“Não tenho menor atração por cargos públicos. Sou cidadã politizada e a minha arte também”, diz Daniela Mercury


A cantora faz sua primeira live nesta sexta-feira em prol de doações para o UNICEF e Instituto Nice. E fala, com exclusividade ao site HT, sobre o show transmitido de casa e também sobre suas mobilizações neste momento de pandemia. Além disso, Daniela revela que três pessoas da família testaram positivo para Covid-19. “Sinto muita falta da paz que tínhamos antes, viver com medo é horrível. E sinto saudade dos meus pais, filhos e netas que não moram comigo. Também tenho saudade de cantar no trio elétrico na beira do mar da Bahia”

*Por Brunna Condini

Daniela Mercury se firmou como a Rainha do Axé, e vem se sobressaindo como personalidade engajada. E isso se evidencia na sua primeira live, que será realizada nesta sexta-feira, entre 20h às 22h, no Multishow e no canal Música Multishow, no Youtube, que vai arrecadar doações. “Estou pedindo doações para o UNICEF e para o Instituto Nice. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), do qual sou embaixadora há 25 anos, precisa muito dos recursos para cuidar de milhares de crianças em situação de risco em várias cidades do Brasil, de Norte a Sul, incluindo crianças indígenas e refugiadas durante e depois da pandemia. E também estou pedindo doações para o Instituto Nice, que dá apoio psicológico, abrigo e alimento para pessoas trans e LGBTQI+, que estão extremamente necessitadas nesse momento. Espero que a live ajude a alimentar e salvar muitas vidas”.

“As doações serão destinadas para UNICEF e Instituto Nice. O Fundo das Nações Unidas para a Infância, do qual sou embaixadora há 25 anos, precisa muito dos recursos para cuidar de milhares de crianças em situação de risco” (Foto: Celia Santos)

Ela fala com exclusividade ao site sobre o show em que leva o público para dentro da sua casa, desejando proporcionar um momento de respiro, no meio de uma fase difícil por conta da pandemia da Covid-19, cantando hits que marcaram sua carreira, como “Canto da Cidade”, “Nobre Vagabundo”, “O Mais Belo dos Belos”, e canções recentes, como “Rainha da Balbúrdia”. Como foi essa preparação, e o que pode adiantar do que vai rolar? “Eu e Malu estamos há vários dias arrumando a casa para ter espaço para que eu dance entre os móveis. Eu não consigo ficar quieta (risos). Preferi fazer a live na sala para que todo mundo se sinta dentro de nossa casa, mas as portas vão ficar abertas e dá para ver o jardim, que decoramos com lindas bolas de luz e poltronas de luz também! Elas ficarão no jardim da piscina, que será também um bonito cenário, além dos móveis da própria casa”, revela. “Estaremos transmitindo no Multishow simultaneamente, desde o início, com o meu canal do YouTube. E ainda seguirei no meu canal quando o Multishow parar a transmissão. Ou seja: são muitas horas de show (risos). O repertório será de grandes hits para dançar. A ideia é que todos dancem e pulem no meio da sala como se estivessem nas ruas da Bahia. Temos que usar a imaginação como crianças. Eu sou bailarina e me sinto livre dançando e adoro fazer todos dançarem. Então, afastem os móveis porque é circuito “sala-cozinha-quarto”, bora! ”, convoca a baiana.

“A ideia é que todos dancem e pulem no meio da sala como se estivessem nas ruas da Bahia. Temos que usar a imaginação como crianças” (Divulgação)

A cantora está em isolamento social há 78 dias, com as filhas Marcia, de 21 anos, Alice Maria, 18 anos, e Ana Isabel, de 10, e com a esposa, Malu Verçosa. E fala um pouco desta rotina: “Setorizamos a casa. Cada uma tem sua área de limpeza e procuramos manter a ordem e a higiene para nossa proteção. Está sendo uma oportunidade de convívio muito intensa e acho que o momento vai fortalecer todas as relações”, conta Daniela, que também é mãe de Gabriel, de 34 anos, e Giovana, 33.

Daniela fala sobre o isolamento com a mulher e as filhas: ‘Está sendo uma oportunidade de convívio muito intensa e acho que o momento vai fortalecer todas as relações”(Reprodução Instagram)

Aos 54 anos, com 30 deles dedicados à música, ela ainda procura manter em sua rotina a curiosidade aguçada, e conta sobre descobertas desta quarentena: “Nossa filha menor, Bela, de 10 anos, está gostando de ficar em casa com as mães e as irmãs. Dei aulas de balé e de dança para elas, que também ajudam Malu na cozinha e nos apoiam na limpeza da casa. E ela, por ser criança, que eu achei que sentiria falta dos amigos de sua idade, no fundo não quer que a quarentena acabe. As mamães estão em casa sem sair para nada, sem viajar. Então, ela está no paraíso”.

Mas Daniela não se fecha em sua realidade particular. E vem se posicionando constantemente quanto às questões sócio culturais, LGBTQI+, e políticas, em um Brasil, que ela afirma temer pela condução do Poder Público diante da pandemia. “O país está na pior situação do mundo nesse momento, com um governo que nega a ciência e estimula que a população saia do isolamento. Nossa situação é dramática”, avalia. “O Congresso está ocupando o espaço de liderança dentro do possível, e os governadores e prefeitos estão sendo nossos heróis. Sem a atuação deles já teríamos muito mais mortos. A nossa democracia está fragilizada. Esse caos causa problemas graves para toda a população. Tenho que acreditar que vamos superar tudo isso com mobilização de todos em prol de causas coletivas, como aconteceu como as leis de auxílio que conquistamos”, comenta.

“O país está na pior situação do mundo nesse momento, com um governo que nega a ciência e estimula que a população se contamine e saia do isolamento. Nossa situação é dramática” (Foto: Celia Santos)

Pessoalmente, Daniela confidencia que tem buscado alternativas para lidar com o momento tenso: “Tenho feito terapia e conversado com meus pais, filhos, irmãos e amigos por telefone para aguentar. Mas sinto uma pressão emocional contínua. Estou trabalhando muito, fazendo campanhas para divulgar e ajudar. Ao mesmo tempo em cuido dos parentes mais idosos e vulneráveis.

A mudança vinda da ação

A cantora volta seu olhar constantemente para os grupos mais vulneráveis. Ela entende que a tensão no ar, intimida muitos artistas se posicionarem, mas ela segue com suas convicções. Você sempre foi uma pessoa engajada e de se posicionar. Mas aceitaria um cargo público, caso oferecessem? “É um horror o que acontecendo. Cultura é a expressão da sociedade e o canto das cidades. Os ataques à cultura são ataques à democracia. O Brasil precisa resolver isso antes que seja tarde demais”, alerta. “Não tenho a menor atração por cargos públicos. Sou uma cidadã politizada e a minha arte também. O artista com independência e coragem pode atuar em causas de interesse público sem estar vinculado a um partido específico. Eu não abriria mão disso. Minha força está na minha autonomia”.

“Não tenho a menor atração por cargos públicos. Sou uma cidadã politizada e a minha arte também” (Reprodução)

Preocupada com a vulnerabilidade de quem não pode se proteger, e precisa sair para trabalhar para o próprio sustento, e também, exaltando os que estão na linha de frente de combate ao coronavírus, Daniela conta que viu de perto o perigo da doença. “A irmã de Malu, Zilma Verçosa, que é uma médica excepcional, intensivista, acabou se contaminando. Felizmente, ela foi assintomática. Não sentiu nada mesmo e a quarentena terminou nesta quinta-feira. Já é considerada curada. Mas foram dias de muito medo e apreensão que vivemos na expectativa de saber se ela continuaria assintomática. Meu tio de 71 anos ficou entubado por vários dias e já está há mais de 15 dias no hospital. E hoje soube que outro tio foi internado”, lamenta.

As previsões são de que nem tão cedo as pessoas poderão se aglomerar. Com isso, apresentações presenciais ficam comprometidas. Como acha que os artistas que dependem desse contato com o público vão continuar se reinventando? “Estamos nos reinventando todos os dias. A conexão é importante, e neste momento estamos tentando manter os laços de afeto através da rede e da televisão. A população precisa muito de arte. É importante que os brasileiros ajudem a manter a indústria cultural que gera muitos empregos e muita felicidade além de ter função social, educativa e civilizatória. Sem a compreensão disso nosso país vai perder muito. A arte somos nós. A arte humaniza o mundo”, reflete Daniela. E desabafa sobre suas saudades no período: “Sinto muita falta da paz que tínhamos antes, viver com medo é horrível. E sinto saudade dos meus pais, filhos e netas que não moram comigo. Também tenho saudade de cantar no trio elétrico na beira do mar da Bahia’.