*Por João Ker
Assim como boa parte do universo, a GAP parece ter se cansado daquela rapaziada fashion freak e artificial que investe em looks cada vez mais montados e menos autênticos. Pelo menos é isso que eles estão dizendo através do novo slogan que norteia suas duas últimas campanhas de inverno e holidays: “Dress normal” (“Vista-se normal”, em tradução livre). Para a primeira leva de vídeos, que chegou à internet em agosto deste ano, o diretor vencedor do Oscar, David Fincher, responsável por filmes como “Clube da Luta” (“Fight Club”, 1999) e o recente “Garota Exemplar” (“Gone Girl”, 2014) foi quem dirigiu as propagandas minimalistas em preto e branco. Agora, para as festividades de fim de ano, é Sofia Coppola quem põe a mão na massa, impregnando a atmosfera dos feriados de Ação de Graças e Natal com sua estética do banal,
Ambas as coleções, de quatro vídeos cada, revelam aqueles valores da marca que realçam os ideais de “conforto, bom preço e autenticidade”. Fincher, com seu clima quase noir de excitação e ansiedade, traz vídeos em que uma garota aparece encharcada no banco de trás de um carro, enquanto tira seu jeans (“Drive”); um casal se pega na frente do espelho enquanto a menina admira a boa forma do seu derrière (“Kiss”); uma outra com cara de quem está no cio aparece flertando em um campo de golfe, toda rebolativa com suas calças GAP (“Golf”); e, por fim, a ânsia de outros dois pombinhos em uma cena onde havia uma escada no meio do caminho, no meio do caminho havia uma escada (“Stairs”). Tudo isso com atores e modelos até então desconhecidos e frases do tipo “roupas simples para você complicar” e “vista-se como se ninguém estivesse olhando”. Uma loucura! Mas isso foi para o inverno, causou seu impacto, mas já era.
Agora, enquanto Sophia Coppola se prepara para o lançamento da sua aguardada versão live action de “A Pequena Sereia”, começa a ser veiculada a nova fornada de comerciais da rede sob sua batuta, repleta de cor, humor e aquele climazinho-família de final de ano. Let’s celebrate! Da filha que foi morar fora e chegou para as comemorações, ao menininho prodígio que entretém todos durante a ceia e, ainda, uma situação um tanto quanto constrangedora embaixo de um ramo de visco, a diretora mostra como as roupas da GAP conseguem alinhar estilo pessoal e conforto para todas as idades e ocasiões, tudo baseado na mais recente onda do mundo fashion: o normcore.
A coleção, que só chega ao Brasil em meados de 2015, apresentam aquela clássica fornada de “peças-chave” que fez a presença da marca ir além daquele moletom que você compra no Free Shop quando vai à Disney: casacos, suéteres, jeans, camisas, blazers, com listras e materiais básicos que, bem alinhados, podem gerar um look autêntico e criativo para qualquer alma cristã. Isso tudo, aliás, vem embalado por outra marca registrada da filha de Francis Ford: a trilha sonora marcante, com clássicos de Johnny Cash, The Promise, Jolly Boys e Johnnie Ray.
Se o uso de um casting desconhecido para os comerciais de TV é algo estrategicamente pensado, as imagens que figurarão revistas de todo o mundo trazem grandes estrelas da TV internacional e que, de acordo com suas personas fictícias, cabem muito bem na filosofia que a GAP vem pregando desde o seu início, a qual precisou de um reforço depois que as vendas da mesma despencaram entre os anos de 2007 e 2011. Zosia Mamet, como a estranha e falante Shoshanna de “Girls”, aparece na série como o estereótipo da garota “normal”; Elisabeth Moss, a Peggy de “Mad Men”, traz o mesmo tipo de apelo para mulheres mais adultas, com uma personagem que não esbanja estilo, mas ainda assim deixa uma marca no guarda-roupa que salienta sua atitude irreverente; isso sem contar com Jena Malone, que vive a desbocada Johanna Mason na franquia “Jogos Vorazes”; o eterno ícone de estilo e elegância que é Anjelica Huston; e Michael K. Williams, que amplia a diversidade de etnia e gênero na campanha. A escolha de tais atores fala mais alto do que você pensa: ao contrário de escolherem o “role model” que sempre aparece na figura da magra, perfeita, com o rosto simétrico e os cabelos loiros, o casting representa a gama de “pessoas comuns” que, se a aparência não traz a beleza convencional, a personalidade marcante e o talento inegável fazem com que eles se destaquem mais pelo que são do que pelo que aparentam ser.
No lado de baixo da linha do Equador, a Hering vem trazendo o mesmo tipo de proposta. Fundada em 1880, a marca já se estabilizou no mercado nacional como aquela loja certeira para quem consome o vestuário “básico” (quem nunca passou na loja para comprar uma camiseta coringa branca ou preta que atire a primeira pedra!) e nunca aparentou nem tentou ser mais do que isso. Atualmente, sua campanha traz frases como “o que você veste não muda quem você é” e “roupas não dançam até o amanhecer”. Ou seja, seguindo essa filosofia, o guarda-roupa é apenas uma expressão de quem você é não o aspecto que dita isso para você mesmo e para o mundo. A brand não abre mão dessa filosofia, ainda que faça uso do suprassumo do star system nacional em sua imagem institucional para alavancar vendas.
O que HT acha disso tudo? Que esta é uma tecla na qual já se bateu inúmeras vezes e que deveria ser levada mais a sério. O vestuário revela, sim, grande parte da personalidade de um indivíduo, talvez a mais sincera forma de expressão que entrega, aina que à revelia, quem ele verdadeiramente é. Mas, ao mesmo tempo, essa não é a única maneira de posicionamento do mercado e, quem sabe, muito menos a principal. O pretinho básico ou o jeans com t-shit têm seu valor e ninguém é obrigado a estar impecavelmente montado full time. Elegância, antes de extravagância: esse é o mote subliminar de marcas como Hering e GAP. Como já dizia Gianni Versace: “Não deixe a moda te dominar, porque é você quem escolhe o que você é, o que quer expressar através da maneira com que se veste e a maneira como quer viver”.
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