De volta da turnê europeia para se apresentar no Circo Voador, Céu fala sobre novos caminhos e analisa o momento político: “Atiramos no próprio pé”


Na bagagem, a cantora traz apresentações lotadas em Paris, Praga, Londres, Barcelona e Montpellier e confessa: “É sempre uma alegria estar no Circo, nada como tocar no Brasil! Acho que é minha casa favorita de shows”

(Foto: Luiz Garrido)

(Foto: Luiz Garrido)

No céu da nova geração da MPB, Céu é a estrela que mais brilha mundo afora. Perdoe o trocadilho, mas é a realidade sobre esta paulistana, que respira arte desde que nasceu, já que é filha do músico e maestro Edgar Poças (famoso também por ser o responsável pelos arranjos do grupo Balão Mágico) e da artista plástica Carolina Whitaker. Sente os números que transitam em torno da carreira de 11 anos da moça: são cinco discos, uma indicação ao Grammy, três ao Grammy Latino, 200 mil discos vendidos de seu álbum de estreia nos EUA, turnês internacionais anuais, além de ser a dona da mais alta posição nas paradas dos EUA já alcançada por uma artista brasileira, desde Astrud Gilberto, em 1963.

Mesmo com a fama feita, Céu surpreendeu todo mundo ao desfazer a cama em que poderia se deitar ao reaparecer, neste ano, com um disco novo: o “Tropix”, que revoluciona sua linguagem musical, sem perder a aura cool. Ela tira a sonoridade consolidada do centro palco (com elementos brasileiros, jamaicanos e melodias solares)  e apresenta um disco sintético, noturno e reluzente. Em determinado momento de seu primeiro single do disco novo, “Perfume do Invisível”, por exemplo, ela dá a pista ao cantar “para me despir e ser quem eu sou”.

“Essa canção é sobre se sentir confortável com o mundo que se habita. Penso que o artista tem um eterno desconforto que o permeia em geral e só a própria arte é capaz de ajustar isso de uma certa forma”, explicou, antes de emendar uma explicação mais técnica sobre esse novo caminho. “Estava em busca de um som mais sintético, mas ainda assim dos trópicos. Então uso beats, sinths, sem deixar de lado certos elementos orgânicos, como por exemplo a ‘samba’ (instrumento de percussão criado por Hélcio Milito, um dos integrantes nas primeiras formações do Tamba Trio). Estes estão lá sim, embora ligeiramente mais tímidos. Queria me aproximar mais das máquinas, mas a brasileira sempre está ali”, contou, antes de desembarcar no Rio, onde traz na bagagem o novo show para o Circo Voador, neste sábado (14/05), depois de apresentações lotadas em Paris, Praga, Londres, Barcelona e Montpellier.

“É sempre uma alegria estar no Circo, nada como tocar no Brasil! Acho que é minha casa favorita de shows. O novo espetáculo, aliás, está bastante baseado no Tropix e, por conta disso, trouxe de volta o sintetizador para o palco. Estou muito animada!”, disse. Quer ler a entrevista completa, em que ela fala de empoderamento, Michel Temer, do fim do Ministério da Cultura e mais um monte de temas, sem lenço e sem documento? Então vem.

(Foto: Luiz Garrido)

(Foto: Luiz Garrido)

HT: Por que o álbum se chama “Tropix”? O que significa?
Céu: Vem de tropical com pixel. O pixel é uma partícula de uma leitura digital e achava isso interessante, pensando que o mundo está cada vez mais rendido às máquinas. Me perguntei o que era ser mais sintético, duro e frio aqui, nos trópicos, e como funciona a nossa máquina. E entendi que não é exatamente aquela máquina alemã, aqui, ela enferruja.

HT: Você regravou a música “Chico Buarque Songs”, da banda de pós-punk paulistana Fellini, clássica dos anos 1980. Por que decidiu regravar essa canção?
Céu: Eu estava em uma retomada desses sons. Cure, Sonic Youth, Blondie, Clash… Sempre gostei, mas nunca aconteceu de trazer essas influências de forma mais direta para o meu trabalho. Quando escutei Fellini foi um encanto imediato e o desejo de trazer um pouquinho desse universo, soturno, paulistano e, ainda assim, tropical, para o álbum.

HT: Essa mudança de rumo na sua trajetória artística caminha junto do empoderamento feminino. Como a mulher Céu encara este momento do feminismo e se posiciona sobre esse movimento?
Céu: As mulheres colocaram suas garras pra fora e foram pra frente. Agora a pergunta é: como dar conta de tanto assunto pra resolver ao mesmo tempo?

HT: Você é uma das cantoras de maior sucesso e mais representativas do Brasil, mas pouco se sabe sobre você fora dos palcos. Como vê o mundo na era das redes sociais, onde todo mundo se expõe o tempo inteiro? 
Céu: Eu sou uma pessoa normal, com uma rotina de dona de casa, mãe, mulher, como qualquer outra. Curto bastante minha casa e me equilibro nessa equação, que é juntar essas funções com a de cantora e compositora. Sobre a exposição na internet, acho que hoje estou mais comunicativa com quem acompanha a página. Me pergunto, sempre, sobre a real necessidade de comunicar algo ou de ganhar likes. Sei que uma selfie, no seu ângulo bom, ganha mais e aumenta seguidores, mas existe um vazio sobre isso que me incomoda também. Claro já fiz os meus, mas esse “nada” acho realmente questionável. Mas acho que isso tem a ver com meu jeito de ser, mesmo…

HT: Já que estamos falando de tendências contemporâneas… Temos os reality show musicais, que estão muito na moda. Acha que esse movimento é capaz de acrescentar algo positivo ao cenário musical brasileiro? 
Céu: Toda forma de comunicação e expressão é muito válida. Sou uma entusiasta e eterna curiosa de novas formas de se chegar em algo. Mas claro, sempre observando como as coisas se desenrolam, se o desejo da pessoa de estar ali é de fato um compromentimento com a música ou só com o entorno dela, sabe?

HT: Michel Temer acabou com o Ministério da Cultura, fundindo com o da Educação. Como analisa o atual momento da política e da cultura no Brasil?
Céu: Acho que andamos 50 casinhas pra trás no jogo e honestamente estou muito preocupada com o Brasil. Se as coisas já eram complicadas pra gente antes, imagina agora, sem um Ministério da Cultura? Atiramos no nosso próprio pé.

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