Marisa Monte em três tempos: artista abre seu baú no projeto “Cinephonia”


Lançado em três fases, arquivo virtual com a obra de Marisa Monte é um prato cheio para os fãs. Como destaque, 30 músicas que nunca haviam saído em áudio streaming, além de uma canção jamais lançada por ela: “Acontecimento”, de Hyldon.

*Por Simone Gondim

A gestação foi longa: durante quatro anos, Marisa Monte mergulhou em seu próprio acervo, com uma equipe de profissionais especializados, como arquivistas, pesquisadores e técnicos de informática, a fim de catalogar e organizar em uma plataforma virtual o material produzido em mais de três décadas. Assim nasceu o Cinephonia, nome que junta movimento/imagem (cine) e som (phonia). Lançado em três fases, o projeto mira mesmo é no público: além de reunir curiosidades sobre a cantora, traz os prêmios que ela já recebeu, cartazes de shows em vários países e até cifras de músicas. A cereja do bolo é um vídeo colaborativo usando material enviado por fãs, editado ao som de “Tempos modernos”. Quem vê a artista toda sorridente e abraçada a vários desconhecidos fica feliz, porque ela sempre foi muito low profile.

Mas a parte que realmente interessa do “Cinephonia” está no segundo ambiente do site. São 30 músicas que nunca haviam saído em áudio streaming, embora aparecessem em registros audiovisuais da cantora. A surpresa é “Acontecimento”, de Hyldon, até então jamais lançada por Marisa Monte. “Vasculhando os tapes originais encontramos ‘Acontecimento’, de 1973, que eu havia conhecido nas trilhas sonoras das novelas da minha infância e cantava no show, mas acabou ficando fora do DVD”, conta Marisa.

De modo geral está presente nas gravações o esmero com a qualidade que é característico da artista, cuja fama é de ser perfeccionista ao extremo, beirando a obsessão. O resultado, mesmo nas versões ao vivo, é um som livre de ruídos, na maioria das vezes, e agradável de ouvir. Por outro lado, esse tratamento pode decepcionar quem gosta de sentir o clima do show com as reações da plateia. Até o som de palmas e assovios, quando aparece, é mais suave.

Pepeu Gomes, Marisa Monte, Moraes Moreira e Baby do Brasil durante a gravação do DVD do disco “Barulhinho bom” (Foto: Divulgação)

A primeira fase, chamada “Memórias 2001 – Ao vivo” tem duas das músicas mais bonitas de todo o repertório do projeto: “A sua/Sampler: Coqueiro de Itapoan”, composição de Marisa Monte, e “Ontem ao luar”, de Catulo da Paixão Cearense e Pedro Alcântara, que fez sucesso na voz de Vicente Celestino e ganhou um poderoso arranjo com guitarra. Outro registro interessante é o encontro em família entre a cantora, seu namorado na época, Davi Moraes, e Moraes Moreira. Juntos, eles aparecem na segunda fase do projeto, “Hotel tapes (1996) – Ao vivo”, na faixa “Chuva no brejo”.

“Hotel tapes” veio dos registros na ruína do hotel das Paineiras, na Floresta da Tijuca, cenário escolhido para gravar o DVD do álbum “Barulhinho bom”. Além dos áudios, há vídeos mostrando o clima descontraído entre a cantora e os Novos Baianos, que faziam parte do grupo de convidados completado por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Davi Moraes e as pastoras da Velha Guarda da Portela. Um dos momentos mais deliciosos é quando Marisa Monte e Baby do Brasil dividem os vocais de “A menina dança” – a cumplicidade entre as duas fica evidente e dá vontade de estar lá, bailando com aquelas meninas. O único pecado dessa parte do material é o exagero no teor artístico das imagens. Tanto a filmagem quanto a edição abusam dos efeitos e dos movimentos de câmera, especialmente em “Mistério do planeta”, fazendo quem assiste pensar se não teria sido melhor manter o vídeo fora do alcance do público.

A terceira fase recebeu o nome de “Princípios (1989 – 1992) – Ao vivo” e escorrega em “These are the songs (Esta é a canção)”, com Marisa Monte e Ed Motta exagerando na vibe jazzística. Outra versão que não funciona no site é a de “Não quero dinheiro (Só quero amar)”, claramente feita para o palco. Em compensação, a cantora mostra toda a sua intensidade dramática ao interpretar “Você não serve pra mim”, sucesso da época da Jovem Guarda que aparece em áudio e vídeo, e os versos fortes de “Volte para o seu lar”, composição de Arnaldo Antunes que entrou no disco “Mais”, segundo trabalho de estúdio da artista.

No geral, “Cinephonia” cumpre o propósito de oferecer aos fãs de Marisa Monte a chance de se deliciarem com versões não incluídas em álbuns e DVDs da artista. Resta esperar para ver se o baú da cantora ainda guarda outras boas surpresas.