O último dia da maratona verão 16 da São Paulo Fashion Week começou cedo, na loja- ateliê da FH, de Fause Haten, em Pinheiros. Em seu périplo para associar moda e arte, o estilista dessa vez faz um revival e apresenta uma coleção seguindo os critérios dos velhos tempos, tendo como modelo uma única cliente de verdade, Flavia Sayhoun – com proporções reais, de gente de carne e osso, não o biotipo peculiar de uma top model. Lúcido e realista, ele entende que, sobretudo em tempos de crise, a maior estrela é a consumidora de uma marca e que esta, muitas vezes, se faz representar pela figura da blogueira, aglutinadora de atenções no mundo atual. Assim, ele faz sua modelo vestir e despir roupas como se estivesse preparando o look do dia num exercício interessante de performance, talvez o mais curioso de todas as experimentações que ele já andou fazendo. Aliás, Fause mesmo fica na máquina de costura, fazendo ajustes e explicando tintim por tintim.
Em seguida, o desfile Africa Africans Moda foi apresentado.
De volta ao Parque Candido Portinari, a Apartamento 03 mostrou por que é uma das marcas mais sólidas do cenário atual. Dentro da premissa de oferecer um produto limpo, contemporâneo, urbano e conciso, Luiz Claudio, designer da marca, que desfila pela segunda vez na SPFW após presença no Minas Trend. Dessa vez, a inspiração é a espirituosidade e a religião, e por isso o estilista pesquisou as vestimentas dos clérigos para chegar a uma coleção essencialmente em preto & branco, onde peças do vestuário como camisas brancas e calças pretas ganham a bossa de amarrações, laços e repuxados para adquirir personalidade incomum. Um dos melhores desfiles dessa temporada.
“Fiquei feliz porque a moda começa a se distanciar do boho setentista e volta seu olhar para os anos 1960”. Com esse comentário em entrevista dada no backstage do seu desfile, Gloria Coelho se mostra feliz. Tudo a ver. Afinal, é sabido que essa década é xodó da estilista, que nunca deixa de se encantar com as possibilidades que o espírito mod pode proporcionar à moda atual. Ou pelo menos a sua moda. E é ela quem elucida a questão: “Temos um tripé nessa coleção. O uso do vinil nas peças, afinal a mulher adora brilho e, se ela curte, então vou dar a ela um completamente diferente. Temos também o esporte e grafismos com letras, algo significativo naquele tempo nas artes gráficas. E assim surge uma menina rica que está viajando num iate e leva um guardarroupa incrível para passear cada vez que o barco aporta em algum lugar bacana”.
Assim, ela mais uma vez reinventa sua década favorita, se divertindo com shapes na linha A, recortes gráficos e uma cartela de cores que traz off white, verde lago, bege, vermelho, azul claro, cinza e prata, além de bordô. “As pessoas andam acreditando que essa cor é invernal, mas eu tenho estado fascinada por ela”, conta Gloria, que fez uma de suas melhores coleções dos últimos tempos. E não há como negar que, com o predomínio dos brancos e pretos na passarela, ela quer porque quer vender bem nesse momento peculiar da moda atual. Claro que, nessa sua eterna investida pelo futurismo, sua porção viajante tinha que vir à tona: “O amor cura. E todo mundo na minha fábrica trabalha com muito amor. Logo esse amor surge na roupa. se o amor cura, minha moda cura”. Hum, papo para viajandão, mas quem disse que a designer não tem mesmo essa verve filosófica no trabalho e na vida?
Chegada à estilização levada às últimas consequências, Adriana Degreas mergulha em águas profundas e traz para sua moda praia referências como quilhas de pranchas e barbatanas de peixes com quem não se brinca jamais. Recortes e prolongamentos inspirados nas nadadeiras dorsais, espinhas cartilaginosas, arcadas dentárias e até os rabos dos tubarões imprimem ar futurista em peças que extrapolam o uso nas praias e piscinas para ganhar a terra firme, em festas de arromba, bem longe do habitat do terror dos mares. Obviamente, nesse exercício criativo, nem sempre o que se vê na passarela é usável na prática, mas quem disse que o trabalho da estilista não é uma delícia de ser visto?
Wagner Kallieno gosta de chamar atenção pela criatividade. Com uma coleção onde mesclava os anos 1970 com as pinturas abstratas de Joan Mirò, ele acabou deixando de lado aquilo que mais caracteriza a obra do pintor catalão – os rabiscos gestuais reforçados pelo uso das cores primárias – para desenvolver uma coleção de peças com boa cartela cromática. No âmbito geral, essa não foi sua melhor coleção. As modelagens podiam estar melhores, nem sempre os caimentos são primorosos e seu apreço por causar às vezes o distancia de bons resultados como o de sua estreia na SPFW, algumas temporadas atrás. Ainda bem que agora ele investe também no jeans, desenvolvido em parceria com a Dimy – e acerta a mão –, deixando para o final uma sequência ótima que poderia render um desfile inteiro. Vestidos-chemise brancos com amarrações e repuxados que são lindos de doer! No mais, bonitos os maxi colares de Maria Dolores.
A Amapô amadureceu bastante nas últimas temporadas, deixando de ser apenas uma grife de pirações moderninhas para os moderninhos, virando uma boa grife de moda jovem, dosando as criações conceituais de passarela com peças e montagens de primeira, tanto na modelagem quanto nos prints. Por isso, dessa vez Carolina Gold e Pity Tagliani – as meninas que tocam a grife – merecem um mini puxão de orelhas, ainda que a apresentação tenha sido divertidíssima, ao som de funk carioca e hits de Valesca Popozuda.
Com pegada meio new wave, cores fortes e assorvetadas, assimetrias, transparências, raios aplicados com pique de David Bowie e vestidos jeans com franjas, o desfile apresentou opções para quem pretende arrasar no badalo, algumas melhores, outras nem tanto. No frigir dos ovos, as últimas coleções foram superiores a esse pot-pourri de looks, inclusive aquela que foi reapresentada no final de março no Fashion Cruise, excelente. E tudo bem que misturar o astro do rock inglês com outras referências tão díspares quanto aeróbica e Barbarella não é tarefa fácil. Mas é de tirar o chapéu o fato de a Amapô ter uma legião de clientes tão fiel, tipo Flamengo ou Gaviões da Fiel.
Com um dos melhores cenários da temporada – em uma edição na qual a recessão comeu praticamente todas as verbas de cenografia –, a 2nd Floor trouxe o parquinho de diversão de Coney Island – na periferia nova-iorquina – para o verão brazuca. Para quem ainda não faz a devida associação, é preciso dar nome aos bois: esse ambiente é comum nos filmes de cinema e trata-se daquela divertolândia meio cafa, com brinquedos antiguinhos e jeito de quermesse, à beira-mar, perto de uma praia de águas paradas e nada charmosa, também recorrente nos filmes de cinema como “Coração satânico” (Angel Heart, de Alan Parker, 1987, com Mickey Rourke e Robert De Niro). Esse ambiente pode render um desfile cool, tanto na ambientação, quanto na coleção, muito jovem, com ótimas peças descomplicadas, boas estampas e o uso do efeito destroy, de bainhas sem acabamentos e costuras desfiadas, se encarregando de deixar o todo cult.
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