Carnaval do Rio: na análise dos sambas-enredo 2016, Imperatriz e Estácio se destacam, enquanto a União da Ilha decepciona


Para o compositor de sambas e comentarista de carnaval Gustavo Fernando, o samba-enredo da Estácio de Sá é “uma obra valente e de letra primorosa” com destaque para “dois excelentes refrões”

Faltando um mês para HT desembarcar na Marquês de Sapucaí para acompanhar o badalo dos camarotes e ficar de olho vivo em tudo que acontece na passarela, convidamos o compositor e comentarista de carnaval Gustavo Fernando* para ouvir, um a um, todos os sambas-enredo das escolas de samba do grupo especial que desfilarão em 2016. Ele, que já assistiu 13 sambas de sua autoria darem o ritmo de desfiles oficiais de agremiações, disse que, “apesar de toda subjetividade que envolve a análise das obras”, sempre as avalia de “acordo com o julgamento oficial: letra e melodia, levando em conta a riqueza poética, a beleza e o bom gosto, além da capacidade da harmonia musical facilitar o canto e a dança dos componentes”. Na safra deste ano, se encantou pelas obras da Imperatriz Leopoldinense e Estácio de Sá, únicas a conseguirem um dez em nossa avaliação anual. Só descer.

Beija-Flor – A agremiação homenageia em 2016 o Marquês de Sapucaí, importante político e poeta mineiro, e que batiza a avenida que é palco dos desfiles. O samba possui o clássico andamento da agremiação, e verdadeiramente, é um bom samba. Apesar de se exceder com descrições didáticas em sua primeira parte. Após o refrão do meio, o samba melhora em letra e melodia, apresentando uma segunda parte belíssima, com destaque para os seis últimos versos: “Teu chão floresce a nobreza pro samba passar…” – Nota 9.7

Salgueiro – O enredo da agremiação foi livremente inspirado na obra “A Ópera do Malandro” de Chico Buarque, e na realidade, exalta a figura do malandro carioca. O início do samba no CD é de arrepiar. Assim como seu ótimo primeiro refrão. O Salgueiro possui um grande samba, um dos melhores do ano, e muito devido a sua elaborada letra – Nota 9.9

Grande Rio – A agremiação de Caxias homenageia em 2016 a cidade de Santos e o resultado é um samba muito irregular. Entre os homenageados: Pelé e Neymar. É inegável toda a ousadia da bateria e a excelente atuação do interprete Emerson Dias, que contribuem para tornar o samba ainda mais empolgante. Assim como seu valente primeiro refrão. Nota 9.4

Unidos da Tijuca – Após uma introdução interminável, a Unidos da Tijuca apresenta um dos melhores sambas da safra. E entre os compositores, nomes consagrados do samba: Dudu Nobre, Zé Paulo Sierra e Gustavo Clarão. O enredo é sobre a agricultura e a cidade de Sorriso, capital nacional da soja. O resultado é um sofisticado samba. Poético, melódico e ainda assim, empolgante – Nota 10.0

Portela – Com enredo do consagrado carnavalesco Paulo Barros, que estreia na agremiação, a Portela conta a viagem de sua águia através da história da humanidade. Apesar da inquestionável qualidade da obra, me causa um desconforto a harmonia entre letra e melodia, pois as analisando de forma conjunta, há um desencontro entre a essência do enredo e a forma que o samba é apresentado. Na realidade, a obra remete aos sambas dos anos 70 e 80. O samba é leve, com ótimos trechos: “Quisera ir ao infinito, sentir lugares tão bonitos…”, e que acima de tudo, exalta a história da própria agremiação – Nota 9.7

Imperatriz – A Imperatriz apresentará em 2016 o enredo: “É o amor que mexe com minha cabeça e me deixa assim. Do Sonho de um caipira nascem os filhos do Brasil”. Uma homenagem ao homem do campo e a dupla Zezé di Camargo e Luciano. E quem diria, os sertanejos foram inspiração para o melhor samba do ano. Uma obra antológica e emocionante. Além disso, a participação da cantora Lucy Alves na gravação oficial só agrega qualidades ao samba. Destaque para o trecho “Se toda – história tem início, meio e fim/ a nossa começou assim/ É o amor…” – Nota 10.0

Mocidade – Em 2016 o enredo da Mocidade será “O Brasil de La Mancha”. Um caminhar de Don Quixote em terras brasileiras, e meio a tantos fatos assustadores, descobre que a mocidade (juventude), é a grande esperança. Eu admiro principalmente o fato do samba remeter as consagradas obras da agremiação nos anos 90, época em que a agremiação foi tricampeã do carnaval carioca. É um samba leve, valente e que transmite qualidade, mesmo com o “confuso” enredo – Nota 9.8

São Clemente – A agremiação retorna este ano aos enredos irreverentes, uma marca de sua história. O enredo exalta a figura do palhaço e abordará a situação do povo brasileiro diante os problemas do país. Apesar de ser um samba irregular, o entendo como adequado ao enredo. Leve e animado. Admiro principalmente os refrões, com destaque para a melodia dos primeiros versos do refrão do meio: ô, Alô! Alô criançada vai ter palhaçada/ Quero ver você Feliz” – Nota 9.3

União da Ilha – “Olímpico por natureza, todo mundo se encontra no Rio”. Esse é o enredo da União da Ilha, que abordará os jogos olímpicos e também a Cidade Maravilhosa. Infelizmente o samba da agremiação é decepcionante. O enredo é mal trabalhado e a segunda parte do samba é absurdamente fraca – Nota 9.0

Mangueira – A Mangueira apresenta em 2016 um dos melhores enredos do ano: “Maria Bethânia: A menina dos Olhos de Oyá”. O samba começa com uma emocionante participação de Bethânia cantando um trecho do samba. Depois um merecido tributo a Luizito, então interprete oficial da agremiação, morto recentemente. O refrão principal é excelente. Emocionante e empolgante, mas o restante da obra é apenas funcional. Me incomoda a má fluidez do segundo trecho do samba, represado entre palavras soltas e uma melodia convencional. O samba da Mangueira está longe de ser uma obra brilhante, e apesar de sua interessante primeira parte, seus destaques melódicos são raros – Nota 9.5

Vila Isabel – O enredo da Vila para esse carnaval é o centenário de Miguel Arraes, o pernambucano conhecido como “Pai Arraia”. Entre os compositores grandes nomes: Martinho da Vila, André Diniz, Mart´nália e Arlindo Cruz. E ainda assim, a obra da azul e branco decepciona. Mas é inegável a melhora do samba em relação à versão dos compositores. O seu andamento acelerado, aliado a ótima atuação de Igor Sorriso, só elevam a qualidade da obra. O refrão principal é o que chamo de “refrão de preparação”, se revelando de pouco impacto. E apesar da obra possuir uma letra elaborada em alguns momentos, falta a melodia força e originalidade. Coincidentemente, os meus dois trechos prediletos da obra se encontram em sua segunda parte: “ Com ternura me chamavam Pai Arraia/ Onde os arrecifes desenham a praia” e também o refrão “Pra fazer a cartilha no cordel/ ensinar, abraçar a profissão” – Nota 9.5

Estácio – Após nove anos longe do grupo especial, a Estácio de Sá exalta em seu retorno São Jorge, com o enredo “Salve Jorge! O Guerreiro da Fé”. E indiscutivelmente apresenta um dos melhores sambas do ano. Uma obra valente e de letra primorosa. E que ainda conta com dois excelentes refrões e onde destaco o refrão principal “Sou teu fiel seguidor, meu cavaleiro/ por dia mato um dragão, sou brasileiro/ Estácio veste seu manto carregado de axé/ Salve Jorge guerreiro na fé” – Nota 10.0

*Gustavo Fernando é jornalista, crítico de cinema, comentarista de carnaval e compositor. Já assistiu 13 sambas de sua autoria serem entoados em desfiles oficiais de escola de samba. Dentre eles, obras que cantavam a carnavalesca Rosa Magalhães, Festival de Parintins, os quilombolas, a história do papel e a incessante busca pelo ouro.