Nick Cruz: No Janeiro Lilás, mês da Visibilidade Trans, cantor diz que “o mais difícil são olhares e julgamentos”


Na mesma gravadora de Anitta e representado no conteúdo digital pela empresa de Felipe Neto, o cantor lança música ‘Então Deixa’ nesta sexta (dia 15) e comemora a carreira promissora. Nick também destaca o dia da Visibilidade Trans celebrado dia 29 deste mês, e divide a própria trajetória como transexual no Brasil. “O mais difícil foi achar algum órgão que pudesse me ajudar nessa questão. Porque nós, trans, além de todo preconceito estrutural que sofremos, tem o institucional também! Que é essa falta de profissionais, órgãos e instituições que possam nos ajudar. Seja para iniciar um tratamento físico ou psicológico. Isso é revoltante!”

Nick Cruz: No Janeiro Lilás, mês da Visibilidade Trans, cantor diz que "o mais difícil são olhares e julgamentos"

*Por Brunna Condini

Ele é capixaba, transexual e a nova aposta da Warner Music, mesma gravadora de Anitta, para o gênero pop. Nesta sexta-feira (15), Nick Cruz lança a sua segunda música pela gravadora, ‘Então Deixa’, celebrando amor livremente e o orgulho LGBTQIA+. O cantor fala da trajetória, sexualidade, representatividade, preconceito, dificuldades no caminho e sonhos para realizar. Ele lembra que sua música nova chega ao público no Janeiro Lilás, mês da Visibilidade Trans no Brasil, que acontece em 29 de janeiro. E para começo de conversa, Nick esclarece que alguém ‘não se descobre trans’. “Fui uma criança trans e agora sou um adulto trans. Minha trajetória como pessoa trans poderia ter sido mais fácil se eu tivesse mais informação. No meio da adolescência decidi sair de casa e as ruas me trouxeram boas e más experiências. No meio das boas, conheci Bryan, um garoto trans que me deu as boas-vindas para esse universo. Desde então, venho me conhecendo cada vez mais e trabalho muito para me tornar um bom homem”.

“Fui uma criança trans e agora sou um adulto trans. Minha trajetória como pessoa trans poderia ter sido mais fácil se eu tivesse mais informação” (Foto: Bleia)

“Então deixa / Quem quiser falar / Hoje é a gente que manda / Sem ter hora pra acabar”, canta Nick, que acredita que essa é uma das suas melhores composições: “Essa música é bem importante. Compus em parceria com a rapper Budah, de Vitória, que é capixaba igual a mim. Gosto muito da letra e de como ficou a produção. É uma canção que dá para ouvir em um momento íntimo ou em uma festa” .

Com apenas 22 anos, o cantor trilhou um caminho árduo, mas também vem colhendo bons frutos do esforço e determinação. Você está na mesma gravadora de Anitta e tem agora a empresa de Felipe Neto cuidando do seu conteúdo digital. Já conheceu os dois? “Ainda não conheci Anitta, mas seria um prazer enorme conhecê-la! Sou fã da sua perseverança enquanto artista mulher e da qualidade na entrega de seus trabalhos! Estar na mesma gravadora me encoraja e me inspira mais ainda a chegar onde ela chegou”, celebra Nick. “Sobre o Felipe, o acompanho desde novinho. Estamos começando nosso projeto com muito planejamento e conteúdo bacana para aproximar mais ainda os fãs. Está sendo uma experiência incrível e seria iradíssimo esbarrar com ele!”.

“Sempre quis cantar, estou fazendo o que sempre desejei. Desde criança a diversão aos finais de semana era cantar no karaokê em DVD” (Foto: Bleia)

O capixaba quer continuar compondo (ele já tem mais de 30 músicas) e cantando sobre o amor como qualquer pessoa cisgênero. Com influências no funk, pop e hip hop, o som de Nick – que antes de ‘Então Deixa’, lançou ‘Me Sinto Bem’ e ‘Até de Manhã – tem tudo para bombar em 2021, mesmo sendo um ano atípico. Não sabemos quando os shows presenciais voltarão, mas em seus vídeos e clipes, Nick já vem conquistando fãs com um número expressivo, já que suas músicas passam de 1milhão de visualizações.

Diferente da maioria dos jovens, compreensivamente ansiosos nesta fase da vida, o artista não tem pressa e celebra o caminho até aqui. “Sempre quis cantar, estou fazendo o que sempre desejei. Desde criança a diversão aos finais de semana era cantar no karaokê em DVD. Minha mãe sempre foi muito conectada com a música, mesmo não sendo uma profissional. Então, em primeiro lugar, adquiri esse amor com ela. Depois, mais velho, meu irmão e meus primos também me deixaram curioso, pois tocavam violão e eu assistia. Assim que saí de casa, depois de rodar em várias profissões diferentes, toquei diversas vezes para um amigo (Jefferson Mulford), que morava comigo na época e me ajudou a fazer shows em bares. Depois da minha jornada em bares, conheci o Edu Donna através do Renato Oliveira, que também é cantor e me ajudou. Eu e o Donna fizemos amizade e moramos juntos e ele deu início ao meu primeiro single profissional, ‘Me Sinto Bem’. O Donna me apresentou ao Bruno Caliman, que também me ajudou até chegar ao Rio, na Warner, e aqui estou!”. Ele faz questão de citar os nomes de todos que foram rede e apoio. É gratidão que se fala?

Música como redenção

Nick saiu de Serra, no Espírito Santo, aos 15 anos, e lembra dos desafios de se ver por conta própria tão cedo. “Eu saí de casa com essa idade para ter mais independência e vi que a vida pode ser muito dura. Trabalhei com tudo o que você pode imaginar para poder ter dinheiro, como garçom, servente de pedreiro, mecânico, assistente de elétrica. Já fui insultado muitas vezes e percebo olhares de julgamento até hoje. A música sempre foi o momento mais feliz do meu dia e o lugar onde eu mais me sinto bem”, desabafa. Morando no Rio, ele conta que a família não aceitou sua transexualidade de cara. “Somos de interior e a cabeça lá é diferente. Mas nunca me oprimiram também. Até hoje eles não fazem muita ideia do que está acontecendo (risos). Hoje em dia, recebo bastante apoio da família, eles sempre estão torcendo por mim”.

Em relação a transição, que momento foi mais difícil? “Foi achar algum órgão que pudesse me ajudar nessa questão. Porque nós, trans, além de todo preconceito estrutural que sofremos, tem o institucional também! Que é essa falta de profissionais, órgãos e instituições que possam nos ajudar. Seja para iniciar um tratamento físico ou psicológico. Isso é revoltante!”, aponta.

“Nós, trans, além de todo preconceito estrutural que sofremos, tem o institucional também! Que é essa falta de profissionais, órgãos e instituições que possam nos ajudar” (Foto: Guto Costa)

Você fez um post falando do quanto é difícil para um trans desenvolver amor próprio, aceitação. Como é isso para você? “O mais difícil para mim são os olhares, os julgamentos e a violência que a sociedade comete. Eu amo meu corpo, entendo o tempo dele para as mudanças e não sofro tanto ao me olhar no espelho. A prática do amor próprio me fez chegar em um nível de consciência muito forte para enfrentar o dia a dia sem temer”.

Nick que gosta de falar de amor, revela se está vivendo algum no momento. Você ama homens ou mulheres ou os dois? “Não namoro no momento, mas estou vivendo um amor. Sexualidade é uma coisa que se desenvolve ao longo da vida e por isso não rotulo minha sexualidade com apenas 22 anos”.

Representatividade

Com a carência de referências de homens trans na música, o cantor afirma que a inclusão vai estar sempre presente no seu trajeto. “Pretendo trazer mais visibilidade ao nosso movimento através da minha música, colocando mais conceito nos próximos clipes e levando mais representatividade a todos os garotos trans do Brasil e do mundo”, diz. “No meio artístico, já existem muitas referências que abrem espaços para nós passarmos. Mas falta muito para naturalizarmos esse assunto dentro das casas das pessoas. Precisamos de jornalistas trans, apresentadores trans, professores, doutores… representatividade em todas as áreas”.

“Falta muito para naturalizarmos esse assunto dentro das casas das pessoas. Precisamos de jornalistas trans, apresentadores trans, professores, doutores… representatividade em todas as áreas” (foto: Guto Costa)

Feliz de ser quem é e de estar onde está, Nick sonha. Ou melhor, ‘joga para o universo’: “Gostaria muito de dividir o palco com a Pabllo Vittar, Glória Groove, Ludmila, Anitta, Liniker e todas nossas outras brasilidades incríveis que admiro. O show dos sonhos seria no Madison Square Garden, esgotado”.

E aponta o objetivo certeiro no momento: “Quero chegar com jeitinho, no coração dessa nação”.