Para não dizer que não falei das flores – Enquanto pedem a volta da ditadura, Gal Costa relembra a opressão: “Me sinto ainda uma tropicalista”


O pedido de intervenção militar, feito por alguns nos protestos do último dia 16, levou HT a conversar com Gal, a diva e porta-voz da Tropicália, movimento que bateu de frente com os quartéis. Isso antes de ela apresentar o show intimista “Espelho D’água” em Vitória (ES)

galporAndreSchiliro

No dia 16 de agosto, milhares de pessoas foram às ruas das principais capitais do país protestarem. Na pauta, de críticas à presidenta Dilma Rousseff (PT), passando pela crise política e econômica que o Brasil atravessa, à corrupção deflagrada pela Operação Lava-Jato e a postura de Eduardo Cunha (PMBD), presidente da Câmara dos Deputados. Não bastante, sobrou espaço para um grupo – completamente desprovido de qualquer senso – pedir a volta da intervenção militar, lembrando a época da ditadura. Foi nesse período que um grupo de artistas, conhecidos como tropicalistas, foram exilados, mortos e/ou torturados por cantarem e lutarem contra a falta de liberdade em nosso país. E no time estava Gal Costa, tratada por muitos como a diva da Tropicália. A baiana, que acabou de entregar ao mercado “Estratosférica”, e está encerrando a turnê “Espelho D’água”, conversou com HT sobre o assunto.

Gal contou que, em julho de 1969, quando Caetano Veloso e Gilberto Gil foram se exilar na Inglaterra junto das mulheres à época, Dedé e Sandra Gadelha, ela não pôde seguir o mesmo destino e ficou à mercê da periculosidade daquele momento.  “Quando Caetano e Gil foram exilados, eu fiquei aqui, porque não tinha dinheiro para ir. E eu tinha que cuidar da minha mãe [Mariah Costa Pena, que veio a falecer em 1993]. Mas, eu fiquei no meu país defendendo as ideias deles, as nossas, cantando e passando a mensagem. Acabei tomando esse posto de ‘porta-voz’ do Tropicalismo”, relembrou.

O Tropicalismo, musicalmente falando, rompeu com a estrutura até presente na sociedade apresentando uma nova estética apegada ao concretismo e pop art. É claro que, pelo contexto político da época, uma parte do movimento passou a usar de suas letras e melodias para criticar a postura dos militares de tolir o direito de expressão dos contrários ao que vinha sendo feito. O tempo passou, o Brasil virou uma República Presidencialista, mas Gal continua com a mesma verve de quase cinco décadas atrás. “Me sinto ainda uma tropicalista. A prova está nos últimos dois discos que fiz: Recanto’, que foi produzido por Caetano, e esse disco agora, ‘Estratosférica’, assinado por Kassin e Moreno Veloso. Acho que ser tropicalista é buscar sempre o novo, não ficar na zona de conforto”, analisou.

Gal Costa 8 - credito para Andre Schiliró

E Gal gosta de viver a vida de forma natural, sem muita pressão. Mas nada que a faça se acomodar. “Sempre foi assim”, fez questão de frisar. “Eu gosto de ousar, de mudar o caminho, de dar saltos na minha carreira e isso me tira do comodismo. Mas, ao mesmo tempo, eu faço tudo naturalmente, não me cobro”. E ela sabe que, por pensar assim, pode pisar em ovos, como bem admitiu em outro papo recente com a gente.  “Sou uma artista que não tem medo de buscar uma linguagem nova, de me arriscar, de me jogar  em um trabalho que pode ou não pode dar certo. É um risco que eu corro, e o trabalho de um artista é sempre um risco”.

Falando em trabalho, ela vai fazer uma apresentação única de “Espelho D’água” no Teatro Sesc Glória, em Vitória (ES), no dia 29. Nesse show, mais do que nunca, sua voz é a evidência-mor. Gal quer mostrar seu lado intimista – mesmo com o vozeirão que lhe é peculiar. “Quando criamos o show ‘Espelho D’água’, eu disse ao Marcus Preto, que o dirige comigo, que gostava da maneira como o ‘Recanto’, na época, me tomava. A entidade que me tomava no palco. E ele me mostrou que no ‘Espelho’ eu também poderia ter isso”, tentou explicar, se derretendo pela própria obra: “Gosto de tudo que esse show representa”. Nós também, Gal.

Serviço
Gal Costa em “Espelho D’água”
Abertura: Carlos Papel
Data: 29/08, a partir das 19 horas
Local: Sesc Glória (Avenida Jerônimo Monteiro, 428 – Centro, Vitória)
Ingressos: variam de R$300 a R$150 (meia entrada) – Plateia, mezanino e balcão
Pontos de vendas: www.blueticket.com.br
Classificação: 18 anos

Fotos: Andre Schiliro