Elza Soares volta ao Rival, emociona Adriana Calcanhoto e afirma: “Tenho pavor dessa coisa de dizer que não é do meu tempo!”


A artista homenageia mais uma vez o compositor e amigo Lupicínio Rodrigues em seu centenário e é categórica: “É uma bobagem não demonstrar fraqueza!”

* Por Bruno Muratori

Amigo é coisa para se guardar! Voz do século e grande diva da MPB, Elza Soares voltou neste final de semana (22 e 23/8) ao Teatro Rival, no Rio, após uma temporada de sucesso em maio, prestando uma emocionada homenagem a Lupicínio Rodrigues, repleta de belas interpretações e deliciosas surpresas para arrebentar de vez os corações.  O compositor, morto em 1974, conhecido por retratar as dores de amor, se tornou amigo da cantora na década de 60. História, portanto, para celebrar no palco, já que lá se vão 100 anos do nascimento do compositor gaúcho.“Lupi está na minha pele. Tenho duas rosas tatuadas em homenagem a ele, a quem devo muito”, revela Elza para o HT em entrevista após o espetáculo.

Afinal, a cantora estourou para valer quando gravou “Se Acaso você chegasse”canção de Lupicínio que já fez parte do repertório do mais alto escalão das divas que chegam para ficar, e como Elza não poderia ser diferente. “Quem poderia imaginar que menina magricela do Engenho de Dentro, filha de lavadeira e operário conseguiria dar um salto tão grande a ponto de o próprio Louis Armstrong, num encontro a chamar de filha, por conta do seu timbre muito próximo ao dele, What?!”, recorda a estrela, brincando, mas trazendo a voz embargada por conta da emoção do momento e de o fato de Lupi ter participação tão presente nesse início de sucesso. What A Wonderful World….

Bom, ela nunca deixou de acreditar que o mundo podia ser mesmo maravilhoso, não desistiu e, enquanto brasileira e guerreira, quebrou paradigmas e deu a volta por cima muitas vezes. “Todos nós temos nossas máquinas do tempo. Algumas nos levam pra trás, são chamadas de memórias. Outras nos levam para frente, são chamadas sonhos”, filosofa Elza. E, assim como um sonho, ela prossegue o espetáculo, em ambiente altamente cenográfico, com pétalas de rosas em todo palco, ela de branco e  cintilante em sua cadeira e, ao lado, um mesinha com a foto do amigo Lupi, como se fosse uma imensa sala de estar. Ou, quem sabe, até um boudoir, em resultado cênico que deixa a diretora Bia Lessa embevecida na plateia.

Mas tudo é ao mesmo tempo muito à vontade, natural até, apesar do apelo mitológico que Elza causa no público. Mesmo assim, é uma casa e a casa é sua! Brincando, conta que no dia anterior ao show pensou no amigo que já foi e até trocou com ele umas palavras no ar, sobre o vestido que ela pretendia usar, que acabou caindo no chão: “Que isso, Lupi, isso é coisa que se faça?!” A plateia se diverte. No repertório estão canções que marcaram época, como “Cadeira Vaziae “Nervos de Aço”, entre outras. E a banda é esplendorosa! Os meninos mandam bem e embarcam no jazz, blues, bossa nova, samba-rock e naquilo que der na telha da intérprete, com muita propriedade. Nos intervalos ainda mostram todo talento, permitindo assim que a peteca não caia, cool!

Casa cheia de amigos, fãs e de uma presença mais que especial, Lupicínio Rodrigues Filho, o Lupinho, que estava na plateia e sobe ao palco a pedido da diva, cantando com ela “Esse moços” . Tipo jam session, sem combinar, mas deixando o coração falar. Filho de peixe, peixinho é, e Elza se espanta com timbre muito próximo do amigo. Arrasou!

Fim de show  e ovação sem parar, óbvio! É a deixa para HT falar com  Lupinho.  “Como foi essa emoção toda e ver essa bela homenagem ao seu pai e vivenciar esse momento?” Ele é contundente: “Primeiro, é difícil chegar a essa diva, difícil comentar, tem que ter nervos de aço para chegar aqui e vê-la apresentando o pai no show. Já faz 40 anos que ele não está conosco, e Elza me chama ao palco para cantar, sem ensaiar absolutamente nada. Não tem como dizer que caiu uma lágrima, cairam as lágrimas inteiras, uma cachoeira!”.  Ele completa contando que estava em Porto Alegre e que lhe falaram: “Lupinho, tem de ir ao Rio de Janeiro”. Ele foi, viu e venceu o medo de encarar a cantora olho no olho: “Tive mesmo uma grande surpresa, porque o meu aniversário foi ontem. Ganhei o maior presente da minha vida”.

Emocionado ainda recorda um dos momentos que presenciou, ainda pequeno, Elza numa visita ao Lupi, em Porto Alegre “Eu me lembrei de uma ocasião lá em casa. Sabes que Porto Alegre é um gelo e ela não está acostumada com o frio. Ela sentou na beirada do fogão à lenha e não arredou o pé de lá o tempo todo, comeu o churrasco direto agarradinha ao fogão”.

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Adriana Calcanhoto está presente e é mimadíssima por Elza Soares, que não poupa elogios. Perguntada sobre os tais mimos, a cantora se desmonta em suspiros: “Ah, ela é demais, cara, demais! Cada coisa que vejo dela fico mais surpresa. É  uma artista de um tamanho inacreditável e, quando se juntam estas duas potências (ela e a música do compositor), só podemos esperar um show lindo! Ficamos, assim, apaixonados ao ouvi-la. Ela sempre consegue emocionar e é uma artista gigante. Tudo apresentado do jeito dela entra com uma força descomunal, porque todas estas canções tem a ver com a vida dela”.

Nina Becker, da Orquestra Imperial, também é só elogios: “Ver a Elza sempre é muito especial. Se eu canto hoje em dia é por causa dela. Quando eu comecei a cantar na Orquestra, eu não tinha a menor ideia do que era ser cantora. Fui por conta dela,  depois de um disco que Elza fez do Wilson das Neves que eu amava. Aí, eu me convidei para cantar na Orquestra Imperial e disse que tinha um disco da Elza Soares, que a gente tinha que tocar essas músicas. Eu trabalhava com cinema na época. A Orquestra bombou e tudo mudou na minha vida. Só virei cantora só por causa da Elza Soares”.

Para fechar a receita de sucesso da noite, só falta a cereja no topo do bolo e HT não pode deixar de finalizar com mais algumas palavras da rainha da noite. Questionada sobre como é abrir para o público a história entre ela e Lupi e ver tudo vertido em um show memorável, ela vai na lata: “Você viu no palco, né? Canto e choro Lupi, por isso é difícil dizer o que sinto. Tenho um pedaço dele dentro de mim e acho que canto a nossa história pessoal através das suas músicas. É por isso mesmo que me debulho tanto em lágrimas”. Ela dá uma pausa e continua: “Antigamente, havia muito essa facilidade de cantar a dor de cotovelo, não era vergonha dizer que amava e expressar até fraqueza. Hoje, tem essa bobagem de ter que mostrar o tempo todo que somos fortes. Com isso a música e a poesia empobreceram”.

E, quando o assunto é atingir todas as idades, ela é categórica: “Você estava na plateia, viu que a minha banda só tem jovens, meninos lindos, maravilhosos, e capacitados, tocando músicas antigas com a maior responsabilidade. Daí  você vê que a cultura musical existe, e esse negócio de ‘não é do meu tempo’ é uma bobagem. Eu tenho pavor disso!”