‘Não se pode desdenhar dos sinais. Clareza vem à tona todas as vezes que a mentira tenta firmar’, diz Vanessa da Mata


Pinçamos esta frase tão contundente da cantora que tem deixado inspirações e análises dos tempos difíceis de hoje com a pandemia do Covid-19. Ela vai nos brindar no sábado com uma live em homenagem a Clara Nunes (1942-1983), cantora, que, segundo Vanessa, nos deixou “eclética potência de interpretar vários gêneros, se aprofundar nas religiões de matriz africana e músicas com letras imperdíveis e arranjos certos, que ela escolhia com inteligência e deferência com a velha guarda da portela. Clara Francisca Gonçalves Pinheiro fez dezenas de pessoas, de diferentes religiões, amar o tambor, as lendas africanas cantadas por ela e rezarem por ela nos seus finais 21 dias em coma. Ela é claridade!”

Vanessa da Mata por Rodolfo Magalhães

*Por Elisa Torres

Ela é um exemplo de força nesse período difícil de pandemia. Passou por altos e baixos na vida pessoal e deu a volta por cima. O ano de 2020 tem sido de superação para Vanessa da Mata. Após cancelar o casamento com ministro do TCU Bruno Dantas, já em junho, em pleno isolamento social, ela foi buscar o colo a mãe, no Mato Grosso. E é essa artista cheia de atitude e posicionamento nas redes sociais que abre a intimidade de sua casa, na cidade de Alto Garças, a 378 quilômetros da capita Cuiabá, para receber o público em uma live, sábado, dia 15, à partir das 20h, em homenagem a Clara Nunes (1942-1983).

“Não se pode desdenhar dos sinais que obtemos a todo o tempo sobre tudo.
A clareza vem à tona todas as vezes que a mentira tenta firmar. Sempre há uma faísca da verdade piscando e eclodindo entre as máscaras que muitos criam. É apenas uma questão de tempo para percebermos a tela da real face. Demora mais para ver quem mente para si mesmo, que a viagem é ruim sobre a realidade sem maquiagem e não vale uma gota de suor”, escreveu a artista  em post que causou emoção no seu Instagram.

Vanessa fará live, sábado, dia 15, a partir das 20h, em homenagem a Clara Nunes (1942-1983) (Foto: Rodolfo Magalhães)

Vanessa tem sido contundente em seus pensamentos transformados em palavras nas redes sociais: “Para quem precisa de coragem para se arriscar, para ser feliz, tenha e seja! Coragem de dizer não ao orgulho, não ao erro de continuar no erro. A coragem é para quem quer ser maior e feliz!”, diz a mãe de três adolescentes, Bianca, Felipe, e Micael, adotados em 2010, no Alto Araguaia, e que hoje vivem na Europa com o ex-marido de Vanessa, o fotógrafo Geraldo Pestalozzi.

Na live em homenagem a Clara Nunes, que completaria 78 anos na última quarta-feira (dia 12), a artista contará com a participação do multi-instrumentista Eduardo Stephan, músico que a acompanhou em sua última apresentação online. Além de sucessos da portelense e da própria Vanessa, o repertório terá canções do disco “Quando deixamos nossos beijos na esquina”.

“Tem sido dificílimo escolher as músicas da Clara. Há várias canções maravilhosas, que eu escuto desde que me entendo por gente. Tenho uma admiração imensa por essa mulher, que deu voz ao universo das religiões de matriz africana com suas letras imperdíveis e fez o público amar um tambor. Os 21 dias de Clara em coma não saem da minha cabeça até hoje. Ela é claridade”, afirma Vanessa, que encarnou Clara Nunes no desfile da Portela no carnaval de 2012.

Engajada em questões sociais, Vanessa da Mata já fez várias lives solidárias e se posiciona com frequência em ações em prol dos profissionais do setor de eventos.  Para ajudar a sua equipe  (músicos, técnicos e produtores se mantêm sem trabalho desde o início da pandemia), a transmissão aberta ao público no sábado terá venda de ingressos solidários virtuais nos valores de R$ 15, R$ 30 ou R$ 50 através do site ou aplicativo Sympla. A renda será 100% destinada aos seus músicos.

 “São tantas pessoas sofrendo e morrendo. Essa doença não é brincadeira. Perdemos um  amigo da minha idade, outro amigo da minha mãe, meu ex-marido, que mora na Suíça, ficou muito mal. Então, eu enxergo um privilégio estar saudável e próxima à família nesse momento, o que é muito raro. A verdade é que quando eu me isolei aqui, no Mato Grosso, na minha cidade natal, eu tive uma oportunidade de convívio com a família que até então nunca tinha tido. Nunca convivemos tanto!”, pontua.

Vanessa acrescenta às suas habilidades artísticas a pintura, hobby do qual tem se ocupado durante a pandemia Foto: Rodolfo Magalhães

Desde o ano passado, quando Vanessa conversou com o site Heloisa Tolipan sobre o lançamento do disco “Quando Deixamos Nossos Beijos na Esquina”, projeto que assina como produtora também, ela já vinha analisando o cenário musical brasileiro. “É um entreposto entre cansaço e muito investimento em apenas um dos lados. A MPB perdeu muito o público mais jovem e precisa ser reconquistado. Há um mundo perdido entre os investimentos das gravadoras ao que vende mais facilmente e não mais no duradouro. Uma parte do público não sabe mais aonde achar o artista mais jovem da MPB, que hoje em dia tem vários nomes. Pra mim, pode ser MPB de música poética popular brasileira ou música contemporânea brasileira, mas existem muitos artistas maravilhosos tentando sair do alternativo e se manter no mercado que dê para sobreviver”.

Eram tempos pré-pandemia e a artista abria seu coração: “Precisamos de mais interesse do público por letras melhores e produção na própria música. Vejo muitas pessoas pagando mais de mil reais em artistas internacionais e não querendo pagar o mínimo para levar uma boa equipe para artistas que dão emprego aqui, e que estão começando, que falam a própria língua, que falam do seu cotidiano e o representa num sentido ampliado. Ainda vejo pessoas com uma ‘síndrome de vira-lata’ enorme, achando que artista internacional tem leds enormes, 30 dançarinos, jatos, marketing e videoclipes caríssimos, são bons e mais importante”.

Nós queríamos pedir permissão ainda para vocês lerem dois parágrafos de nossa última entrevista com Vanessa que deixa muitas lições e que muito bem poderiam ser inseridas até hoje: “No segmento sertanejo, por exemplo, muitos do agronegócio se juntam e investem em artistas de início. Quando o artista grande começa a mudar o público, eles já trazem outro para formar outro. Isso é manipulação e esperteza de mercado também. Infelizmente na MPB não temos essa produção, nem essa aposta. Se por acaso pessoas intelectuais ou admiradores com grana tivessem tido essa ideia há dez anos, o mercado teria sido mais propício a outro tipo de música. O mercado é de quem investe com inteligência”.

À época falamos sobre as músicas consumidas de maneira muito rápida, de artistas de um hit que aparecem e somem imprimindo o efêmero. “Acho que é a mesma coisa de sempre. A diferença é que agora existe o artista de internet, que ganha alguma grana com a curiosidade e outras coisas. Não são artistas de carreira e isso é perigoso para eles. O mercado está acostumado a dragar, causar e cuspir. Sempre foi assim. Antes mesmo já existiam mulheres e homens que cantavam ou atuavam e falavam mais de sexo e menos assuntos variados de maneira a construir ideias. O sexo vende muito, é rápido e não julgo quem o use. O problema é que quando começar a não ter para onde ir, isso se tornará enjoativo, e tudo o que é demais é jogado fora e substituído em seguida. O público percebe. Estou falando isso porque o que vejo nos meninos e meninas da música desesperados e com competitividade demais, e isso é uma armadilha. Torço pelos artistas brasileiros, porque sei o quanto é duro, mas não espero apenas cinco anos de história tendo eles investido todo o dinheiro que ganharam em videoclipes e/ou tentativas desesperadoras de se firmar aqui ou lá fora. Hoje em dia muitas conquistas são pagas e vendidas como reais, mas não são nem nunca foram. Essas mentiras custam muito. Tem muita mentira chamada marketing”.

Autora de “A filha das flores”, romance lançado em 2013 pela Companhia das Letras, com  reedições em Portugal, México e Alemanha,Vanessa acrescenta às suas habilidades artísticas a pintura, hobby do qual tem se ocupado durante a pandemia.

“Eu tenho pintado e escrito muito. A pintura é a minha principal atividade no momento. Antes eram quadros menores. Agora, no isolamento, estou com tempo e espaço para me ocupar das telas gigantes e tem sido delicioso. Estar em casa o tempo todo dá uma sensação prisional, angustiante, e a pintura nos ajuda a extravasar, a catarse vem, você se expressa e tudo volta ao equilíbrio”, diz a artista.

Avessa sempre às polêmicas e invasão de privacidade, Vanessa afirmou para todos os seus seguidores nas redes sociais: “Bom dia, boa tarde no seu pomar! Quando quiser saber a verdade, vá na fonte. Não confie nas palavras de terceiros. Vá direto em quem poderá dizer a primeira frase. Não confie nos desdobramentos dela. A vida é muito curta para ouvir os ecos e acreditar”.

Clara Nunes ficou eternamente lembrada por sua eclética potência de cantar vários gêneros e se aprofundar nas religiões de matriz africana” (Foto Rodolfo Magalhães)

A linda cantora diz estar se adaptando ao universo das lives, formato que virou febre durante a pandemia e chegou para ficar: “É uma maneira de sobreviver e cada um tem a sua. A live em casa é mais tranquila, uma possibilidade de o artista mostrar como ele é na intimidade. Às vezes, eu uso maquiagem para receber as pessoas na minha casa, gosto de me vestir melhor. Mas também acho válido quem faz a live de pijama. Você está se apresentando para milhares de pessoas, mas não está no palco. É impossível se desconectar da sua casa. Então é uma informalidade muito bem-vinda”, frisa Vanessa.

A transmissão ocorrerá pelo canal da artista no YouTube e o link da Sympla para a compra de ingressos solidários é: https://bileto.sympla.com.br/event/6618.