Antonio Pinto fala sobre a relação entre música e cinema e conta como foi fazer a trilha sonora de “Amy”: “Ganhei na loteria”


O músico comenta com HT a sensação de dividir a tracklist de um álbum ao lado da lendária Amy Winehouse, ao mesmo tempo em que celebra seu trabalho com o longa nacional “Operações especiais”, conta os próximos projetos em Hollywood e como decidiu seguir essa carreira já aos 17 anos

“É muito fácil estragar uma cena”, comenta Antonio Pinto, em entrevista exclusiva com HT. O músico é filho de Ziraldo e, apesar de brincar que entrou no cinema “por nepotismo”, ele conta ao Site que sempre precisou mostrar a sua capacidade artística, mesmo quando assinou a sua primeira trilha sonora, para a adaptação cinematográfica de “O menino maluquinho”. Um dos nomes mais reconhecidos do país no que diz respeito à fusão entre música e cinema, Antonio está, apenas esse mês, com dois filmes em cartaz, um tão diferente do outro que ambos servem perfeitamente para ilustrar sua diversidade: “Amy”, o documentário sobre a trajetória de uma das cantoras de maior sucesso dos últimos anos; e “Operações Especiais”, filme de ação estrelado por Cléo Pires e dirigido por Tomás Portella.

A carreira de Antonio é toda pontuada por momentos gigantescos como este. Logo no início, ele já conseguiu assinar duas das maiores produções nacionais até hoje: “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles; e “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles. “Desde então, as portas do paraíso se abriram”, comenta o músico, em tom animado.

Ao longo da conversa com HT, Antonio Pinto conta quando decidiu seguir a carreira na qual está até hoje, os desafios de se fazer uma trilha sonora de qualidade, como vê o papel de “Operações especiais” no cinema nacional e a sensação de dividir meio a meio a tracklist do doc sobre Amy Winehouse (1983 – 2011) com a própria cantora: “De uma maneira, eu ganhei na loteria”, comemora.

Depois de compor as trilhas sonoras para "Central do Brasil" e "Cidade de Deus", Antonio Pinto agora lança as trilhas de "Amy" e "Operações especiais" (Foto: Divulgação)

Depois de compor as trilhas sonoras para “Central do Brasil” e “Cidade de Deus”, Antonio Pinto agora lança as trilhas de “Amy” e “Operações especiais” (Foto: Divulgação)

HT: Como e quando começou a sua paixão pela música?

Quando eu tinha 17 anos, me mudei para os Estados Unidos e, no terceiro dia, minhas irmãs mais velhas e eu fomos assistir à ópera “Einstein on the beach”, do Philip Glass. A trilha do espetáculo tinha muito piano, violão e bateria e, quando vi aquilo, fiquei em estado de choque com a orquestra ao vivo. Fiquei lá por Nova York mais uns dois anos e comprei um teclado, um gravador cassete e comecei a me gravar. Desde aquele dia, eu faço isso até hoje. Foi assim que descobri o que eu gostava de fazer, meu jeito de ganhar a vida.

HT: E como você passou das gravações em cassete para as trilhas de cinema?

AP: No cinema, eu entrei por nepotismo. Algumas pessoas dizem que minha irmã, quando jovem, dizia: “Será que eu vou conseguir passar no vestibular?”, e alguém respondia que “Você já nasceu passando no vestibular”. Minha primeira experiência no cinema foi com a Daniela Thomas (irmã), e ela estava fazendo “Terra estrangeira”, com o Walter Salles, em 1996. Eu era jovem, mas fiquei aporrinhando a paciência da equipe para poder fazer a trilha. Eu sempre mandava algumas faixas e o José Miguel Wisnik foi o responsável pelo longa, mas tive a oportunidade de fazer algumas trilhas do filme e essa foi a primeira vez que coloquei algo no cinema. Alguns anos depois, o Tarcísio Vidigal (produtor) e o Helvécio Ratton (diretor) fizeram a adaptação de “O menino maluquinho”. Mesmo sendo uma história criada pelo meu pai, ele disse que eu teria que fazer algumas faixas para ele decidir se gostava do trabalho ou não. E então eu consegui o meu primeiro longa-metragem “inteiro”. Minha relação com o Walter (Salles) foi crescendo, e então eu fiz “Central do Brasil”. Daí, consegui fazer “Cidade de Deus”, com o Fernando Meirelles e, desde então, as portas do paraíso se abriram.

Antonio Pinto comenta sobre os desafios de assinar uma trilha sonora: "O mais complicado é tirar a roupa de músico. [...] É muito fácil estragar uma cena" (Foto: Divulgação)

Antonio Pinto comenta sobre os desafios de assinar uma trilha sonora: “O mais complicado é tirar a roupa de músico. […] É muito fácil estragar uma cena” (Foto: Divulgação)

HT: Qual o maior desafio de construir uma trilha sonora? É dar o tom da narrativa, decidir o que você vai compor, imprimir sua marca…?

AP: O mais complicado é você conseguir tirar a roupa de músico. Ao fazer um filme, mesmo como músico, você está contando uma história. No início, eu sofri muito por imaturidade, apego, relação com a música e com a experiência de o que eu estava fazendo era um filme, não uma música minha. O grande segredo é fazer um equilíbrio entre a música e a dramaturgia. Ou, quando necessário, ir contra a emoção e todo esse jogo de cena. É muito fácil estragar uma cena.

O segundo é fazer isso e, ao mesmo tempo, ter uma marca própria. É como o caso do meu pai: não importa onde você veja um desenho dele, você reconhece pelo traço. Eu sempre procurei fazer uma música que você ouve e identifica, até para conseguir trabalhar hoje em dia, porque há muita gente boa e você precisa ter algo diferente.

HT: Antonio, conta como você foi parar no documentário da Amy Winheouse. De onde surgiu esse convite e como se deu essa experiência para você?

AP: Assim como o “Senna” (também do diretor Asif Kapadia), este é um documentário com uma linguagem quase ficcional, como se fosse um filme mesmo. Há esse desejo na narrativa, e ao retratar a Amy também. Nesse caso, foi o mesmo trabalho de fazer um filme. O doc, em geral, é um pouco mais solto, você tem muita liberdade.

HT: E então veio a trilha sonora oficial do filme, que foi lançada e é basicamente só você e ela na tracklist, incluindo algumas demos nunca ouvidas antes pelo fãs. Como você se sente sabendo que seu trabalho foi eternizado no catálogo de uma das maiores cantoras de todos os tempos e de que ele vai ter tanta projeção assim?

AP: Eu ganhei na loteria, de uma maneira. Me sinto como se estivesse humildemente fazendo um dueto com ela. São 11 músicas dela e 11 minhas, com o meu nome e tudo na capa. E há muitas versões que as pessoas não conhecem… É uma pena que o cara tenha queimado o as demos da Amy*. Ela era a maior cantora do século XX e uma das maiores do XXI.

*O CEO da gravadora Universal Music, David Joseph, comunicou em junho que todo o seu arquivo de gravações inéditas, feitas por Amy Winheouse para um terceiro disco, foi destruído, para que ninguém jamais chegasse perto de um material “não finalizado”.

HT: Acredito que você também seja um fã da Amy artista, assim como grande parte do mundo. Como você se sentiu ao assistir ao documentário dela? O que acha sobre a carreira da Amy?

AP: O filme é uma ficção, você está contando uma história. Obviamente, até no jornalismo, você pode ser tendencioso. Mas acredito que o diretor do doc foi muito correto. Existem críticas da própria família sobre a forma que eles foram retratados, mas não houve mentira ali. Está tudo muito claro: o que aconteceu com essa menina, que tinha um talento imenso. O que fez ela morrer foi a falta de amor. Ela era amada de uma forma incorreta, abusada pelo pai e com uma mãe ausente. As pessoas vão ter a chance de descobrir que ela era uma menina genial, e igual a mim, a você e a qualquer outro. Ela não era apenas uma louca doidona que tropeçava no palco. Aquilo era uma circunstância da vida, que ela não conseguiu segurar sozinha.

HT: Você está com outro filme em cartaz no Brasil, “Operações Especiais”, que tem trazido uma nova investida, por um outro ângulo, na ação do cinema nacional. Como foi compor para esse longa, específico?

AP: Muito legal! Curto muito trabalhar com a Magu (Martina Rupp, roteirista) e o Tomás (Portella). Para mim, essa experiência foi sensacional, porque eles estão colocando um gênero no Brasil que só teve muita visibilidade com o “Tropa de elite” e “Cidade de Deus”. Sinto que estamos abrindo uma porta comercial do cinema brasileiro que foi escancarada, inicialmente, com comédia. Se ela já consegue dominar as salas e nós abrirmos uma brecha para outro gênero, com uma heroína, acredito que possa ser bacana.

HT: Qual trilha sonora do cinema que te marcou de alguma forma mais forte e te influenciou ao longo da carreira?

AP: A de “Taxi Driver” (1976), que é do Bernard Herrmann (1911 – 1975), mesmo compositor que trabalhou com o (Alfred) Hitchcock (1899 – 1980), e essa foi a última trilha dele. É uma das mais impressionantes que existem. O começo, com o Robert (De Niro) andando de carro e a trilha variando entre um jazz e um terror absoluto. O filme já coloca o espectador em uma neurose meio que esquizofrênica, com duas personalidades.


Cena inicial de “Taxi driver”

HT: E qual filme você gostaria de ter feito, se tivesse a chance?

AP: “O Poderoso Chefão”!

HT: Para quê sonhar pequeno, né?

AP: (Risos) Você pediu para eu escolher qualquer um, fui logo nesse!

HT: O que mais te atrai em um convite para fazer trilha sonora?

AP: O desafio de não me repetir.

HT: E daqui para frente, quais são seus próximos planos?

AP: Estou trabalhando no filme “Custody”, com a Viola Davis e a Hayden Panettiere. Também estou com “Shot caller”, com o Nikolaj Coster-Waldau, de “Game of thrones”. E, no Brasil, estou fazendo “O pequeno segredo”, do David Schürmann, que conta a história da Cat (leia aqui uma entrevista exclusiva com Macello Anthony sobre o longa). E ah, minha filha Manoela, de 14 anos, já canta e eu estou fazendo o primeiro disco dela. Ainda há muito por vir.