Polêmica: “É difícil ver uma pessoa com quem se conviveu, como Cazuza, retratada de uma maneira incorreta, sem autenticidade”


O crítico de música Jamari França acredita que a memória de Cazuza sofreu duas agressões no fim de semana

* Por Jamari França

A memória de Cazuza sofreu duas agressões no fim de semana passado com o show em São Paulo com um suposto holograma e a apresentação da insuportável Maria Gadú, no Rio, com o repertório dele. Gosto e respeito os músicos que trabalharam no show paulistano. Devem ter suas razões pessoais e profissionais. Mas, ali estava apenas a figura do ator Orlando Ávila dublando Cazuza. No making of, que pode ser visto no site, aparece ele gravando com as roupas do mesmo modelo que Cazuza usava. Seu rosto é coberto com uma máscara, supostamente, creio, para que se pusesse o rosto de Cazuza no lugar. No entanto, mais adiante, ele aparece dublando as músicas e fala sobre a sincronização dos lábios.

Olhei a figura do ator no making of e a do suposto Cazuza no show e me pareceram ser a mesma pessoa. Trata-se de alguém fingindo ser Cazuza dublando a voz dele. Além disso, a imagem é de má qualidade, fosca e sem nitidez. Essa é apenas mais uma das muitas “homenagens” que Cazuza vem recebendo. No Rock in Rio houve uma quase unanimidade da crítica que o show dedicado a ele com vários artistas foi ruim, salvaram-se Ney Matogrosso e os remanescentes da formação original do Barão Vermelho, que deviam ter comandado o tributo com os arranjos originais. A “cantora” Maria Gadú, de voz sofrível e timbre desagradável, participou da homenagem no festival e cantou um show inteiro neste domingo no Rio. O vexame no Rock in Rio devia ter sido suficiente para ela deixar Cazuza em paz.

Além disso, tem um musical (mais um) que explora a imagem e o repertório de Cazuza. Há anos, teve outro no Canecão. Um dia fui na Sociedade Viva Cazuza ver a sala com lembranças dele e a mãe, Lucinha Araújo, estava com alguns atores e toda empolgada. Só no papo deles saquei o oportunismo. E teve ainda o filme, que assisti por obrigação profissional, com um ator excelente, Daniel Oliveira, que deu o sangue pelo personagem, mas não me convenceu.

É difícil ver uma pessoa com quem se conviveu retratada de uma maneira incorreta, sem autenticidade. Lembro que o mesmo aconteceu com Renato Russo há um tempo em Brasília, com um holograma mais convincente. Músicos e atores sempre fazem mais sucesso mortos do que vivos. Viram mitos e passam a ser recriados e explorados ao infinito. Michael Jackson, Elvis Presley e Jimi Hendrix ganharam muito mais depois que subiram para o andar de cima, para alegria de seus herdeiros. No caso de Cazuza, a única coisa boa é que os tributos geram recursos para a Sociedade Viva Cazuza, entidade que cuida de crianças com Aids, criada por Lucinha Araújo. Ela sublimou a dor da perda com uma obra que engrandece a ela e à memória do filho.

 

 

http://pmc.com.br/cazuza/

 

* Jamari França é jornalista, escreve sobre pop rock desde 1982. Cobriu exclusivamente o Rock Brasil para o Jornal do Brasil nos anos 80, quando se dividia entre o Caderno B e a Editoria Internacional. Trabalhou no Globo Online de 2001 a 2009. É  autor da biografia dos Paralamas, Vamo Batê Lata, e tradutor de livros sobre música e política.