Com um currículo impressionante de quem já trabalhou com nomes como princesa Diana, Naomi Campbell, Charlotte Rampling, Carine Roitfeld, Bibi Ferreira e tantos outros, é difícil pensar quem o fotógrafo Vicente de Paulo ainda deseja clicar. “Realmente eu já fotografei muita gente especial, mas ainda tenho vários sonhos. Adoraria trabalhar com a Olivia de Haviland, uma atriz de Hollywood dos anos 30 que vai fazer 100 anos esse ano, mora em Paris e ainda é superlúcida. Gostaria muito de fazer um retrato diferente dela. Uma modelo como a Anne Cleveland, que está fazendo muito sucesso agora, também seria incrível”, listou ele, que já foi braço direito de ninguém menos do que Mario Testino durante três anos.
“Na verdade eu trabalhei várias vezes com ele, não foram anos fixos, mas em muitas ocasiões. Eu era mais jovem e, à época, estava quase desistindo da fotografia, porque no Rio de Janeiro não tinha nada acontecendo e até mesmo São Paulo eram poucas as revistas. Quando conheci o Mario foi muito estimulante e inspirador. Ele abriu meu leque, fui trabalhar com ele em Paris e conheci um mundo. Foram três meses em que fotografei desde a princesa Diana até campanhas da Gucci, Missoni, ‘Vogue’ Paris, ‘Vogue’ Itália. Ver essa nata me estimulou. Aquilo foi essencial na minha vida”, disse.
A paixão pela fotografia não veio da moda. “Na verdade eu gostava de cinema, das fotografias dos filmes em preto e branco. Quando eu era adolescente achava tudo aquilo muito interessante e não era mais tão comum nos anos 70 e 80, que tudo era colorido. Comecei a ver muitos livros de cinema antigo e as fotos eram mais produzidas. Foi isso que me levou a olhar para as revistas de moda, que tinham um parentesco com essa linguagem. Comecei a me interessar pela fotografia de moda, que é a única área da fotografia publicitária que envolve criação. O fotógrafo é meio livre, em editorial mais ainda. Nas outras formas de fotografia de publicidade a gente fica preso ao layout”, explicou ele, que não pensou em trabalhar com cinema: “Eu adoro, mas é muito difícil de fazer porque depende de muito mais gente. Se, no Brasil, já é difícil o que eu faço, porque dependo de talentos, de produção de moda, imagina cinema? Muita coisa do cinema nacional é uma porcaria. Recife está vindo com algo interessante. Mas eu vejo o resto ou muito comercial, como novela, ou pretensamente querendo ser Hollywood, mas não é. Gasta-se muito dinheiro e no fim das contas não é bom”, analisou.
E Vicente sabe o que diz: ele, que pegou o momento em que as modelos brasileiras despontaram nas passarelas internacionais, tem muita história para contar. “No final dos anos 80 e início dos 90 a moda fez um ‘boom’ e hoje virou mainstream. Todo mundo quer trabalhar com isso. Eu estava no mercado nesse momento das modelos brasileiras fazendo sucesso, vi Gisele (Bündchen), Alessandra Ambrósio, Fernanda Motta, Ana Claudia Michels e outras estourarem. Até os anos 80 ninguém nem sabia quem eram as modelos, as meninas dos anos 90 que fizeram com que elas tivessem personalidade”, lembrou.
Falando em personalidade: quais dicas Vicente daria para um fotógrafo iniciante? “O fotógrafo tem que ser uma pessoa muito curiosa, estar ligado em tudo o tempo todo. Estou com 50 anos, mas saio com gente de 65, 70, e de 20 também. Os mais velhos trabalharam em moda a vida toda e essa gente jovem traz elementos novos. Então é isso, tem que estar sempre convivendo com todo tipo de gente, não ter preconceito nenhum, porque a fotografia de moda é assim: o que pode ser cafona hoje é interessante amanhã. Mas ao mesmo tempo ter senso crítico, não pode fazer qualquer coisa. Tem que saber o momento de tudo. O network é muito importante também, mas não tem segredo, tem gente que faz sucesso por motivos muito diferentes”, disse. Se o sucesso não tem fórmula, qual é a de uma boa foto? “O olhar, pegar momento interessante. As vezes um amador – você vê isso direto agora nas redes sociais – pega fotos lindas. O que o fotógrafo tem de diferente é que educou o olhar para captar esse momento mais facilmente. Vê aquilo mais vezes, sabe o ângulo, a luz que bate, a expressão da pessoa. Um amador perde o momento às vezes. Uma boa foto é um momento que deu certo”, definiu.
Expert em capturar esses momentos, foi assim que Vicente conquistou a atenção de Mario Testino, um dos maiores fotógrafos do mundo, e virou seu amigo. “Ele queria um contato no Rio de Janeiro para ajudar com equipamentos para um trabalho que ele estava fazendo aqui, tinha uma lista de três pessoas e eu fui o primeiro que ele ligou e disse que queria conhecê-lo. Aí trabalhamos juntos dessa vez, ele gostou do meu trabalho e viramos amigos – somos até hoje. Ele é divertido, fácil de conviver, é político e tem um charme grande para lidar com vários tipos de pessoas”, contou. Aliás, gostar de gente é essencial no meio: “Uma vez, em uma sessão de fotos com o Mario Testino, eu tive que ficar cuidando da Naomi (Campbell) porque eu era assistente na época e era o único disponível pra isso. Uma pessoa quis brigar com ela e eu tive que intervir”, lembrou, aos risos.
Essa é apenas uma das muitas histórias de bastidores que Vicente acumula na profissão. “Foi emocionante trabalhar com a Charlotte Rampling, que já foi clicada pelos melhores fotógrafos do mundo como Helmut Newton e tantos outros. Até fizeram uma exposição aqui no Rio de Janeiro com imagens dos grandes fotógrafos que trabalharam com ela. Charlotte é um símbolo”, elogiou ele, que, coincidentemente (ou não) atualmente, gosta da fotografia artística. “Quem trabalha com fotografia na arte está levando a carreira para um lado muito interessante. A moda está muito comercial e repetitiva, infelizmente. A fórmula é a mesma há 20 anos, não tem nada de muito novo acontecendo. Na arte tem experiências mais interessantes. É o que eu tenho visto”, contou ele, que prefere fotos externas do que em estúdio. “Moro no Rio, então me dediquei a esse tipo de trabalho. Se eu morasse em Nova York o tempo todo ia ter que me adaptar mais ao estúdio, talvez. Mas gosto de luz natural, sem flash”, disse.
Falando nisso, trabalhar fora é uma das grandes dicas que Vicente de Paulo daria a qualquer fotógrafo: “Temos que viajar muito para o olhar não viciar. Quando saímos e voltamos, achamos sempre algo interessante de novo. A praia de Ipanema não é a mesma quando vemos depois de um tempo”, explicou ele, que faz o que diz: “Estou trabalhando na França, fazendo um livro com a Cristina Córdula, uma brasileira que mora em Paris, foi modelo e hoje tem quatro programas de televisão lá. O livro é um guia de estilo com ela, de imagens e estilo. Metade são fotos dela e a outra são objetos de moda, stills em estúdio. É um guia de moda que será lançado em outubro e não vem para o Brasil, porque é em francês, mas venderemos na França, Canadá, Suíça, Bélgica… países que falam a língua. Ainda não temos o nome”, contou.
O aumento do interesse da população por fotografia, de acordo com Vicente, é uma faca de dois gumes. “O Instagram multiplicou mil vezes tudo, mas, ao mesmo tempo, banalizou um pouco. Vejo muitas fotos ruins nas redes. Essa história da selfie é problemática, porque a vaidade é muito incentivada. Estamos em um momento que temos que prestar atenção, porque as pessoas criam uma imagem de lifestyle que não é real. O Instagram tem dois lados: democratizou a fotografia, claro, e todos podem exercê-la, mas evidenciou o lado egocêntrico de muita gente. Como fotógrafo, achar gente interessante para seguir tem sido difícil. Tem uma fotógrafa americana que fica colocando 200 fotos do filho. Vira mais diário, registro do que fotografia. Eu não gosto, prefiro ver cenas bonitas, objetos, pessoas mesmo, mas com um olhar diferente”, analisou.
Mas seu forte é realmente moda e, para Vicente, a brasileira tem passado por um período crítico. “Está tudo muito comercial por conta da crise. As marcas têm que vender. Infelizmente não é o momento mais forte, mas também porque a cultura do brasileiro de apreciar moda sofisticada ainda não existe. Então fica sempre dois extremos: ou uma moda tentando ser europeia para uma elite pequena ou uma moda muito popular”, analisou ele, que foi além. “No Brasil também tem essa questão de o desfile ser muito diferente do que o que tem nas lojas. Uma marca tem 20 lojas e duas tem a coleção do desfile, as outras 18 não tem. O povo ainda não compra essa linguagem da moda. É cultural. Temos que estimular a educação para que o povo passe a consumir esse tipo de coisa”, explicou. Ainda assim, para Vicente, o universo fashion “continua interessante, apesar de tudo”. “Eu gosto muito da moda, porque ela muda. Há sempre uma renovação”, declarou. Que bom!
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