Construindo uma ponte musical entre Minas e o Rio, Raquel Coutinho lança “Mineral” e constata: “nunca foi fácil fazer um trabalho autoral”


O novo disco foi feito com um processo colaborativo curioso e é arrojado quando o assunto é tecnologia. Na apresentação que fará neste sábado (30) no Oi Futuro Ipanema, Raquel será vestida por Dudu Bertholini

A vida da musicista Raquel Coutinho pode ser divida entre pré-2009 e pós-2009. Foi nesse ano que, depois que lançou seu primeiro disco, “Olho D’Água”, ela deixou sua Minas Gerais e mudou de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Com hábitos nômades, a ida para a urbe-maravilha se deu por desejos novos: o de movimento, de buscar novos encontros e se descobrir em uma outra cidade. Deu mais que certo. Com novas influências e amigos, ela gravou “Mineral”, trabalho que ela apresenta neste sábado (30) no Oi Futuro Ipanema com a participação especial de Márcia Castro.

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Em entrevista para HT antes do show, Raquel Coutinho explicou o conceito-título do disco: “mineral são as camadas, o caminho, o processo, a lapidação de um elemento”. O trabalho foi feito a muitas mãos, resultado daqueles novos encontros que ela buscava acontecer no Rio de Janeiro. Os produtores do CD, Marcos Suzano e Maurício Negão, bons exemplos. Arrojado na tecnologia, “Mineral” mistura a tranquilidade – e os batuques – de Minas Gerais, com o furor do Rio de Janeiro.

Se considerando uma provocadora musical, Raquel falou conosco da inspiração às margens da Guanabara, de sua relação com o congado, e a ousadia de insistir num complicado mercado fonográfico brasileiro. E, claro, não fugiu das comparações Minas-Rio que HT sugeriu. Será que ela prefere pão de queijo ou feijoada? Pampulha ou a Lagoa Rodrigo de Freitas? Vem!

HT: Por que sair de Minas para o Rio de Janeiro?

RC:  Na verdade, não se saí de Minas. Se leva Minas pra passear. Eu sou do tipo mineirinha mesmo, no jeito, no sotaque, na cozinha.  Sempre fui meio nômade, mas tenho uma relação muito forte com minha cidade natal, Belo Horizonte. E BH é uma cidade onde parece se ter mais tempo para as relações humanas, as pessoas te perguntam sobre a sua vida e contam sobre a vida delas muito rapidamente. É uma forma de se criar uma intimidade em pouco tempo. Daí vem esse aconchego mineiro.

HT: O que sentiu de mais diferente? 

RC: Senti muita diferença, especialmente porque morava numa fazenda, com muito espaço e pouca gente, e me mudei pra uma cidade grande demais, com muita gente de todo canto do planeta e ainda tive que me adaptar à vida em apartamento.

HT: Há quem diga que o mar é uma grande inspiração. Tratando-se do Rio de Janeiro então, mais ainda. Estar às margens da Guanabara te fez fluir mais ideias?

RC: Tenho uma relação forte com a natureza, sempre tive. Em Minas foi com as cachoeiras, mas o mar é realmente outra história, é uma imensidão que te leva pra dentro, e quanto mais longe vai o seu olhar, mas fundo você entra em você mesmo. Isso é poderoso, pois cria um espaço de silêncio, o que é essencial para compor. Fiz muitas músicas olhando pro mar. “Tão Perto” é uma delas.

Raquel Coutinho _ Foto João Bertholini

HT: Como conheceu o Marcos Suzano e o Maurício Negão?

RC: Suzano conheci em 2004 no Festival de Arte Serrinha em Bragança Paulista. Eu já tocava pandeiro e tambor e era super fã dele. Quando o conheci já rolou a maior empatia, mas nessa época em nem imaginava que iríamos trabalhar juntos. Já o Maurício Negão, quando lancei o meu primeiro disco chamei ele pra tocar comigo, era fã do trabalho autoral dele e na ocasião ele estava querendo se dedicar somente à guitarra. Pra mim foi o céu. Ele fez a turnê do “Olho D’Água” e aí começamos a compor juntos. Essa parceria deu origem ao “Mineral”, em que Negão é parceiro da maior parte das letras e ainda produziu tudo , junto comigo e Suzano. Quando achamos que já daria pra gravar um disco com as músicas que tínhamos resolvemos chamar o Suzano pra fazer os grooves. Ele topou na hora e mergulhou de cabeça no projeto, para minha felicidade. Então chamei o Sacha Amback, que também tinha tocado com a gente na turnê do primeiro disco. Fizemos o Montreux Jazz Festival em 2010, e isso ficou marcado como um dos melhores shows da minha vida. Fiquei sempre com aquela vontade de tê-lo por perto.

HT: Fale um pouco sobre esse aspecto colaborativo do seu novo trabalho…

RC: O aspecto colaborativo veio realmente porque essas pessoas que estão no projeto são grandes artistas acima de tudo. Então a construção da música só foi enriquecendo pois a contribuição de cada um é muito rica e consistente. Eu gosto disso e acho que tive a sorte deles se sentirem à vontade para contribuir criativamente e imprimir no som uma identidade única que pertence a esse encontro. Acabamos criando uma intimidade pra bater bola e aí o trabalho ficou muito gostoso. O mais bacana foi que, depois do disco pronto, eles mesmos ficaram super envolvidos com o som e pra minha felicidade, estamos super curtindo tocar juntos esse som .

HT: E os tambores e o congado?

RC: Eu sou tamborzeira antes de qualquer coisa. O tambor entrou na minha vida como uma conexão com a minha musicalidade, e isso pra mim é a minha essência. E se deu de uma forma inusitada, pois eu já gostava de cantar, mas quando conheci o congado , através do artista mineiro congadeiro Maurício Tizumba, cantar fez mais sentido . O tambor é a minha conexão com a música, é como se despertasse alguma ancestralidade em mim. Acho que é isso.

HT: Como esse instrumento e essa manifestação cultural interfiram no seu disco?

RC: A interferência no disco é natural, porque eu sou isso mesmo, sou muito apaixonada por essa sonoridade, então acabo usando esses timbres na minha música, mas tenho profundo respeito e não gosto de tentar reproduzir a cultura deles na minha música, eu só me influencio por isso , mas recrio de uma forma autoral.

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HT: Além deles, há também uma vertente tecnológica forte, né?

RC: Sim, porque também sou da cidade, do urbano, pertenço a esse tempo agora, e a tecnologia também me seduz, apresenta muitas possibilidades interessantes. Mas na verdade a única coisa que realmente importa é o que a música pede. Não tenho necessidade de usar por usar.

HT: Como foi o trabalho até chegar nas oito faixas? Do que elas falam?

RC: Foi um processo. Vim para o Rio compondo essas músicas. A maior parte em parceria com Maurício Negão e outras com outros parceiros também. E escolhi duas músicas de outros compositores, “Gris”, de Iara Rennó, e “Underground Demais pra Cidade”, de Allison Vaz, que é uma música super urbana que ensina o caminho pra se chegar num bairro da periferia de BH, um lugar onde frequentei muito, onde aprendi muito sobre o batuque, onde encontrei o meu tambor de folia.

HT: Seu figurino para a apresentação é do nada discreto Dudu Bertholini. O que podemos esperar?

RC: Luxo e sensibilidade , leveza, som e brilho, suavidade e despojamento. Dudu pensou em um personagem : A Orixá do Minério (ri).

Capa MINERAL

HT: O mercado fonográfico está para peixe? Lançar um trabalho está fácil?

RC: Acho que nunca foi fácil fazer um trabalho autoral e muito menos nos dias de hoje. Você apresentar um trabalho novo, autoral e ousado causa curiosidade , mas também causa estranhamento. Mas acho que esse é o papel do artista, provocar. Então prefiro me ligar nisso do que no mercado. Eu acho que sou uma provocadora musical.

HT: Mineirão ou Maracanã?

RC: Independência pra ver o Galo.

HT: São Francisco de Assis ou São Jorge? 

RC: Oxossi.

HT: Pão de queijo ou feijoada?

RC: Pão de queijo com linguiça.

HT: Pampulha ou Lagoa Rodrigo de Feitas?

RC: Pampulha.

HT: “Uai” ou “coé”? 

RC: Uai, né, sô!

Serviço

RAQUEL COUTINHO lança o CD Mineral

Participação especial: Márcia Castro

Local: Oi Futuro Ipanema

Endereço: Rua Visconde de Pirajá, 54/2º andar – Ipanema

Dias: 29 e 30 de maio, sexta e sábado, às 21h

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada)

Créditos: João Bertholini e Divulgação