Na semana em que lança seu livro, Giovanni Frasson nos diz: “A moda é democratizada, você usa o que pode. Já o modismo faz elite, gueto”


O diretor criativo e stylist que ficou à frente da direção de moda da Vogue Brasil por 27 anos comentou a viabilidade da maior semana de moda no país e elogiou as mudanças: “A criação fica protegida e os criadores vão despontar, porque vão ter que se especializar cada vez mais. Profissionalmente é bom para o mercado”

Giovanni Frasson dispensa apresentações. O diretor criativo e stylist que trabalha com moda há 31 anos – 27 deles dedicados à revista “Vogue Brasil”, onde chegou ao cargo de editor e diretor de moda – lançou nessa semana o livro “Dez Mil Novecentos e Cinquenta Dias de Moda”, que reúne 600 imagens selecionadas de um acervo com mais de 15 mil fotografias que abrangem seus longos anos de carreira. Um dia depois de assinar mais de 300 exemplares – em menos de três horas, vale ressaltar – bateu um papo exclusivo com HT e, claro, contou tudo sobre a realização do sonho de publicar sua história. “Ainda estou sob efeito das assinaturas todas. Esse livro é um projeto meu desde sempre. Quando eu tinha 10 anos de Vogue já queria fazer meu próprio livro. Juntei todos os trabalhos de 30 anos e dei um efeito de uma maneira bem didática e visual. No livro vê-se bem as três décadas, primeiro como assistente, depois editor e, finalmente, diretor de moda. A curadoria é da Alexandra Von Bismarck, minha amiga, e ela resgatou uma linguagem visual que reverbera meus 30 anos de trabalho de uma forma que tudo dialoga entre si. São 600 imagens, selecionei 12 mil páginas impressas para chegar nesse resultado. Junto vem um pôster com mais 200 capas que eu fiz. Foi um ano e meio de processo e muito trabalho e dedicação”, contou ele, que, antes do lançamento oficial, fez uma ação com a Shop2Gether em que vendeu com exclusividade alguns exemplares com lucro revertido para a ONG paraibana Love Together Brasil. “Já no primeiro dia todos os exemplares disponíveis foram reservados pelo site”, comemorou.

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(Foto: Divulgação)

Voltemos ao passado. O primeiro trabalho que fez Giovanni se apaixonar por moda foi em contato com a revista “Nova” (hoje “Cosmopolitan”). Antes disso, Giovanni era modelo. “Eu tinha muitos amigos que trabalhavam no meio fashion e fui modelo aos 16, 17 e 18 anos. Quando precisei trabalhar, um amigo me sugeriu virar assistente na revista Nova e a primeira foto que eu fiz foi em 1985, até está no livro. Da Nova, fui para a ‘Moda Brasil’ e, depois, para a Vogue como produtor. Aí, eu voltei para a Nova como produtor, depois de novo para a Vogue, e fiquei lá por 27 anos”, lembrou ele, que saiu da revista para ter uma vida profissional mais livre. Vale lembrar que Giovanni já foi responsável pela consultoria, edição e concepção de campanhas e desfiles memoráveis para marcas como Zoomp – que, aliás, volta ao mercado sob comando de Alberto e Valéria Hiar, Rosa Chá, Iódice, Cris Barros, Ellus, Absolut, Avon e muitas outras. “Eu já tinha um desejo de, assim que chegasse onde achava que tinha que chegar dentro da revista, eu partiria para voo solo, para internacionalizar minha carreira. Tinha muitos projetos. Queria fazer o livro de 30 anos de carreira, fazer campanha e desfiles, que eu amo, e consultoria para marcas. Amo a revista, mas preciso trabalhar em um lugar onde eu possa ter contato com outros veículos de moda, com as marcas, ter a vida mais livre no sentido profissional. Hoje, estou com dois clientes nos Estados Unidos e propostas em outros países. Eu tinha exclusividade com a Vogue e fui muito feliz, deu tudo muito certo, mas não consigo ficar muito preso. Tenho que passar meu conhecimento adiante”, disse.

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E haja conhecimento! Atualmente trabalhando como consultor, ele está à frente do styling do desfile da Amabilis, na São Paulo Fashion Week. A marca capixaba – com QG no município de Colatina, no Norte do Espírito Santo, foi selecionada pelo Top Five, projeto de aceleração para pequenas empresas que visa inserir microempreendedores no alto do mercado da moda, e, além do desfile, fará sua estreia em um showroom em São Paulo. “É um projeto muito interessante que a SPFW está desenvolvendo e a marca foi selecionada para estar lá. Isso vai alavancar muito a grife no Brasil. Quando a SPFW começou, as marcas já existiam e a semana de moda ajudou a consolidá-las. Esse projeto resgata tudo isso. É bacana, importante, espero que dê certo”, elogiou ele, que não adianta o que veremos na passarela. “Tenho medo de falar coisas menos pertinentes. Mas é um trabalho interessante”, garantiu.

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(Foto: Bruno Ryfer)

Falando em passarela, aliás, o que será que Giovanni Frasson tem a dizer da aproximação do mercado de moda com o varejo (a SPFW já se mostrou alinhada e mudará o calendário)? “Isso é resultado do digital, que fez com que acontecesse assim. Não acho prejudicial, acho mais eficaz o método de criar e vender logo. A criação fica protegida e as pessoas só vêem quando vai para a loja. Acho que vai ser superpositivo. Os criadores vão despontar mais, a criatividade vai voltar à tona, porque, para atender os desejos e sua ascendência do mercado consumidor, o criador vai ter que se especializar cada vez mais. Se o digital trouxe o rápido e informal sem tanta consistência, agora vai ter que ter conteúdo, porque não vai ter como se inspirar na criação do outro”, analisou ele, que não acha que o conceito “see now, buy now” tira o glamour da moda. “Acho que protege. E além de mais democrático, é mais inusitado. É novidade e já vai estar na loja, não tem como refazer. As empresas vão ter que se especializar e o estilista e criador vai ser valorizado. Essa mudança no formato é a mais pertinente nos dias de hoje. Já tivemos excelente colocação como uma das semanas de moda mais importante do mundo e essa reformulação vai fazer com que cresça novamente. Profissionalmente é bom para o mercado”, garantiu. E a alta-costura, Giovanni, aonde entra nessa história? “Ela vai continuar lá, intacta como prima-dona, é inalcançável. A alta-costura é um quadro, uma pintura, é difícil refazer”, disse.

De um extremo para o outro, as lojas de departamento, de acordo com Giovanni, foram as responsáveis por tirar a moda do lugar de elite. “O pret-à-porter não é menos, pelo contrário, tem um lugar de destaque. Os grandes magazines fazem um trabalho excelente e estão se profissionalizando antes até das lojas macro. Foram responsáveis por democratizar a moda”, afirmou ele, que acredita que, atualmente, são os modismos que separam as classes. “A moda em si eu acho que é totalmente democrática hoje. Os modismos é que estão dentro dos setores de atrito. A moda é democratizada, você usa o que pode. O modismo faz elite, gueto”, analisou ele, que sabe que a recessão econômica prejudica o meio, mas vai além: “Lógico que a crise atrapalha todo mundo, em todos os lugares. No Brasil está pior, porque o país está em crise generalizada e há a crise de identidade. O digital fez isso. Se antes, era xerox de centenas, hoje são de bilhões”, explicou ele, que cita exemplos claros: “Quando você trata a moda de uma maneira caseira e não-profissional, cria-se esse efeito. A hipervalorização de personagens de novela, usar a roupa que o personagem usa, isso não é moda, porque é a moda do personagem e ele não faz moda. Há coisas muito específicas, padrão, qualidade. O grande problema é falta de planejamento de todo mundo. É geral. Acho que todos nós temos que ir atrás do lado profissional”, declarou.

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Giovanni Frasson e Constanza Pascolato (Foto: Reprodução)

Aos 53 anos e 31 dedicados ao meio fashion, ele não consegue eleger um trabalho como favorito, mas lembra de alguns com carinho: “É difícil demais dizer uma capa preferida. Não vou falar a melhor, mas tem uma que resume a trajetória do meu trabalho: é a última que eu fiz para a Vogue, com a Gisele Bündchen vestindo Chanel e segurando a Choupette, gatinha do Karl Lagerfeld clicadas por ele. Foi minha última edição como diretor. É um resumo da minha carreira, terminar com tudo de mais top: modelo e Chanel”, analisou. Aliás, falando nisso, após tantas capas com Gisele, Giovanni tem propriedade para responder: o que a fez ser o que ela é hoje? “Profissionalismo, foco absurdo no que ela deseja e quer, ser uma CEO dela própria. Gisele sabe exatamente o que fazer, quando fazer e como fazer para a carreira dela. Ela sabe a luz que tem, a capacidade, o empenho. Isso faz com que ela seja especial. É um conjunto e ela sabe utilizar todas as ferramentas que tem”, elogiou.

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A última capa de Giovanni Frasson a frente da Vogue teve Gisele Bündchen e Choupette clicadas por Karl Lagerfeld

E hoje, existe alguém preparada para ocupar esse lugar? Quem seria a escolha de Giovanni Frasson como a modelo do momento? “Não estamos em um momento de modelo X ou Y, vivemos incertezas. Estamos em uma entressafra, que já aconteceu outras vezes. Não existe a modelo no momento, existem algumas importantes, mas há uma glamurização de Kendall Jenner e companhia que eu acho momentâneo. É tipo efeito blogger, tem duração curta. Apesar de ela ser bonita, acho que está demais nesse momento. Tudo está um pouco demais e não tem duração. São essas explosões devastadoras e para retomar é difícil. Acredito em constância e crescimento, não em explosão”, disse. Pois bem: os 30 anos de carreira falam por si só.