Luz vermelha sobre os direitos autorais! Músicos lutam contra o Google, streaming e pedem o que lhes é de direito: a remuneração justa pela arte!


O Google não paga pelos vídeos do Youtube há 27 meses, e o Procure Saber já entrou na briga. Na leva, o streaming também tem um embate com gente como Frejat, enquanto Jay-Z sofre com seu Tidal nos EUA. HT pensa sobre a peleja, e constata: a César o que é de César!

*Com Lucas Rezende

Você tem uma galinha cujos ovos de ouro são expostos numa mercearia. Todos vão até o tal comércio observar a produção dourada. O dono da mercearia cobra por cada pessoa que lá entra, mas não repassa esse dinheiro a você, que cuida da galinha que gera toda aquela renda. Agora substitua a galinha por músicos, a mercearia pelo YouTube, e os ovos por composições. O Google, proprietário da empresa de reprodução de vídeos, não paga direitos autorais aos autores brasileiros há anos pelas canções lá tocadas, e não obstante, garante o direito dessa abstenção por meio de uma ação judicial.

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Como forma de protesto, um cartaz vermelho viralizou na web pelas mãos de artistas: “Alerta Vermelho. Google (YouTube) entra na Justiça Brasileira e seguirá sem pagar direitos autorais aos criadores nacionais”. A tal ação tramita na 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em forma de ajuda de conciliação. O Google diz que não consegue entrar em um acordo com as partes negociantes, a União Brasileira das Editoras de Música (Ubem) e o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). Nesse chove não molha, já são 27 meses sem pagamento. O Google, por sua vez, alegando boa fé, disse que depositou em juízo a quantia de R$ 5 milhões referente ao pagamento desses meses. Para se ter uma ideia, esse seria o valor que apenas Luan Santana deveria receber. E o resto?

É justo considerar, no entanto, que a empresa paga por direitos fonomecânicos, mas não é bastante. Aliás, não é mínimo. Paula Lavigne, porta-voz da Procure Saber (associação que busca estudar a indústria musical no Brasil), ajuda a explicar. “Você escreveu um poema e um artista gravou uma música a partir deste poema. A música foi para a gravadora e parou no YouTube. Este paga para a gravadora o direito de usar som, que repassa uma porcentagem para o cantor. Mas o autor do poema não recebe seu direito autoral”, exemplificou à revista “Exame”.

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O Google se defende. Diz que paga, a partir de um cálculo não informado aos mortais, um montante relativo ao número de visualizações do vídeo e alguns cálculos de marketing. A comunicação da empresa relata que preza pela transparência, e que, antes de tudo, é necessário entender como o YouTube funciona. “O pagamento é um percentual que depende da receita de publicidade gerada em cada vídeo”, explicam. E se o problema fosse só esse, o reino da música estava odara. Se fosse. O papo chegou ao Spotify, Deezer, Napster e Rdio, serviços de streaming.

Neles, uma quantia mensal é paga, e em troca o usuário pode ouvir no momento que bem entende, da forma que melhor considerar, álbuns inteiros – antigos ou recém-lançados – de artistas. É a mesma galinha, o mesmo ovo de ouro, a diferença é que, agora, a mercearia ficou moderna, ganhou uma reforma. E o problema, para variar, continua praticamente o mesmo. Aliás, com um agravante: ao contrário da peleja com o Google, com o streaming não há uma definição de remuneração clara. Mais uma vez, falta transparência. O Spotify é o único que explica o cálculo.

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O ex-Barão Vermelho Frejat é um dos que já entrou na briga. “Se os criadores não se mobilizarem para fazer a coisa valer da maneira mais justa para todos os envolvidos, depois haverá uma deformação que vai ser difícil de corrigir”, considerou, em entrevista ao “O Globo”. E continuou, em artigo publicado em parceria com Leoni:  “Os serviços de streaming (Spotify, Rdio, Deezer, Tidal) pagam adiantamentos milionários às gravadoras, e os criadores ainda não viram — e já pressentem que não verão — a cor desse dinheiro”.

A ideia é que se a música tocou uma vez, que se pague a unidade. Mas se o álbum foi reproduzido um milhão, sorry, que os cifrões sejam equivalentes. Ah, e quando os serviços de streaming argumentam que o valor pago é melhor que o da pirataria, por exemplo, é a própria justificativa do erro pelo erro. Não se pode medir o problema pela régua quebrada.

O Spotify justifica que sua renda aumenta a cada novo assinante, e por isso não há um valor fixo para cada canção. O Rdio, por sua vez, toca a bola para o time adversário, das gravadoras. Segundo o serviço, quem licencia o conteúdo, na grande maioria das vezes, são as gravadores, portanto, o papo é com elas. Se o problema é complexo com quem já está há décadas prestando o serviço, imagine o que não é começar esse trabalho no olho do furacão. É o que aconteceu com Jay-Z e seu Tidal, serviço semelhante, há um mês no ar.

O marido de Beyoncé lançou o serviço, que além de música, vende ingressos antecipados de show, e exibe vídeos. Um verdadeiro clã se formou no lançamento, cheio de pompa e circunstância, mas até agora o número de interessados não é coerente com todo o barulho feito – são mais ou menos 770 mil assinantes apenas. A explicação pode estar no preço. Enquanto se paga seis dólares pelo Spotify, o Tidal cobra mais que o dobro. Agora, como o debate já chegou à terra de Obama, o discurso mudou de tom.

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“Há muitas empresas grandes que estão gastando milhões em uma campanha de difamação. Nós não somos anti-ninguém, somos pró-artista e fãs. Fizemos Tidal para os fãs. Tidal é onde os artistas podem dar mais conteúdo aos seus fãs sem intermediários. Artistas independentes que querem trabalhar diretamente conosco mantém 100% de sua música. O Tidal paga 75% de taxa de royalties para todos os artistas, escritores e produtores – não apenas os membros fundadores”, se defendeu o empresário.

Enquanto ele tenta se reerguer, convencendo que seu serviço não é apenas um caça-níquel, e o Google busca justificar sua conta, bem como os outros streamings, o lucro vai sendo contabilizado injustamente. A relação é uma via de mão dupla, entre a plataforma, que querendo ou não divulga o trabalho, e a mente pensante, o artista. Mas assim como em qualquer negócio, ninguém gosta de vender fiado, muito menos etiqueta sem antes pensar na lucratividade. Estamos falando de justiça, de falta de pagamento de um trabalho nobre. Música é arte, e não importa onde ela esteja, deve ser tratada como tal. E se esse pensamento não for posto em prática logo, a galinha dos ovos de ouro vai procurar uma mercearia de trato mais fino. A gente pode até viver sem a mercearia, mas sem os ovos não.