Nesta infindável maratona de desfiles por dia, a edição que comemora os 20 anos da São Paulo Fashion Week tem se caracterizado pela diversidade de propostas, muitas delas de alto teor criativo. Evidentemente, todos os holofotes estavam concentrados na despedida de Gisele Bündchen das passarelas, marcada para o último desfile da noite, o da Colcci. E, claro, a maior de todas as top models soube emocionar, com participação luminosa que rendeu comoção do público, sobretudo na reta final, quando modelos do calibre de Luciana Curtis, Mariana Bittencourt, Daiane Conterato, Aline Weber, Bruna Tenório, Caroline Ribeiro e Fernanda Tavares – estas duas abrindo o grupo, uma exigência da própria Gisele, comentava-se -, serviram de moldura para a entrada final da diva, todos vestindo camisetas com a foto da super top com dizeres tipo “The best is yet to come!” (o melhor está por vir, em tradução aproximada). Aliás, vocês podem ler todos os detalhes dos bastidores aqui!
Talvez seja uma das melhores coleções já desfiladas. Com muito preto e branco, vermelho e amarelo fortes, rendas, flores aplicadas, grafismos como animal print, poá e xadrez tartan, as peças abusam de contrastes, assim como as montagens, que serviram perfeitamente para a despedida da rainha das modelos. E a alfaiataria reinou quase tanto quanto Gisele, num exercício criativo que esteve à altura da celebração.
Neste terceiro dia de evento (15/4), após o retorno de Isabela Capeto ao centro do furacão fashion, foi a vez de Reinaldo Lourenço exibir coleção inspirada por um ícone da maior importância no universo do estilo: a escritora George Sand, amante de Chopin e responsável por solidificar em pleno século XIX a base da androginia moderna.
O estilista brinca com as peças do universo masculino como a camisa branca e a casaca nessa tradução para o guardarroupa da mulher, partindo do princípio que “hoje em dia, a apropriação dos itens deles por elas está cada vez mais frequente”. Okay, ponto para Reinaldo, que feminiliza a austeridade do preto & branco com azul e rosa pastel, além de usar babadinhos e palas românticas saídos dos jabôs dos dândis nessa sua viagem.
Para Alexandre Herchcovitch não existe espaço para a delicada “Moça com um brinco de pérolas”, o famoso quadro de Johannes Vermeer. Para o estilista, pérolas e mulheres se relacionam de uma forma bem mais poderosa, já que o seu verão traz como inspiração a tradição das “mulheres do mar”, coletoras de pérolas do Japão que mergulhavam nas profundidades marinhas para dar cabo do serviço. Bacana, e é a partir dessa premissa que o estilista brinca com o tema do seu jeito nada óbvio, reinventando formas e o uso de materiais. À primeira vista, pode até parecer que o assunto que deu origem à coleção não está lá. Sim, desfiles podem ser vistos por olhos desatentos ou destreinados. Mas nada que Alexandre faz é gratuito e elementos da alfaiataria oriental e o uso de matérias-primas que aludem à espuma do mar estão lá para quem quiser constatar que a pesquisa é fato.
Ao que tudo indica, o canto da sereia deve estar mesmo na moda. Depois da Triya na noite anterior, foi a vez de Ronaldo Fraga se inspirar nesses seres mitológicos para compor o seu verão, tendo como nome da coleção “Sereias da Penha”. Mas, como nada que o estilista faz é pouco elaborado, ele se encarrega de oferecer à SPFW sua devida porção-show. O mineiro já começa preeenchendo a passarela com cenário vivo onde mulheres de várias idades, vestidas tal como as entidades marinhas, peito nu e espelhinho de toucador na mão, servindo de moldura para a entrada das modelos, que pisam o chão forrado de plastibolha causando aquele barulhinho típico que – surpresa! – acaba parecendo o de pés na beira do mar pisando areia com conchinhas.
O que se vê em seguida é uma espécie de catarse, com uma sucessão de looks – um mais bonito que o outro – que trazem materiais trabalhados para evocar a espuma do mar. Tricôs com foil dourado em cru ou azul, jacquards com estampas de sereias, canutilhos sobre tule azul que se assemelham ao movimento das ondas, camadas de tecidos cortados em forma irregular para criar a impressão da sequências de ondas na arrebentação, conchas bordadas e vários outros recursos são usados para criar o efeito das profundezas marinhas, poesia pura. Na trilha sonora, predominam “Suite do pescador”, de Dorival Caymmi, e “Oração da Mãe Menininha do Gantois”, de Dona Canô, Maria Bethânia e Caetano Veloso.
Bamba dos tricôs elaborados, Lolita Zurita Hannud voltou cerca de 20 anos no tempo para se inspirar para a nova coleção. Agora, as referências para sua moda chique com silhueta alongada e refinado uso de cores vêm do filme “O jardim secreto” (The Secret Garden, de Agnieszka Holland, 1993) pequena obra-prima da cinematografia mundial. Portanto a delicadeza comparece no verão da Lolitta, amplificada por detalhes ultra femininos que caem como uma luva nas modelagens e padronagens. Efeitos de renda, tressê de couro e laisie são obtidos na matéria-prima base da estilista em um exercício da melhor qualidade, similar ao que Patricia Viera consegue fazer com o couro.
Nesta próxima temporada, a interpretação de temas étnicos anda a todo vapor. Entre eles, o Marrocos é uma das paragens que andam influenciando os estilistas. Também pudera. Com suas belezas exóticas, ele é prato cheio para o mundinho fashion pelo menos há quarenta e poucos anos, desde quando Yves Saint Laurent comprou uma casa em Marrakesh, o Jardim Majorelle, que se tornou ponto turístico. Não é à toa que essa exótica cidade serviu de tema para o fashion show da Ellus nesta terça-feira (14/4). Agora, é a vez da Salinas – desfilando pela primeira vez em São Paulo – pegar carona no país para fazer sua moda praia gatinha descolada. Mais especificamente usando com ponto de partida Essaouira, o balneário bacana desse recôndito árabe, banhada pelo Oceano Atlântico, paraíso de surfistas. Al-Suwayra na língua do Marrocos, que significa “a bem desenhada”.
No caso, a tradução para o português do nome da cidade cai como uma luva na coleção, pois o que se vê na passarela é uma belezura de peças e estampas naquele melhor estilo que Jacqueline De Biase e sua equipe sabem fazer. Primor define. Nessa comunhão entre surfwear, lifestyle e cultura muçulmana, predominam estampas de arabescos, mosaicos e até prints de coqueirinhos, aliás, os típicos palmeirais da região. Ah, as hot pants clochard são mesmo uma graça!
No mais, um certo aroma safári também faz parte do conjunto, que ganha a adição de complementos bacanas dos colaboradores habituais da marca: Claudia Savelli com suas bijoux originais (brincos e patches em forma de mandalas saídas da arquitetura local), Zerezes (óculos de madeira, lindos, lindos!) e a Melissa, que criou umas gladiadoras rasteirinhas com tiras feitas com os tecidos da coleção. Deve ser bom manter um time de parceiros constante; a cada edição o conjunto da obra fica mais afinado!
Vitorino Campos é como vinho. Com o tempo, vai envelhecer e seu paladar ficará cada vez mais apurado, sem precisar sequer de barril de carvalho para maturar. Ao invés de uvas, sua maturidade vem com uma coleção após outra, nas quais ele consegue manter seu espírito sem nunca deixar de surpreender. Dessa vez, ele aposta em um verão no qual a alfaiataria impecável e os vestidos são trabalhados seguindo dois vetores: o contraste entre preto & branco e tons pastel (rosinha, hortênsia, gelo e lilás) e o mix de estampas nos looks, com xadrezes gestuais e vichy. Entre os recursos que valorizam o seu verão, estão desde o uso de zíperes aparentes – que ganham viés decorativo – a tules bordadas com flor.
No seu minimalismo autoral, o designer ainda se apropria de algumas formas típicas dos sessenta e incrementa com lencinhos amarrados no pescoço (efeito de styling simples, mas que acentua a proposta) uma malha canelada grossa, que se encarrega de reforçar seu apreço pelo essencial e pelos shapes secos.
Ao que parece, esse terceiro dia de evento deu vazão àqueles estilistas que curtem ingressar em experimentalismos, de uma forma ou de outra. Depois das sereias de Ronaldo e do rigor formal adocicado por cores suaves de Vitorino, é João Pimenta quem engrena nesse caminho de criação, propondo peças que desafiam os rótulos de gênero, um novo olhar nesse seu périplo pela vestimenta masculina. Para ele, agora o importante é despir a roupa das atribuições de masculino & feminino para apresentar montagens que poderiam servir para ambos os sexos e que, portanto, funcionam bem para aquele homem que o estilista quer paramentar.
Valem vestidos tubinhos, vestidos-coletes, pantalonas com vincos típicos de terno e até paletós de tailleur que, somados a uma pesquisa de comprimentos variados – curto, médio e alongado – se desdobram em propostas perfeitinhas para o seu universo masculino. Bom, algumas mais, outras menos, todas na opinião de João. Muitos dão certo e é preciso ressaltar que boa parte da pesquisa do designer vem provavelmente da observação de peças do guardarroupa yuppie feminino oitentista, quando as mulheres voltaram sua atenção para as roupas dos homens, na busca por conquistar um lugar ao sol no mercado de trabalho. Aí, claro, o exercício de estilo até fica um pouquinho mais fácil. Mas nada que desmereça o resultado, seríssimo enquanto elucubração.
Dessa vez mais minimalista do que de costume, João Pimenta imprimiu na reta final aquele apreçozinho pelo barroco que lhe é tão caro quando apresenta looks em linho off white enriquecidos por aplicações em renda negra, assim outros em lã com arabescos aplicados e adamascados. Destaque para o tênis criado a partir de sapatos oxford, fruto da sua longeva parceria com a West Coast.
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