“É muito difícil ser mulher, negra, gorda, favelada e ainda artista”, desabafa Mc Carol


A cantora, que relançou a música “Meu namorado é o maior otário” em ritmo brega funk, em parceria com DJ Davi no Beat pelas plataformas digitais em single e tem vídeo com making of da gravação, é referência no funk e no ativismo da mulher negra por compor letras com temática social, feminista e com duplo sentido, apostando na sexualidade e no humor

MC Carol lança “Meu namorado é o maior otário” em ritmo brega funk, sucesso do gênero

*Por Elisa Torres

O alvo da vez da cantora MC Carol é um antigo sucesso da funkeira, a música “Meu namorado é o maior otário”. Ela foi relançada em ritmo brega funk, em parceria com DJ Davi no Beat, fenômeno do gênero no Recife. O convite para investir no novo formato partiu da Soull Music BR, que fez uma aposta certeira na dupla. A canção, gravada pelas plataformas digitais e em single, promete repetir o sucesso da original. E o clipe, um making of da gravação em estúdio, já está disponível no canal da artista no YouTube.

Com 27 anos, Carolina de Oliveira Lourenço, a MC Carol de Niterói, como prefere ser chamada, se tornou referência no funk e no ativismo da mulher negra por compor letras com temática social, feminismo e duplo sentido, apostando na sexualidade e no humor. Nascida no Morro do Preventório, na região de Charitas, em Niterói, a artista tem em seu histórico episódios de preconceito em vários níveis, como a maioria das meninas pobres de periferia. As primeiras histórias que ela guarda na lembrança foram relacionadas a racismo.

“Eu vivencio o preconceito desde muito cedo. Assim que passei a conviver com as crianças brancas, percebia atitudes e olhares diferentes. Ter a consciência de que isso acontece por causa da cor da sua pele e dói muito. Depois, na adolescência, começaram os episódios de gordofobia e machismo, que perduram até hoje. É muito difícil ser mulher, negra, gorda, favelada e artista na nossa sociedade, mas eu sou abusada e encaro”, afirma Carol.

Ela diz que que não gosta de dar conselhos e nem se enxerga como referência para ninguém: “Se conselho fosse bom, ninguém dava. Vendia. Na época em que compus “Minha vó tá maluca”, se eu tivesse escutado tudo o que me diziam, não teria ido em frente. Hoje a música é um sucesso. O que me fez seguir foi ter um objetivo, uma meta. Acho que tem que ser assim. Não dou conselho, mas se eu puder falar o que deu certo para mim, especificamente para o público feminino, eu diria isso: para não dar ouvidos aos outros e seguir acreditando no seu sonho. Tenha cuidado com a pessoa que você coloca do seu lado, porque se já é difícil vivenciar o machismo fora de casa, imagina dentro dela”. A cantora sofreu duras críticas com a música “Prazer, amante do seu marido”, de 2016, outro hit que entraria para a sua lista.

Para MC Carol, o preconceito é algo que se aprende desde cedo: “Claro que existem pessoas boas e pessoas ruins. Mas nenhuma criança nasce racista, homofóbica, gordofóbica. Isso quem ensina são os adultos. E nós repetimos as falas sem sentir. Eu mesma já fiz muito. Sou gorda e já falei frases gordofóbicas, sou negra e já repeti frases racistas e sou mulher e já tive muito pensamento machista. Todo mundo erra. Tem que mudar o olhar. Eu sigo dando uma segunda chance a quem pisa na bola porque no fundo acredito que as pessoas podem aprender com empatia”.

A cantora, que segue como artista independente desde 2016 (a sua gravadora é a Heavy Baile), escreveu em “Meu namorado…” a história de um relacionamento onde o homem é quem assume as tarefas domésticas. Ao falar sobre o hit, ela esclarece que  o tom sarcástico era na verdade uma crítica ao estereótipo do machista que não faz nada em casa. O otário, em questão, não é ninguém específico, mas no fundo ela queria, sim, arrumar um companheiro que se responsabilizasse pelas tarefas domésticas.

“A história desse cara era uma invenção, uma brincadeira com uma pessoa com quem eu estava me relacionando na época, mas que nunca agiu dessa maneira. Esse ‘otário’ não existia, na verdade, mas simbolizava características de alguém. Eu queria uma pessoa que dividisse tarefas, que lavasse, passasse e cozinhasse”, diz Carol, acrescentando que a inspiração para as suas músicas vem, em grande parte, da observação do comportamento na comunidade onde morou e onde até hoje vive boa parte da sua família.

A funkeira não gosta de entrar em detalhes quando o assunto é relacionamento e vida pessoal: “Melhor deixar quieto. Só digo uma coisa: essa pandemia não está fácil para ninguém (risos)”, frisa. Carol confessa que se envolveu com política pensando em brigar por conquistas na sua comunidade, mas acabou desistindo ao perceber que seria difícil alcançar seus objetivos sem “fazer o jogo sujo”.

“Em 2017 eu comecei a pensar na ideia, flertei com o PSOL, fiz até pré-candidatura a deputada estadual, depois pensei em ser vereadora pelo PCdoB, em 2018, na época do assassinato da Marielle. A pauta era a mesma de sempre: movimentos feministas, negritude, periferia carioca, mas acabei não sendo eleita e pulei fora. Prefiro continuar militando com a minha música”, revela. 

Além de “Meu namorado..” e “Minha vó tá maluca”, MC Carol coleciona sucessos como “Bateu uma onda forte”,  “Liga pra Samu” e “100% feminista”, parceria com Karol Conka. “Eu gosto muito de todas as vertentes do funk que estão surgindo. Infelizmente funk brega ainda não é tão conhecido aqui no Rio. Então, eu espero que o meu público conheça e goste do estilo”, diz a funkeira, que confessa ouvir “de tudo um pouco”: de pagode a rock, passando pelo jazz e pela música francesa, Evanescence, Nina Simone e Amy Winehouse.

Funkeira ativista ganhou fama com suas letras feministas

Durante a pandemia, MC Carol diz ter mil ideias e compor “tudo o que vem surgindo”. “É uma loucura. Não sei se vai sair algum trabalho específico sobre esse momento, mas, mesmo antes da pandemia, eu já estava preparando um repertório novo. Estou é morrendo de saudade do palco”, confessa.

Em respeito ao isolamento social, o clipe com Davi no Beat foi gravado à distância e parte de um projeto da Soull Music Br., que já aposta na canção como hit da próxima estação. “A MC Carol é uma grande personalidade do gênero, um verdadeiro ícone. E o brega é uma vertente do funk, o que de certa forma vem a coroar uma carreira que tanto contribui para o segmento no país. Estou muito contente com esses lançamentos, sob a produção de Davi no Beat, jovem promissor do Recife, produtor musical com destaque local e uma aposta do selo para a segunda metade do ano”, comemora PC Junior, sócio proprietário da gravadora.

E apesar de se tratar de uma releitura, MC Carol  está empolgada:”Estou gostando bastante dessa onda do brega funk e quando me apresentaram o trabalho do Davi e a proposta da gravadora, eu topei na hora. Como foi uma gravação à distância, espero levar essa parceria para o palco depois que isso tudo passar”.

O DJ Davi no Beat compartilha a expectativa com relação ao lançamento: “As músicas da Carol tocam muito por aqui, e eu fiquei feliz com essa oportunidade de fazer uma versão para o brega funk, o ritmo do século! Ficou dançante e envolvente. Espero que todo mundo goste!”, finaliza o DJ.

Assista ao vídeo de MC Carol e Davi do Beat: