Para a estratosfera e além: Gal Costa prova por que ainda é um doce bárbaro com o álbum “Estratosférica”


Disco, com produção assinada por Kassin e Moreno Veloso, é triunfo na carreira da diva. Vem saber nossa opinião…

* Por Victor Gorgulho

Em “Recanto”, álbum de 2011 que a catapultou para uma das maiores reviravoltas de toda sua carreira, Gal Costa abria os trabalhos com a hermética e densa “Recanto Escuro”. Composta por Caetano Veloso (que idealizou o álbum de ponta a cabeça), a canção cumpria sua missão de refazer os passos da longa trajetória de Gal, como artista e pessoa, carregando na dose de introspecção. Em “Estratosférica”, o novo trabalho da cantora, ela dá o pontapé inicial ao disco em um registro, no mínimo, diferente daquele de “Recanto”. Com “Sem medo, nem esperança”, do poeta Antonio Cícero, a diva esgarça sua voz ao som de um rock solar, bradando aos quatro ventos: “nada do que fiz / por mais feliz / está à altura do que há por fazer”.

Gal Costa estratosférica, doce, fatal, profana, atemporal

Gal Costa estratosférica, doce, fatal, profana, atemporal (Foto:Divulgação)

No ano em que completa 70 anos de idade e 50 de carreira, Gal Costa finca seu pé no presente e não permite longos olhares para trás. Se “Recanto”, de Caetano, conseguiu mais que incensar a baiana como um dos maiores nomes da história da música brasileira, “Estratosférica” vem para corroborar – e abocanhar para a eternidade – o título. Produzido pelas mentes arejadas e nada convencionais de Moreno Veloso e Kassin, o 31º álbum de Gal já está à venda em todo o país e também disponível nos serviços de streaming de música.

O olhar para frente que marca a atual postura artística da baiana, no entanto, não representa, necessariamente, uma negação do passado. Vá lá, Gal Costa não transparece, é verdade, uma inclinação nostálgica com seus trabalhos antigos. Ainda assim, nas diversas entrevistas que concedeu por conta do lançamento do novo trabalho, a cantora faz quase sempre questão de ressaltar o papel revolucionário do Tropicalismo na história da arte brasileira e sua influência nas novas gerações. Aos 69 anos, Gal parece ter encontrado um bom balanço para suas escolhas: retém o que de melhor aconteceu em toda sua carreira, mas se nega a qualquer tipo de olhar que não seja adiante.

Ficam a voz cristalina, a ousadia inclinada à rupturas e experimentações, a cabeleira icônica e o espírito jovem; entram em cena, por sua vez, os compositores jovens, os ritmos eletrônicos, o diálogo intenso (e direto) com as novas gerações. Gerações, aliás, que ficaram responsáveis por assinar boa parte das canções de ‘Estratosférica’. Mallu Magalhães, por exemplo, assina “Quando você olha pra ela”, primeiro single do disco, canção que já bomba nas rádios Brasil afora. Céu, Thalma de Freitas, Zeca Veloso, Domenico Lancelotti, Jonas Sá, Lirinha e Criolo fazem parte do dream team convocado pelo diretor artístico Marcus Preto (o jornalista também promete, para breve, um documentário sobre o período mais experimental da carreira de Gal, recuperando até trechos do show ‘Fa-tal’, de 1971).


Gal Costa – “Quando você olha pra ela”

Tanta juventude, não é estranho de entender, equilibra-se em nomes de fogo que a musa também recrutou para sua obra: Caetano Veloso, Tom Zé, Milton Nascimento e Lincoln Olivetti são alguns dos veteranos que reforçam os versos do disco. Dentre os pontos altos do trabalho, estão “Sem medo, nem esperança” (de Antonio Cícero, novo hino dos fãs de carteirinha, tem tudo para abrir o show do disco), “Jabitacá” (de Lira, Bactérica e Junio Barreto, nossa verdadeira aposta para o próximo single) e “Anuviar” (de Moreno Veloso e Domenico Lancelotti, composição que reforça o fato de que inúmeras das rupturas trazidas por “Recanto” serão permanentes na carreira de Gal).

Mais poética e menos política, Gal não teme definir-se no melhor momento de sua carreira – a baiana está mesmo nele. O próximo passo de “Estratosférica” é transformar-se no show que celebrará os 50 anos de carreira da musa tropicalista, com estreia prevista para agosto, em São Paulo. Elogiado pela crítica e bem aceito pelo público, o álbum demarca o território ocupado por Gal, hoje, na música. Mais além, coloca a cantora como uma das poucas vozes de todo o mundo a dialogar intensamente com as gerações mais jovens, em um exercício que mescla risco e rigor, em uma verdadeira atitude de vanguarda. Ao lado de Caetano (que também triunfou em tempos recentes com seu “Abraçaço”), é Gal quem prova ser um dos mais doces daqueles tão doces bárbaros de outrora. Bárbara, doce, fatal, profana, estratosférica, atemporal, a voz de Gal Costa segue atenta e forte.
Ouça abaixo “Gal Estratosférica” na íntegra: