferente”. Projota tem cuca no lance, é contra a redução da maioridade penal, encontra a solução da violência nas oportunidades que são dadas e tem um sonho: fazer um dueto com Eminem. Ao mesmo tempo que, como gente grande, divaga sobre seu passado e quer continuar sendo notado em seu futuro, é ainda o mesmo “moleque zoeiro” da quebrada da Zone Norte: “sou viciado em vídeo game e sorvete”. A seguir, Projota: de trás de um balcão para o mundo.

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HT: Como o menino da periferia virou um dos principais nomes do rap brasileiro?

P: Eu faço música desde criança. Comecei a tocar violão com 11 anos. Meu irmão mais velho comprou e eu fui na onda dele aprendendo naqueles livros de cifras. Sempre fui fã de rock, comecei compondo rock. Só conheci o rap com 15 anos, num momento que se confunde com o penúltimo disco do Racionais MC’s, que foi entre as férias de 2011 para 2012. Ali, minha vida deu uma virada. Para se ter uma ideia, eu nem ouvia rap. Eu comecei a pegar CD do MV Bill dos Racionais e por aí foi.

HT: Em “Foco, força e fé” você canta na primeira pessoa: “mais de 13 anos me esforçando demais. Enquanto uns tão falando, disseram que era moda, eu segui trabalhando”. As coisas não foram fáceis, já que só recentemente você entrou para uma gravadora…

P: A principal dificuldade é o lance financeiro. Eu não posso dizer que fiz sozinho, mas sim de forma independente. Tinham algumas pessoas comigo, mas era pouquíssima gente, um ou dois amigos que colaboravam. Quando eu comecei a gravar minhas músicas eu arranjei um PC velho, com 12 giga de HD e mal cabia um programa para fazer batida. Eu fazia minha própria voz, minha própria batida sozinho, isso lá em 2005. E aos poucos o meu som foi se espalhando. Foi indo para ali, para aqui. E comecei a ganhar as batalhas de improviso. Então, estar agora com um gravadora é uma alegria muito grande.

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HT: O reconhecimento veio rápido?

P: Eu fazia show no Brasil todo enquanto o pessoal do meu bairro nem sabia que eu rimava. Mas isso foi por causa da internet. Um cara pode te ouvir até em Manaus. Não é pela proximidade de corpos, e sim de ideias, de gostos.

HT: Suponho que você já ouviu muitos “nãos”. Qual te marcou muito?

P: Uma vez eu participei de um concurso de rap, que era como um festival. Eram 30 bandas e as 10 primeiras iam gravar uma música que ia entrar no CD do tal festival. E isso foi antes da história do computador velho (ri). E aí que eu perdi, não fiquei nem entre as dez, e fiquei muito triste porque eu achava que estava muito bom. Mas isso mudou muito. Agora eu estou sempre me policiando para manter o brilho no olhar. Me deixou mais autocrítico.

HT: Esses dias, o Emicida, também rapper e seu amigo, desabafou sofre o preconceito racial ainda muito latente no país. Ele não conseguiu pegar um táxi por ser e estar ao lado de um amigo negro. Já passou por algo parecido?

P: Eu me identifiquei muito. É algo muito real. Esse lance do táxi então… (ri sem graça). Tem que rir para não chorar. Eu lembro da época que eu estudava e tinha que ir para a faculdade de ônibus. Como eu morava só no segundo ponto depois do terminal, eu pegava ele ainda vazio. E ele vai enchendo assim: as pessoas primeiro vão pegando as cadeiras perto da janela e depois as do corredor. A cadeira do meu lado era sempre a última que era ocupada.

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HT: E na faculdade de Educação Física?

P: Já sofri preconceito de professor. Tinha um que dizia que eu não era capaz. Eu já cheguei a escrever um artigo – e eu escrevo bem – e a professora veio me dizer que eu não podia apresentar um artigo copiado. É assim: enquanto a pessoa não olha para você e não te chama de macaco não pode chamar de racismo. A gente sente que é tratado diferente. Eu me revolto, mas procuro não perder meu tempo com isso e focar em outras coisas.

HT: O seu gênero musical também sofre preconceito. Uma parcela da população olha como sendo uma música de vagabundo e maconheiro…

P: Eu nunca fumei na vida. Nunca experimentei nem cigarro nem maconha. E as pessoas não acreditam. Você está certo: é realmente um preconceito. Eu não fumo, o Emicida não fuma, o Marechal [também rapper] não fuma. Tem uma galera hoje que tem desvinculado disso. Mas também tem a Cone Crew [Diretoria, grupo do mesmo gênero que canta músicas referentes à maconha]. Eu acho que deveria legalizar as drogas mesmo, mas eu nunca quis entrar em nada. Estamos aí, sempre fui zoeiro [sic], sempre sentei no fundo da escola, e ao mesmo tempo consegui uma bolsa na faculdade. Isso é um exemplo.

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HT: Já que você falou de exemplo, você é um para as crianças da comunidade onde cresceu. Um exemplo de quem deu certo e não se perdeu na criminalidade. Logo, qual sua posição em relação a redução da maioridade penal?

P: Eles [defensores da redução] acham que colocar criança atrás das grades é mais ou menos assim: “é o que a gente tá podendo fazer no momento”. Não pode ser assim. Essa não é a solução. Eu cresci na periferia, eu tive sorte. Eu cresci num bairro em que o meu grupo de amigos – uns dez moleques – a gente não entrou no mundo das drogas e da criminalidade. A maior oportunidade que você tem na vida é no crime. Às vezes não é por passar fome. Às vezes o moleque quer um tênis, quer uma moto. Ele quer as coisas que vê na TV. E como você explica para ele que ele não pode ter? Você entra numa paranoia. E aí que você precisa de coisas que te deem vazão. Eu pratiquei muito esporte e isso foi muito importante para mim. O que falta é educar. Antes, eu disputava quem terminava a lição primeiro, quem tirava a maior nota. Hoje eles estão pensando no crime…

HT: Falando de música agora, em canções suas como “Mulher” e “Vendo Você Dormir” a gente observa um rap mais leve, carregado de sentimento. Você canta um homem apaixonado, o que é diferente dos seus colegas de cena. Você concorda com essa impressão?

P: Hoje, eu sou muito feliz de ver que analisando cada nome você vai perceber as características evidentes de cada em. Antes, era um monte de gente copiando os Racionais. Hoje, cada um tem um estilo próprio. Eu sempre prezei o lance do sentimento. E as minhas músicas são assim mesmo, são muito viscerais, são intensas. Eu sou intenso como pessoa. Então, quando eu faço uma música sobre a perda da minha mãe, por exemplo, eu vou chorar. Se eu faço uma protesto, eu vou me revoltar. É assim.

HT: Visceral e eclético, né? Quando o assunto é parceria você vai de Anitta a Marcelo D2…

P: Eu sou bastante eclético. Eu comecei fazendo rock e vim parar no rap, como disse. Eu escrevo de tudo, até samba, de tudo. Tenho música com a Luiza Possi na MPB, com o Strike no rock. As parcerias saem de pessoas que eu conheço nos camarins e nos backstages da vida. Se rolar uma identificação, se ambos gostarem….

HT: Você acabou de gravar o clipe de “Elas Gostam Assim”, com Marcelo D2, que é o tema do personagem de Caio Castro, na novela “I Love Paraisópolis”. O que sabemos é que tem a ver com a cor vermelha. O que pode adiantar?

P: Eu estou de camisa vermelha agora. É a cor que eu mais gosto. Me sinto bem de vermelho, Meu primeiro carro foi dessa cor, o sofá da minha casa também. O meu empresário que teve a ideia de um clique de estúdio mas que não tivesse o fundo todo preto ou todo branco como de costume. “Elas Gostam Assim” é uma música de curtição, para tocar na pista, que canta esse lance do malandro, mas do malandro que sabe curtir. É um cara que não precisa ter dinheiro, as meninas gostam dele mesmo assim. E a gente colocou um monte de brisa no clipe (ri).

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HT: Seu sonho é fazer um dueto com quem?

P: Eminem. He’s fucking. It’s the best rapper in the world (ri). [Na tradução livre: ele é foda, o melhor rapper do mundo].

HT: Tem algum projeto guardado na gaveta para o momento oportuno, um sonho?

P: Eu não tenho nada especifico. O meu sonho mesmo é atingir a longevidade da minha carreira. Estamos vivendo um momento em que as bandas não vivem mais de cinco anos. Passar disso é raro. O meu sonho é continuar notório na minha cena.

HT: Me conta alguma coisa que eu não sei ainda sobre você…

P: Sou viciado em sorvete e vídeo game (ri).