Banda Mulamba lança novo clipe gravado em ocupação e retrata cenário de moradores da periferia do Rio de Janeiro


“Vila Vintém” fala sobre opressão na vida da população da periferia e traz à tona essa reflexão para a sociedade

*Por Domênica Soares

A banda Mulamba carrega consigo o lema ‘voz, espaço e respeito’. Integrado por mulheres, o grupo traz reflexões importantes em suas canções. Com garra e sensibilidade, elas lançam “Vila Vintém”, um clipe inspirado na favela localizada entre os bairros de Realengo e Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O videoclipe começa com uma cena forte de policiais entrando na comunidade e os tiros que fazem parte da trilha sonora da vida de muitos moradores começa a perturbar quem ouve. A poesia entra e traz a reflexão sobre a força da Vila Vintém e descreve suas origens. Os episódios de violência ocorridos nas comunidades do Rio silenciam moradores, que resistem. “Eu comecei essa letra no Rio de Janeiro, onde tive contato direto com as ocupações e com a violência. Um dia, a polícia foi na Vila Vintém, com a ideia do governo para desocupar a favela. Então essa música nasce como um grito de resistência e desespero, pela visão de quem vive em um lugar e é retirado”, conta Cacau de Sá, autora da música. Compõe também a banda, outras cinco mulheres: Amanda Pacífico (voz), Caro Pisco (bateria), Érica Silva (baixo, guitarra e violão), Fer Koppe (violoncelo) e Naíra Debértolis (guitarra, baixo e violão), que estão juntas desde 2015.

Grupo lança clipe em ato de resistência | (Foto: Luciana Petrelli )

Segundo Cacau de Sá, a essência do novo clipe tem como princípio a resistência da vida de pessoas fortes que mesmo com as adversidades da vida não desistem de seus objetivos. Ela exemplifica uma dessas histórias: Imerso em sua fé e à sombra de uma sociedade cega, Elidieu e sua família haitiana, personagens da vida real e moradores da Ocupação 29 de Março, em Curitiba, estão entre essas pessoas que carregam consigo muitas memórias e, principalmente, o sonho de reconstruir suas casas com as próprias mãos após a comunidade pegar fogo, no final do ano de 2018. Essa produção audiovisual representa as milhares de favelas que existem, como também os muitos “Elidius” que vivem nesse cenário de luta no país a fora. O mix de poesia e realidade traz o resultado de um vídeo forte, sensível e corajoso. 

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Cacau diz também que o objetivo de gravar esse contexto se deu através do desejo de chamar atenção para a vida das pessoas que vivem nesses espaços e que sofrem, na surdina, com despejos, incêndios, falta de saneamento básico, luz, entre outras tantas carências. Segundo ela, é uma forma de dar visibilidade a esse problema habitacional no Brasil que não é novidade, mas que só vem piorando ao longo dos tempos. “A pergunta que me faço é se as comunidades são de fato percebidas pela sociedade e pelo Estado para além de um problema do qual se deve livrar-se. Quando chego no centro não vejo fuzil, quando caio na quebrada o fuzil é um ornamento bélico em punho dos homens da lei apontando sempre a cara de alguém. Por aí dá para ter ideia de como se percebe o pobre no Brasil”, desabafa. 

Para ela, a pessoa consegue mostrar seu potencial a partir do momento que lhe é permitido estar em certos espaços, dentro e fora da periferia, e que possa protagonizar sua vida em sua máxima potência. “Existe muito preconceito sobre a favela, ouço falar até mesmo mitos sobre a competência ou não para algo além de ser favelado. A hora que a favela tiver oportunidade, os tons de pele nos caixões brasileiros entre 11 e 17 anos, vão deixar de ser de negros, índios, entre outros”, afirma. A artista disserta ainda que, através das músicas, elas conseguem transformar a vida de milhares de pessoas e levam a reflexão de uma realidade que existe. Cacau fala que a arte como um todo pode modificar a alma humana, mas que para isso é necessário que as pessoas se vejam representados na cultura, literatura e conhecimento. “Como.se protagoniza algo que mal se sabe que se pode protagonizar, não é mesmo?”, finaliza. 

As obras feitas pela banda são de resistência e re-existência. A luta começa desde ocupar lugares no cenário da música brasileira com um grupo de mulheres, até dissertar sobre outras realidades chamando atenção do poder público e de outras pessoas que podem mudar realidades com pequenos feitos. A banda explodiu quando as meninas se juntaram para fazer um tributo à Cássia Eller, que já ultrapassa mais de 3 milhões de visualizações e fala sobre a banalização do corpo da mulher e o estupro. Agora, elas buscam mudar além da realidade das mulheres e “Vila Vintém” é um marco que perpassa condições de moradia e vai até o ser humano negado por sua própria existência. Seja por condições sociais, tom de pele ou até mesmo a história de vida que carrega nas costas. Milhares de moradores de comunidade têm sua existência negada e como diz a letra: “Eu tenho nervos, eu não sou de aço/ É isso mesmo a nossa herança?”.