Rota da seda em versão minimalista, união de forças entre estilistas, amazonas montadas em cavalos Mangalarga, poderosas vikings femininas, bruxas celtas e até a reinterpretação fashion de um conto de fadas. Teve de tudo neste primeiro dia da 38ª edição da São Paulo Fashion Week, que transcorre durante a semana no Parque Cândido Portinari, na capital paulista. E, se tudo depender da fértil imaginação dos estilistas, o inverno 2015 promete ser fecundo em ideias. A começar pela Animale, que tradicionalmente abre o evento, primeira a desfilar mais uma vez. Com um bonde de gringas eslavas em seu casting, daquelas que são frias e louras, mas capazes de incendiar o catwalk, a grife carioca mostrou que a injeção de novo sopro pode fazer muito bem à si mesma. Agora com Vitorino Campos na direção criativa, a brand dos irmãos Claudia e Roberto Jatahy veio mais limpa, dentro daquele repertório que o estilista baiano tanto curte: talho exato, contemporaneidade no corte, detalhes com zíperes, dobraduras e assimetrias pontuais. Mais seca, mas nem por isso menos feminina, a coleção veio precisa, traduzindo a Rota da Seda que percorria a distância da China à Istambul em resultado pouco étnico, mas bem claro em sua proposta. A cartela de cores precisa, a pegada oversized, as camisas brancas usadas como fio condutor, as amarrações e as joias em cristal de quartzo se encarregam de dizer à sua clientela fiel que, no fundo, tudo permanece igual: ela pode continuar comprando na marca para se sentir poderosa, mesmo que o conjunto da obra tenha se tornado menos perua.
Fotos: Agência Fotosite (Divulgação)
Uma dá continuidade a um casamento que começou de levinho, há alguns meses atrás, quando sua estilista, Raquel Davidowicz, convidou o colega de profissão e amigo de mais de dez anos Geová Rodriguez para bordar umas camisetas e cardigãs para a marca em uma coleção-cápsula. A coisa deu certíssimo e prossegue, funcionando mais ou menos assim: o designer, residente em Nova York e lisérgico como poucos, segura um pouco sua onda e literalmente pinta e borda desenhos super bacanas em cima das peças de inspiração cool minimalista que a primeira adora. O resultado fica uma graça, bem rico e dentro do repertório urbano confortável da marca, que ganha certa irreverência rocker. Assimetrias, recortes e amarrações em cores neutras como preto, pedra e argila, com highlights de verdes profundos e tangerina, ganham aroma transgressor em peças que podem ser usadas por gente de todas as idades e que flertam com o espírito grunge destroy do início dos anos noventa, nas costuras e bainhas desfiadas, com destaque para as aberturas profundas nas costas. Para sublinhar esse espírito, o rock ao vivo do Ted Marengos faz os pezinhos do público balançar.
Fotos: Agência Fotosite (Divulgação)
Mineiro de nascença com alma de carioca, Victor Dzenk suaviza no print digital em estreia na passarela paulista, apresentando coleção equestre com jeitinho de gaúcho da fronteira. Sim, o estilista faz aquela moda que brasileira adora do Oiapoque ao Chuí: exuberante, sexy e cheia de estampas. Dessa vez, ele dá um tempo nos drapeados e repuxados que sua consumidora ama de paixão e diminui um pouquinho na profusão de grafismos, mas pega a rédea firme nas franjas. Afinal, quem é de Minas sabe comer pelas beiradas. A inspiração no cavalo Mangalarga Marchador é caminho aberto para referências que ele usa em sacações espertas, tipo alças em couro fininho que evocam estribos. No final, vestidos sexies curtos e midis ganham sobreposição de ponchos e camadas, mas o destaque vai para o efeito do plissé soleil que imprime movimento sobre o couro e chiffon. E, claro, como ninguém é de ferro, uma estampa de pelagem de cavalo pontua os tons de marrom, telha, preto e azul glacial, criando novo motivo para a cliente incrementar seu guardarroupa com mais animal print.
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Com Isabeli Fontana mais uma vez abrindo e fechando o desfile, Tufi Duek aposta na leitura contemporânea da cultura viking, em resultado estilizado, mas forte. Valquírias guerreiras irrompem a passarela na ótima tradução urbana que Eduardo Pombal faz de deusas nórdicas como Frigga e Sif, brincando com a feminilidade em fendas sob efeitos que lembram armaduras medievais, como maxi paetês azul metalizados, toques de vermelho, tecidos em ouro, pregas ou aplicações em cristal tcheco Preciosa. Com o preto como base, formas enxutas em tweeds, jacquard encerado e crepes de lã tem cintura marcada por cintos e remetem a armaduras, com destaque para as caudas que vêm da pesquisa nos uniformes de guerra. E, despindo os looks das leggings de couro e das botas com canos longos e amarração fetichista, há belos vestidos de festa, do jeito que a cliente gosta.
Fotos: Agência Fotosite (Divulgação)
Em seguida, a PatBo se deixa enebriar pelas Brumas de Avalon e investe em comprimentos curtinhos, midi e longos para evocar a cultura celta. Tubinhos com decotes pronunciados, vestidos com sobretudo, jaquetas com saia lápis e conjuntos com top cropped e calça comprida, arrematados por casacos que quase se arrastam pelo chão fazendo as vezes de mantos reais, remetem ao período medieval e invocam o brilho de arabescos bordados em pedraria e de jacquards preciosos, tudo quase sempre em preto e branco, com toques de rosa, vermelho e azul. No todo, a coleção procura impregnar o inverno de rica atmosfera de magia, renovando, através da brincadeira dos grafismos em bordados, a velha e boa fórmula comercial da roupa de festa com acabamento suntuoso.
Fotos: Agência Fotosite (Divulgação)
E, se este primeiro dia de SPFW enveredou pela sofisticação da montaria, embarcou nas expedições vikings e ainda deslizou pela magia celta, nada mais natural que desembocasse em pura fantasia. Usando o interesse atual do público, no cinema e na televisão, pelos contos de fada, a Cavalera fechou a noite apostando em “João & Maria” como ponto de partida para uma coleção cheia de bossa, com a devida dose do streetwear que carrega em seu DNA. Com direito a brochura que abre em pop up na cenografia e música bacana, a grife ainda trouxe uma penca de famosos na primeira fila, em época em que a presença de celebridades costuma ser mais rara nas semanas de moda: os cantores Otto, João Gordo, Luciana Melo e os atores Leticia Spiller, Pedro Neschling e Tainá Müller, a apresentadora Tatjana Ceratti e até o produtor de elenco e agora diretor de cinema Candé Salles. E, surpresa: sem avisar, no meio do show, Bruno Gagliasso entra passarela adentro e desfila dois looks, andar seguro, olhar compenetrado para compensar a estatura e cheio de firmeza. Mandou ver, mas sua boa presença nem faria falta, pois a coleção está repleta de charme.
Tudo mais ou menos assim: Para João (ou Hansel, se o leitor preferir a alcunha original da história), prevalece a ótima alfaiataria, com destaque para os sobretudos, paletós, calças e camisaria em ótimas padronagens. Para a Maria (ou Gretel), valem vestidos fluidos com bastante transparência, alguns longos, ricos em detalhes como babadinhos e nervurinhas aqui e ali, em locais estratégicos nas costuras, com sobreposição de peças mais estruturadas. E, para ambos, o print floral sobre fundo escuro surge em itens de dar água na boca. Como detalhes, golas em pelúcia colorida que, assim como os acabamentos nos calçados, remetem às gostosuras usadas pela bruxa para enfeitiçar o casal de irmãos. Mas, se o lance é feitiço, basta dizer que, quando o inverno chegar, quem vai ficar hipnotizado mesmo será o público. Tudo irresistível como uma lição dos Irmãos Grimm, simples assim.
Fotos: Agência Fotosite (Divulgação)
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