*Por Karina Kuperman
No último dia da 45ª edição do São Paulo Fashion Week, Gloria Coelho se inspirou em suas coleções antigas para apresentar seu verão 2019, enquanto a Amapô levou o universo pop ao União Fraterna, casa de bailes da terceira idade, no bairro Água Branca. Renato Ratier reviveu a cena musical eletro dos anos 2000, com direito a muito neón e a Handred, em seu primeiro desfile, propôs uma viagem à Marrakesh. Tragédia e tristeza viraram arte e poesia pelas mãos de Ronaldo Fraga em um desfile que lembrou as vítimas da tragédia de Mariana, em Minas Gerais, enquanto Juliana Jabour inspirou-se em estações de esqui para uma coleção com muitos tons pastéis e toque futurista. Por último, João Pimenta fechou a edição com seu début em roupas femininas. Vem com a gente!
Gloria Coelho:
O tema do verão 2019 de Gloria Coelho foram as “incríveis memórias quânticas do planeta” e, entre suas inspirações, a estilista elegeu, claro, memórias, arte nos anos 60, androginia, décadas do século passado, encanto das fadas e esporte. Tudo misturado com peças clássicas como trench coats e smokings. Um quê futurista também foi explorado através da série de vestidos prata espelhados, quase que espaciais. Completando 43 anos de marca, a estilista usou, também, alguns de seus trabalhos passados – revisitados – para a nova coleção e foi além: incluiu a moda masculina em seu desfile. “Nessa coleção nós priorizamos roupas sem sexo. Gosto de falar para essa menina andrógina, feminina, autêntica, esportiva, mas que tem um quê de romance”, disse, minutos antes do desfile, que teve como palco o teatro da Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap.
Na passarela, peças com tecido tecnológico contrastaram com vestidos de festa fluidos, inspirados no universo das fadas. A cartela de cores teve muito preto, off-white, prata e toques de vermelho, tons de verde, azul, marinho, roxo, rosa fluór, cinza e rosé. Pensa que acabou? Pois a estilista apresentou, ainda, uma coleção cápsula inspirada no filme “Os incríveis”, da Disney Pixar, cuja sequência será lançada em junho no Brasil. A linha conta com bolsas, camisetas, leggings e tênis e trazem um toque confortável e estiloso à coleção.
A beleza, assinada pelo expert Daniel Hernandez, foi superiluminada, com pontos de luz em partes estratégicas do rosto. O cabelo minimalista completou a estética moderna da coleção. “A ideia veio da própria Gloria, que queria algo bem suave e natural”, disse o beauty artist.
Amapô:
O que acontece quando uma menina e um menino passam de mãos dadas debaixo do arco-íris? A marca de jeans Amapô, das estilistas Carolina Gold e Pitty Taliani, propôs esse questionamento em sua coleção, apresentada na União Fraterna, salão onde idosos vão dançar aos finais de semana em São Paulo. Com aposta em um estilo “vintage” para um “mercado jovem e em constante crescimento”. A inspiração das estilistas foram as obras do artista Eli Sudbrack e seu projeto Avaf (Assume Vivid Astro Focus) e a escolha de modelos reais para cruzar a passarela da marca fez toda diferença na comunicação da ideia da coleção. O casting tinha pessoas cheias de personalidade e cada um dos “grupos” – drags, skatistas, clubbers e outros – representou uma faceta das estilistas. Estampas cheias de personalidade deram o tom à peças que, originalmente, eram de brechós e foram reconstruídas para contar novas histórias além das já vividas pelas pessoas a quem pertenceram.
Anos 80, bordados indianos, mangas infladas, moletons, ombreiras pontudas, detalhes vitorianos e tênis com glitter foram alguns dos elementos levados à passarela da marca. A mistura entre moda e arte deu bossa, enquanto flúor e degradê contrastaram com botas cowboy. A trilha sonora ficou por conta de uma mistura de hits de divas pop como Madonna, Britney Spears e Lady Gaga. Já a beleza se misturava com as roupas e as maquiagens coloridas pareciam continuação das peças.
Ratier:
Dono de baladas paulistas de sucesso, Renato Ratier levou o eletro dos anos 2000 direto para a passarela do SPFW. Seu sportswear misturou-se com alfaiataria em uma cartela de cores composta por tons cítricos e muito neón – amarelo, laranja, pink e verde, inspirado pelas cenas clubber e raver. As tradicionais cores sóbrias, sempre presentes em suas coleções, claro, não ficaram de fora. Couro, nylon, malha, linho, moletom, lãs e jeans ganharam ombreiras, punhos e golas altas. Parcas, jaquetas, modelagens oversized e corte reto também integraram o Inverno 2019 da Ratier. Maxi jaquetas de couro tingidas em tons vibrantes combinadas a calças de lã em cores sóbrias e micro saias e vestidos usados com botas de cano alto feitas de vinil mostraram os contrastes da coleção.
Nos pés, os modelos usaram botas de couro estilo Glam Rock, fruto da parceria entre a marca e Lucas Regal Boots & Belts. Os óculos coloridos em formato de máscaras eram da Fakoshima, grife criada pelo designer russo Konstantin Shilyaev. Já a beleza, assinada por Lau Neves, foi bem natural e leve, com alguns pontos de luz neón e cabelos de textura natural ou aspecto molhado.
Ronaldo Fraga:
A passarela é lugar de discurso. Pelo menos na nova coleção de Ronaldo Fraga, que desenvolveu um trabalho minucioso com as bordadeiras de Barra Longa, cidade atingida pela tragédia de Mariana, Minas Gerais, e transformou em arte o protesto contra o crime ambiental da Samarco, o rompimento de uma barragem da mineradora que inundou de lama diversas comunidades da cidade mineira em novembro de 2015 e deixou rastro de mortes, destruição de ecossistemas e prejuízos emocionais e econômicos à população local.
Conhecido como um dos mais críticos estilistas brasileiros, Ronaldo tem como tradição transformar seus discursos em atos políticos e já falou sobre outros temas como transfobia, a questão dos refugiados e mais. “Essa coleção é a força do feminino que vem das plantas, das mudas, e as mudas, aqui, são as bordadeiras. Abordamos a tragédia pela licença poética”, disse. “A passarela é um lugar para tudo, é um palco, exposição de um tempo. Se a moda é o documento mais eficiente do tempo, a passarela é o palco disso. Sempre me pergunto o que as roupas vão trazer de vestígio daqui a 50 ou 100 anos? A arte enxerga poesia em tempo árido e a moda também pode fazer isso”, afirmou.
Dessa vez, o estilista pôs um holofote sobre o trabalho das bordadeiras de Barra Longa e criou uma coleção inteira com esse elemento. “Esse bordado veio para o Brasil através dos portugueses no século XVIII e lá era o polo dessa produção. Após essa tragédia ambiental, corremos o risco de uma tragédia cultural porque essas pessoas estão estigmatizadas, largando suas terras, mudando de cidade e seu saber pode até desaparecer”, lamentou. “Eu as convidei a bordar plantas dos jardins que um dia foram cobertos pela lama. É a história delas. É uma coleção de um único tecido, 100% linho, que abraça bem a técnica de bordar. A cartela de cores vai do terra ao marfim profundo antes da tragédia e terminamos no luto, no gosto amargo”, disse.
Handred:
Estreante na passarela do SPFW, a carioca Handred, do designer André Namitala, de 25 anos, escolheu, para seu primeiro desfile, trazer uma mistura da estética do Rio de Janeiro na época da Bossa Nova e a cultura mulçumana. Por isso, roupas que fazem alusão às burcas – com o intuito de expressar a tensão sexual na cultura marroquina, fizeram parte da coleção, que lançou uma provocação: roupas cobertas na frente e nuas atrás, além, claro, de túnicas alongadas com muitos bordados. O azul das paredes da casa do estilista Yves Saint Laurent compôs a cartela de cores, junto com verde musgo, laranja, dourado e outras cores mais sóbrias.
O conceito de moda agender foi identificado através de diversos tipos de modelos. “Quis representar a minha clientela na passarela. Não tenho um público-alvo, são todos, não tem como não homenageá-los. Tem novos, velhos, crianças, adolescentes, gordos, magros”, listou André, que tem ascendência libanesa. “O ponto de partida foi o Marrocos, que tem uma cultura bem parecida. Investi forte em estampas bordadas, franjas, comprimentos longos e um contraponto entre feminino e masculino”, explicou. Muita seda, algodão, veludo e linho compuseram a coleção. “Essa coleção é muito sobre a marca. Somos uma mistura de Bahia, Marrocos e Bossa Nova”, disse.
Juliana Jabour
A estilista olhou para os esportes de inverno para criar a sua coleção, que teve predominância de tons pastéis, especialmente rosa millennial. O branco foi o tom protagonista na passarela. Estações de esqui como Chamonix, em Montblanc, Aspen e Snowmass, foram inspiração para Juliana, que levou elementos clássicos de seu repertório, como a mistura do sport com streetwear, em contraponto com romantismo e peças com silhueta esvoaçante, mangas bufantes e ar vitoriano. Moletons e jaquetas oversized – marca registrada de Juliana Jabour – fizeram par com calças joggings, saias expressivas e calças palazzo.
Detalhes futuristas como estampas geométicas, tecidos metalizados e acessórios de espelho conversaram com o nylon, principal matéria-prima da coleção e usado em parkas, jaquetas, calças, e vestidos. Tactel, tactel resinado, plástico, alfaiataria, seda, moletom, crepe metalizado e couro completaram os tecidos da coleção.
João Pimenta (feminino):
Sucesso com suas criações para o público masculino, João Pimenta ousou e resolveu apresentar sua primeira coleção feminina na São Paulo Fashion Week, no desfile que encerrou a 45ª edição da semana de moda. Em sua estreia no mundo feminino, o estilista levou a “roça sofisticada” à passarela e misturou seda à tecidos considerados de “baixa qualidade”, como chita. Sua alfaiataria – sucesso entre o público masculino – foi revisitada em estilo roceiro, com retalhos de tecidos, referências à aventais e cinturas marcadas.
“Fiz uma brincadeira bacana de uma mulher extremamente sofisticada, mas que usa botina e tem referências da roça. É a valorização da zona rural, que eu acredito que seja o futuro. Acho que o futuro é rural e é legal que tem uma simplicidade que contrapõe com a alfaiataria e os tecidos chiques que estou trabalhando”, explicou.
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