‘A depressão na população negra é muito séria: ela me tirou dos palcos, mas consegui me erguer’, diz Deize Tigrona


Pioneira no funk carioca, a artista com 21 anos de carreira, que integra o Selo Musical Batekoo, conversou com o site Heloisa Tolipan, e falou sobre os 30 anos do movimento funk, o boom do 150bpm, o projeto Frente CDD, isolamento social, plataformas digitais e música. “Estou isolada escrevendo e de joelhos no chão rezando para essa pandemia acabar logo”, revela

*Por Rafael Moura

Pioneira no funk carioca, Deize Tigrona é mulher, negra e acaba de completar 21 anos de carreira. Sua ascensão no mercado foi rápido por conta de suas letras que unem um lado cômico ao erótico. A artista começou a mostrar sua potência em 1999, na Cidade de Deus, comunidade do Rio de Janeiro, enquanto trabalhava como doméstica e nas horas vagas era MC. Sua carreira musical alcançou o sucesso com o hit ‘Injeção’, em 2004, mixada pelo DJ americano Diplo. A faixa foi sampleada pela cantora inglesa M.I.A. no single ‘Bucky Done Gun’ de 2005. Tigrona foi uma das primeiras a trabalhar em conjunto com artistas internacionais, realizando turnês internacionais, na Europa, onde tem uma legião de fãs, participando também do álbum ‘Black Diamond’ do grupo português Buraka Som Sistema. No entanto, em 2009, uma depressão fez Deize se afastar-se dos palcos, iniciando um hiato de quase uma década. “A depressão na população negra é muito séria, ela me tirou dos palcos, mas consegui me erguer”, frisa.

Seu retorno à cena se deu ano passado, quando assinou contrato com a Batekoo, sendo a artista principal do selo musical, lançando o hit ‘Vagabundo’, com produção de Badsista. “Se prepara mona que a gente tá pista, sem neurose”, diz. Para Deize compor é um grande tesão, uma maneira de divulgar suas ideias, desejos e vontades. “É um momento único e é dessa intensidade que eu gosto. Fazer a minha alegria e a dos fãs, independentemente de atingir  dez pessoas ou uma multidão”, revela.

A diva que voltou a morar na CDD (Cidade de Deus), durante a pandemia integra o coletivo Frente CDD, uma ação junto aos moradores da comunidade para a ajudar na prevenção aos impactos causados pela Covid-19. Até o momento o projeto já teve mais de 23.000 doações entregues, entre elas mais de 12.400 kits de higiene pessoal e limpeza, e 11.186 cestas básicas. Foram atentidas mais de de 10.000 famílias em um período de sete meses.

Confira abaixo a nossa conversa com a cantora:

Heloisa Tolipan – Você vem de uma geração do funk raiz que surfava entre o romântico e o protesto. Como você enxerga essas geração com músicas de fácil absorção e a invasão do 150bpm?

Deize Tigrona – Eu vejo que hoje o funk é um desejo de todos e fico feliz que a rapaziada tem o ritmo em suas playlists e consuma esse som e entenda a importância da cultura. O 150bpm mudou a cara do funk aqui no Rio e em São Paulo. Eu digo um grande ‘Viva Pro funk 150bpm’, que bem-vindo e só fortalece o movimento.

HT – Desde o sucesso do hit ‘Injeção’ até hoje. Que pontos você destacaria na sua carreira?

DT – São tantos momentos, mas eu quero destacar as participações que fiz com artistas que eu nem acreditava que me conheciam. (Deize já fez feats com o americano DJ Diplo, Badsista, Buraka Som Sistema, Jub do Bairro, Jaloo, entre outros).

HT – Como é voltar ao funk atual com essas músicas aceleradas?

DT – Não tem tanto mistério, porque eu conheço a raiz do movimento funk. Eu quero saber é dos produtores musicais o que eles acham do 150bpm ser um grande sucesso nas plataformas digitais (rsrsrs).

HT – Você vem escrevendo sua história na música brasileira desde 1997. Nos anos 2000 você teve um boom internacional quando a cantora M.I.A. usou seu sample como referência para o hit ‘Back done gone’…

DT – O meu boom internacional não foi exclusivamnte por conta da M.I.A. Eu fui convidada para ir a Paris por um produtor cultural que ama o meu trabalho. A cantora usou o meu sample na época em que era namorada do Diplo, então, gravei com o DJ, em 2005, a música ‘Bandida’. Fui novamente convidada a ir para a Europa, e daí surgiu a ideia de fazer parcerias em Portugal e decidi ficar por lá. O que era uma viagem de quatro dias durou 45 dias. O Diplo ainda me deu a oportunidade de fazer um feat com o Buraka Som Sistema, então escrevi ‘Aqui Para Vocês’, que foi um tremendo estouro lá. Na verdade M.I.A. ter usado meu sample deu um boom na minha carreira aqui no meu Brasil. Você acredita?

HT – ‘Pelo Amor de Deize’, como surgiu o encontro com Jub do Bairro?

DT – A Jup é uma pessoa e uma artista que eu admiro muito. Ela já havia feito esse convite desde o ano passado e só se firmou em Londres. Foi punk nosso reencontro lá. Imagina que eu estava viajando anos antes sem encontra pessoas queridas e, de repente, volto para a Europa e encontro um trio maravilhoso: Linn (Da Quebrada), Jup (do Bairro) e Badsista, as mais amadas do mundo em Londres!!!! Foi inacreditável. Entramos em estúdio em março de 2020, logo depois do carnaval, pouco antes dessa pandemia… e gravamos a faixa que me deixou boca aberta. A música é uma injeção de autoestima, que traz à tona a questão da depressão na população negra.

HT – Você trabalha na Comlurb. Como foi dar uma pausa dos palcos? Sentiu falta?

DT – Sim, eu ainda sou contratada da Comlurb. Tive uma pausa dos palcos em termos. Nessa época foi quando eu escrevi ‘Prostituto’, que gravei com o Jaloo, que eu nem imaginava que ia ser um hit e ‘ Madame’, com o Dj Chernobyl. Nesse mesmo período, eu estava numa deprê profunda, então dei uma sumida mesmo dos palcos da vida. Por um lado foi bom, mas senti muita falta, nem acreditava que podia voltar.

HT – Você agora é uma das artistas do selo Batekoo. O que podemos esperar de novidades?

DT – Estou produzindo bastante, compondo muito e em breve teremos o lançamento do meu novo EP. Confesso que estou ansiosa. Quando ele estiver pronto, conto tudinho aqui.

HT – Como Deize está enfrentando este período difícil de pandemia?

DT – Eu fui convidada por amigos da Cidade De Deus para participar do projeto Frente CDD, na minha comunidade. Participando de maneira bem ativa. Agora dei um tempinho para cuidar de mim. Estou em casa, isolada, compondo, escrevendo poesias, respondendo emails e de joelhos no chão rezando para essa pandemia acabar logo.

HT – Em 2020, o movimento funk, no Rio, completa 31 anos. Como é ser considerada uma das mães do funk?

DT – Mãe ainda vai, mas tia é o que não dá, né?. Me sinto muito respeitada e percebo que as pessoas reconhecem a força da minha luta em uma cultura marginalizada e que sempre foi do povo negro e periférico. Então, eu só tenho a agradecer.

HT – A internet se tornou uma das grandes formas de comunicação e entretenimento nos dias de hoje. Como Deize Tigrona se relaciona com essas redes?

DT –  Eu tenho visto umas lives, participado de outras. De vez em quando escrevo alguma reflexão e publico. Confesso que não tenho muita paciência para a internet, mas estou lá, temos que nos reinventar. O meu negócio é olho no olho e calor humano.