Estrela do monólogo “Meu Saba”, Clarissa Kahane dá vida à história real de Noa, neta de Yitzhak Rabin e sua relação com o medo, guerras e sentimentos


A peça que está em cartaz no Sérgio Porto, com direção de Daniel Herz, é a transposição para os palcos do livro “Em Nome da Dor e Da Esperança”

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(Foto: Olívia D’Agnoluzzo)

Aos 17 anos, atriz Clarissa Kahane ganhou de sua avó o livro “Em nome da dor e da esperança”, escrito por uma outra jovem, a israelense Noa Ben-Artzi Pelossof. No texto bem pessoal, a autora conta a sua história e a de seu avô, o ex-primeiro-ministro de Israel Yitzhak Rabin (1922-1995). Encantada com o enredo desde a sua primeira leitura, há mais de dez anos, Clarissa decidiu, em parceria com o produtor Miguel Colker, levar esse relato emocionante para o teatro. Batizada com o título original do livro, “Meu Saba” (meu avô), a primeira montagem livremente inspirada na obra tem direção de Daniel Herz e consultoria dramatúrgica de Evelyn Disitzer e segue em cartaz até o fim do mês no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Humaitá, no Rio.

O espetáculo se passa nos trinta segundos que Noa leva para se levantar e chegar ao palanque onde fará uma homenagem ao seu avô, já que foi a escolhida pela família para falar no dia do funeral de Yitzhak Rabin. Insegura, ela revive emoções em um jogo narrativo que mistura as lembranças da infância marcada pela tragédia e resgatada pelo amor de sua família, o medo constante, o impacto caótico da guerra, o ódio de fora e também de dentro do país. “Na insegurança de uma jovem em enfrentar o mundo com a palavra, ela precisa enfrentar os fragmentos de uma convivência intensa e amorosa com seu avô. Num momento de tantas incertezas, tantos radicalismos macabros, encenar ‘Meu Saba’ traz um alento a possibilidade da coexistência pacífica na diferença”, explica o diretor Daniel Herz.

Para entender melhor a história e descobrir por que a peça tem recebido elogios e sido tão bem recebida pelo público, nada melhor do que uma conversa íntima e pessoal com a idealizadora do projeto, a atriz Clarissa Kahane. No papo, ela falou sobre os 30 segundos que marcaram sua vida, lembranças da infância, as dificuldade de se fazer teatro no país, e o papel social da profissão, entre outras coisas.

 

HT: Quais foram os 30 segundos que mais marcaram sua vida? Como foi?

CK: No processo de seleção para a minha primeira peça profissional, o diretor Domingos de Oliveira selecionou os atores que comporiam o elenco principal. Os trinta segundos que antecederam o momento no qual ele falou o meu nome foram muito marcantes.

HT: O que vc pensou quando terminou de ler o livro “Em Nome da Dor e da Esperança” pela primeira vez? E como foi reler para fazer a peça?

CK: Li o livro com 17 anos e fiquei fascinada pela história de amor de uma neta, Noa, pelo avô, Yitzhak Rabin, que lutou muito pela paz. Me comovi com a dor e a perda da Noa e me identifiquei com a certeza dela de que a coexistência entre judeus e árabes é possível.

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(Foto: Olívia D’Agnoluzzo)

HT: Como é a sua relação com os seus avós? De que forma isso te aproximou dessa história?

CK: Minha relação com os meus avós é muita próxima. Foi a minha vó materna que me deu o livro “Em nome da Dor e da Esperança”, que deu origem ao espetáculo.

HT: O que a Clarissa dos 17 anos diria para a Clarissa de agora?

CK: Não sei, mas tem uma frase da Clarice Lispector que me digo todos os dias: “a vida só é possível se reinventada”. Fazer teatro para mim é uma tentativa de reinventar a vida.

HT: Como surgiu a sua parceria com o Daniel Herz e como o trabalho de assistente de direção influencia no seu trabalho como atriz?

CK: Fui aluna do Daniel Herz na Casa de Cultura Laura Alvim. Depois da minha primeira peça profissional, o Daniel me convidou para ser assistente de direção no infantil “O Barbeiro de Ervilha”. Em seguida, ele me convidou para fazer o mesmo trabalho na peça “Adultério”, da Companhia Atores de Laura e, desde então, estabelecemos esta parceria. O trabalho de assistente de direção do Daniel faz com que eu conheça melhor a forma de ele se relacionar com os atores, os signos que ele utiliza no processo de criação de espetáculo e isso contribui muito quando estou no papel de atriz. Além disso, trabalhar diretamente com um diretor que admiro, com atores experientes e talentosos só acrescenta ferramentas ao meu trabalho de atriz.

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(Foto: Olívia D’Agnoluzzo)

HT: Li uma entrevista sua em que você dizia que gostaria de ter um grupo de teatro e, agora, está em cartaz com um monólogo. Como tem sido essa experiência de estar sozinha no palco e, ao mesmo tempo, com vontade de estar em um grupo?

CK: Durante o processo nunca estive sozinha. Há uma equipe artística incrível que é fundamental para o desenvolvimento do trabalho. Nas apresentações no Festival de Teatro de Curitiba, percebi o quanto a plateia está presente e junto comigo, por isso considero o “Meu Saba” um trabalho de equipe.

HT: Você já escreveu, dirigiu, produziu e tudo o que envolve os processos de um espetáculo. Acha que este é o caminho para se sobrevier de arte em tempos de cólera e crise?

CK: Não sei, mas foi o caminho que eu encontrei para suprir as minhas necessidades como artista. Poder fazer parte do processo de criação de um texto, participar das decisões de produção e também atuar me faz ter mais autonomia sobre a minha carreira.

HT: Como você pensa o seu papel social como atriz? Acha que é uma profissão que tem uma função social ou não?

CK: Não acho que a profissão de ator tenha em si uma função social. Mas, sim, uma função artística. Entretanto, diversas vezes encenamos histórias com uma função social. Em “Meu Saba”, acredito que isso esteja presente ao tocar na questão fundamental da coexistência entre pessoas de culturas diferentes, como árabes e judeus.

HT: Quais os próximos projetos?

CK: Tenho um grupo de estudos e já estamos preparando um projeto para estrear em 2016 e continuo minha parceria como diretora assistente do Daniel Herz.