No Grammy, Sam Smith é coroado rei e premiação assume teor político e ativista. Confira os maiores bafos da festa!


Apesar de estar infestado de divas pop como se fosse um VMA, a noite mais importante da música trouxe ao centro da conversa assuntos sérios como violência doméstica, racismo e homofobia, dando importância aos grandes artistas vocais

*Por João Ker

Com ares de VMA – lê-se ‘infestado de divas pop’ -, surpresas, revoltas, performances inesquecíveis e a coroação eterna de Sam Smith como  rei da soul music e versão masculina de Adele, a 57ª edição do Grammy Awards rolou na noite deste domingo (8/2), com três horas e meia de duração, em Los Angeles. Entre o vestido-meme de Rihanna, a bundinha de Madonna e as pazes de Taylor Swift com Kanye West, HT conta tudo o que teve de mais interessante no maior prêmio da música, das performances aos gifs e detalhes do backstage.

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Claro que, apesar da semelhança com o clima do VMA, até as divas do pop se comportaram nesse Grammy e, em uma noite onde o figurino de Sia é mais bizarro que o de Lady Gaga e a rainha do country, Miranda Lambert, canta mais palavrão do que Madonna, o intuito geral parecia ser o de usar a música como uma plataforma para a divulgação e debate de assuntos mais sérios, como a violência à mulher e o racismo. Com a ajuda de Barack Obama e Brooke Axtell, uma vítima de violência doméstica, Katy Perry cantou “sua música mais pessoa”, “By The Grace Of God”, com uma roupa que parecia saída direto do casamento de Solange Knowles e todo aquele sofrimento vocal de sempre. Mas, dessa vez, o assunto era sério e, após um discurso comovente que deve ter feito Rihanna chorar na plateia, tal performance acabou sendo uma das mais importantes da noite.

Katy Perry canta “By The Grace Of God” no Grammy 2015

Madonna, também conhecida como a Rainha do Pop, esteve por lá com Diplo e Nas a tiracolo e fez questão de avisar para o mundo inteiro que ela continua com o “coração rebelde” já no tapete vermelho, quando antes de a premiação começar ela já havia se tornado um viral ao se desvencilhar de uma das assessoras do evento, levantar a barra de seu Givenchy e mostrar o bumbum para os fotógrafos.  Mais tarde, ao cantar o single “Living for Love”, ela mostrou por que ainda continua sendo relevante e rendeu bonito, mas sem nenhuma surpresa ou inovação, assim como no vídeo.

Madonna canta “Living for Love” no Grammy

Falando em reproduções de vídeos ao vivo, a rainha dessa categoria foi Sia, que ainda não abandonou a Maddie Zigler e sua dança contemporânea em “Chandelier”. Apesar de, injustamente, não ter levado nenhum gramofone de ouro para casa, a cantora/compositora arrebentou nos vocais da música e, de quebra, trouxe Kristen Wiig ao palco da premiação, em uma interpretação que se sobrepôs à de Lena Dunham e bateu de frente com todo o sentimentalismo de Shia LaBeouf.

Sia canta “Chandelier” com participação de Kristen Wiig

Depois do número de abertura que ficou a cargo dos até então inéditos na premiação, AC/DC, de Ariana Grande cantar a monótona “Just a Little Bit Of Your Heart” e Miranda Lambert mostrar o lado mais revoltadinho do country, o Grammy finalmente proporcionou o que tem de melhor: os encontros inusitados. Jessie J cantou com Sir Tom Jones; Lady Gaga mostrou que, além de prêmios, sua parceria com Tony Bennett em “Cheek To Cheek” também rende grandes performances; Annie Lennox fez uma das apresentações mais memoráveis da noite ao lado de Hozier com “Take Me To Church” e “I Put a Spell On You”; Gwen Stefani e Adam Levine falharam ao repetirem a dobradinha bem-sucedida que o The Voice rendeu em “Moves Like Jagger”; Ed Sheeran e John Mayer proporcionaram o mesmo momento coxinha de sempre; com “If It’s Magic”, Usher prestou sua devida homenagem a Stevie Wonder, que apareceu depois no palco e até fez piadinha com Jamie Foxx na hora de ler os indicados à Gravação do Ano. Depois de Paul McCartney e Kanye West cantarem “Only One”, Rihanna se uniu à dupla e, juntos, eles  fizeram a primeira apresentação ao vivo de “FourFiveSeconds”, que seguiu a linha do vídeo e da música, sem nada de excepcional exceto pelos vocais. E, falando nisso, outro grande momento foi o dueto entre Sam Smith e Mary J. Blige, rei e rainha, respectivamente, da soul music, em uma performance emocionante de “Stay With Me”.

Rihanna, Kanye West e Paul McCartney apresentam “FourFiveSeconds”

Por sinal, não teve para Madonna, Beyoncé, Lady Gaga, Pharrell Williams, Sia ou quem quer que fosse. A cerimônia do Grammys 2015 foi, sem nenhuma dúvida, de Sam Smith. Além da performance incrível citada acima, o rapaz ainda levou para casa quatro dos maiores prêmios da noite: Gravação do Ano, Música do Ano, Artista Revelação e Melhor Álbum Pop Vocal. E, aí, há dois pontos que precisam ser ressaltados (e não estamos falando das semelhanças entre o rapaz e Adele, que não param de crescer): a predileção da bancada do Grammy por Sam (e até o prêmio de Lady Gaga, após ter sido amplamente ignorada com o “ARTPOP”) prova que, realmente, os vocais reais estão ganhando mais espaço e atenção na indústria musical e mais importante ainda, Sam é um homossexual assumido que foi basicamente eleito como o melhor artista do ano e ainda teve a coragem de subir ao palco e agradecer ao cara que partiu seu coração por ter lhe rendido quatro Grammys. Será que ainda é muito cedo para dizer que as mudanças estão finalmente saindo do papel por lá?

 

Sam Smith e Mary J. Blige cantam “Stay With Me”

Por fim, teve Beyoncé, a eterna Queen B, que abandonou a cadeira e a rebolação de “Drunk In Love” (pela qual ganhou o prêmio de” Melhor Canção R&B”) e foi mandar uma mensagem superior ao mundo. Cantando o hino gospel presente em “Selma”, “Take My Hand, Precious Lord”, Bey levantou a questão do racismo nos Estados Unidos e a luta pelos direitos civis dos negros norte-americanos que, assim como acontece no Brasil, vêm sofrendo índices alarmantes de assassinatos, principalmente pelas mãos da polícia. O coral de homens negros vestindo branco ao fundo foi uma clara referência às mortes recentes e, como se não bastasse, John Legend e Common levaram a homenagem a outro patamar ao cantarem “Glory” que, como você viu aqui, fala sobre a mesma luta por direitos travada em 1965 e que ainda soa tão assustadoramente atual.


Beyoncé e John Legend se apresentam no Grammy Awards

Pharrell Williams, de maneira mais sutil e pouco entendida pela maioria, já havia tocado nesse mesmo assunto antes. Ao apresentar a vencedora de “Melhor Performance Pop” e super saturada “Happy”, o produtor usou um uniforme de bell boy, visto por muitos como uma referência ao seu fashion film para a Chanel. Algo que seria até plausível e possível, não fosse o tom fúnebre da introdução à música e aos dançarinos todos encapuzados, uma referência a Trayvon Martin, rapaz que foi assassinado pela polícia em 2012 por ser negro e estar usando um suéter encapuzado (e nenhum porte de armas). Ao parar o clima serelepe da música para introduzir drama com um piano e levantar suas mãos para o alto junto de seus dançarinos – algo que Beyoncé repetiria mais tarde -, Pharrell se coloca no centro do protesto “Hands Up, Don’t Shoot” (“Mãos para o alto, não atire”), que vem se espalhando pelas universidades do país. Prince, ao entregar o prêmio de Álbum do Ano, também tocou no assunto, dizendo simplesmente que: “Assim como livros e vidas negras, os álbum ainda importam”. Pois é, crianças, em uma frase ele deu conta de criticar o avanço desenfreadamente capitalista da indústria fonográfica (e de artistas que só se preocupam em gravar músicas que cheguem ao #1), a violência da polícia norte-americana e o próprio Grammy, que não entregou nenhum dos quatro prêmios mais importantes a um artista negro.


Pharrell apresentando a nova versão de “Happy”

E é aí que Kanye West entra para salvar a noite. Assim como o Oscar, o Grammy é conhecido por ser uma premiação um tanto quanto racista, onde é difícil um artista negro ganhar o devido merecimento. Bem, é impossível negar em sã consciência que 2014 foi um ano marcado pelo lançamento de “Beyoncé”, o tão discutido e aclamado álbum que caiu de surpresa na internet e parou o mundo em um ato inédito até então. Não bastasse isso, a qualidade sonora do disco também é indiscutível, tanto como uma unidade, quanto na análise de cada música separada. Logo, nada mais natural do que Queen B. levar mais esse para casa. Mas não, quem ganhou foi Beck, que também é bom, mas não é Beyoncé, né? Kanye, relembrando a infame cena que fez com Taylor Swift no VMA de 2009 (com quem ele, por sinal, fez as pazes no backstage), subiu ao palco, fingiu que ia roubar o prêmio, mas pensou melhor, riu (!!!) e desceu, para a felicidade (ou não) geral da nação. O que Kim Kardashian e uma filha não fazem, né não?

Um vídeo publicado por João Ker (@joaoker) em


Kanye brinca que vai subir ao palco

E a reação de Beyoncé e Jay-Z

O Grammy ainda teve outras performances menos memoráveis que não chegaram a chamar muito a atenção, como o Imagine Dragons, que não chegou nem aos pés do que fez no ano passado com Kendrick Lamar. No geral, o Grammy pode ter se mascarado de pop por trás das divas, mas seu diferencial se deu na militância velada, algo que mostra ao Brasil não só a falta de experiência em produção de megaeventos como esse, mas a falta de importância que os próprios organizadores daqui dão a temas sociais. Afinal, nada soa mais real para um brasileiro do que negros sendo assassinados a esmo pela polícia. E, em um país onde existem artistas como Criolo, Carol Conká, Milton Nascimento, Vanessa da Mata, Gilberto Gil, o movimento do funk, do samba e trocentos outros nomes e ritmos de inspiração africana, não é apenas desapontante, mas incoerente a falta de atenção a tais debates. Abaixo você confere algumas das melhores performances da festa de premiação e foram citadas acima.

Lady Gaga e Tonny Bennett cantam “Cheek To Cheek”

 

Adam Levine e Gwen Stefani cantam “My Heart Is Open”

 

Usher canta “If It’s Magic”

Ed Sheeran e John Mayer no Grammy