Em aparição “Madame Tussaud”, Elvis não morreu na praia, mas ainda dá o que falar no balneário carioca!


It’s now or never! Em tributo apresentado por Ben Porsmouth – o premiado cover do astro -, o show tira a memória afetiva da naftalina e, em “estilo Wando”, sacode a terceira idade!

* Por João Ker

Parecia confraria de fãs, daqueles que se vestem igual ao seu ídolo e colecionam todo tipo de memorabilia, tipo aqueles programas curiosos que podem ser vistos na tevê a cabo. O público carioca pode conferir pela primeira vez na cidade o musical “The King Is Back”, nesta noite de quarta-feira (26/03), um tributo ao eterno rei do rock’n roll Elvis Presley (1935-1977). O espetáculo aconteceu no Teatro Bradesco Rio, no Village Mall, Barra, e reuniu os maiores clássicos dos 23 anos da carreira de The Pelvis interpretados por um cover digno de por no chinelo Kevin Costner e Kurt Russell, que interpretam ladrões de cassino que se vestem como o astro em “3000 Milhas para o Inferno” (3000 miles to Graceland, de Demian Liechtenstein, Warner Bros, 2001). E, assim como neste filme, em que a figura emblemática do do rock star serve como mote para um grupo de espertos saquear os cofres de cassinos, o espetáculo também cumpre a mesma função, amealhando quinhões às custas do bolso de gente inocente que, lá atrás, viu em Elvis Presley a representação máxima de uma saudoso período que ficou no passado, mas que volta e meia é relembrado, com sabor de Chiclete Adams. Entretanto, quem pensa que o show apresentado é mero caça-níqueis está enganado. Bom, ele até é, mas quem disse que não tem o seu valor? Para quem esteve na plateia e sofre dessa vontade louca de retornar ao passado, é imperdível. E, para quem está de fora desse contexto, mas se interessa por antropologia do consumo e assuntos do gênero, trata-se de um estudo comportamental de primeira grandeza, digno de render uma tese de mestrado.

Ao entrar no Teatro, a primeira coisa que chama a atenção é a quantidade de cabeças branquinhas sentadas na plateia. Uma geração inteira que viu o rei surgir com o seu rebolado tutti frutti – na época transgressor – comparece ao espetáculo para ter um gostinho de quero mais daquilo que não puderam ver quando jovens, mesmo sabendo que o astro há muito já partiu desta e está comendo grama pela raiz há quase 40 anos. E, aos poucos, algumas meninas, entre os 20 e 30 anos, aparecem aqui e acolá entre o mar da senhorinhas e senhorezinhos.

Ben Porsmouth, a personificação do Elvis, dá início ao show. Seu pai já era ávido fã do cantor e o “garoto” cresceu ouvindo os álbuns do artista, se tornando Campeão Mundial do Festival “Elvis Tribute Artist – ETA” em 2012. As cabecinhas começam a se balançar e a estalar os dedinhos, como se estivessem em alguns bailinho de fim dos anos 1950, embalado por twist da melhor qualidade, aditivados por uma cuba libre, pina colada, um hi-fi . E por muito tempo é só isso que eles fazem: por mais que Ben atinja notas altas, mexa o quadril com a famosa reboladinha do ídolo ou peça ao público para se movimentar, o único retorno que ele consegue são duas mulheres batendo palminhas com um nível de empolgação digno de um coral de Ray Conniff ou, no máximo, da plateia que assiste um espetáculo com repertório muzak (música de elevador) em um cruzeiro voltado para a terceira idade rumo a Acapulco. Algumas mais ousadas, porém, vão se soltando aos poucos e, na animação, arriscam gritinhos quando ele mexe o quadril, não mais que isso. E, claro, em era de bondes do babado, mulheres-fruta envenenadas, gogo boys salientes e Valescas ensandecidas, o que pode significar hoje em dia dar uma rabanada para a direita e para a esquerda? Naturalmente, toda a malícia irreverente contida no gesto há sessenta e poucos anos já se diluiu ao longo da contracultura.

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Mas, conforme o tempo passa, o ritmo vai esquentando. “Elvis” começa a falar dos filmes que fez e, em um rompante de excitação, a plateia se empolga e aplaude entusiasmada. Durante as canções de amor, como Heartbreak Hotel”, os casais presentes – que são muitos! – se abraçam e se beijam, provavelmente relembrando a época em que dançavam coladinhos nas antigas matinês de sábado à tarde ou quando iam fazer saliência em algum drive in, longo dos olhares do pai da moça, conservador, militar e morador da Tijuca. Anos dourados.

Eis que o clone do Rei chama alguma “feminina” (como ele chamava as mulheres) para o palco. Sobe Larissa, uma das integrantes do tal grupo de 20 e poucos anos, que começa a mexer uns chocalhos no palco, toda trabalhada na desenvoltura. Durante o resto do show, Larissa fica tentando chamar a atenção do fake Elvis de novo, provando que, mesmo transmutado à figura de cera do Madame Tussaud, em Londres, o galã do rock ainda tem seu o apelo, sobrevivendo há gerações. Mas, claro, é como se um clone de Marilyn Monroe se teletransportasse para o baile “A Favorita”, na Rocinha, ou para um pancadão de funk, no Castelo das Pedras, e acreditasse que, com seu vestidinho branco plissado esvoaçante sobre a ventania do bueiro, fosse chamar mais atenção do que as cachorras trajadas de top de lurex e shortinho jeans desfiado. Com o passar das décadas, Elvis Presley se tornou um arquétipo retrô – como a loura platinada, o Carlitos de Charles Chaplin e o bad boy James Dean -, virou personagem mitológico, perdeu a força viril quando sua juventude rebelde se tornou eco de um passado distante, envelheceu como seu público, mas ganhou em respeitabilidade histórica enquanto ídolo de uma geração. Vai durar para sempre enquanto memória afetiva de algo que já foi, mas nunca mais representará o novo, porque este novo já virou velho.

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Foto: Thaís Vieira

Ben “Presley” faz a primeira pausa do show para a mudança de figurino. Suas backing vocals, Jennifer Dawolu (com um alcance vocal digno de Aretha Franklin) e Natalie Vale, assumem a liderança do palco e fazem um showzinho à parte. Mas, coitadinhas, ninguém deu muita importância, apesar do talento de ambas. Todos querem respirar novamente o aroma de um passado afetivo cuja a única possibilidade de volta é através desse show. Um sujeito no fundo chegou até a gritar “We want Elvis back!” no fim da apresentação de Natalie, como se um rei do rock morto-vivo pudesse surgir em Memphis após um apocalipse zumbi. Então volta o “Rei”, com seu famoso traje branco e a legião de fãs devotos aplaude mais uma vez. É como um culto, com a diferença de que ninguém vai passar a sacolinha na plateia.

Começa agora o ponto mais alto do show: como se fosse um Wando distribuindo bombons, latas de pêssego em calda e calcinhas, “Elvis” fornece lenços devidamente suados para o mulherio alvoraçado na frente do palco. Aí sim, o povo começa a se mexer para valer: mulheres – senhoras e meninas – saem dos seus lugares, descem de seus camarotes e começam a se empurrar para arrebatar um pedacinho de pano. Sentados em seus lugares, os homens observavam com um sorriso no rosto, enquanto suas esposas e namoradas participavam do corre-corre. Loucura!

Em seguida, é a hora de um dos maiores clássicos do Rei. Sentado no teclado, enquanto seu ocupante original segura o microfone, “Elvis” faz uma performance poderosa de Unchained Melody”, clássico que posteriormente ficou marcado na memória do cinema, com uma Demi Moore novinha moldando o barro em Ghost”, abraçada pelo fantasma de Patrick Swayze. Todos os casais se abraçam e há até quem derrame litros de lágrimas na plateia capazes de preencher uma garrafa térmica Alladin. Ao fim, todos aplaudem de pé, com as energias renovadas e o dever de casa da catarse feito. Mas não acaba ainda. É hora então de River Deep, Mountain High”, clássico de Tina Turner que não foi regravado por Elvis, mas deveria ter sido (pelo menos na opinião de Ben). Outro cover que aparece durante o show é Bridge Over Troubled Water”, de Simon & Garfunkel – mas esse o próprio Elvis também fez quando vivo.

No resto da apresentação, surgem clássicos como “Suspicious Minds”, Can’t Help Falling In Love” e It’s Now Or Never”, mais outra sessaozinha esperta de tecidos suados, ursinhos de pelúcia e até beijo na bochecha das fãs – uma senhorinha ganhou um aperto fofo todo especial. No final, o cantor-clone é ovacionado, mais uma prova de que o talento do Rei é atemporal. Podia até não ser Elvis de verdade, mas é como se fosse. E é genuíno rockabilly.