*Por João Ker
Agosto está em curso e, no universo das revistas de moda internacionais, isso significa apenas uma coisa: setembro está chegando. Para quem não sabe, este é indubitavelmente o mês mais importante para as publicações do hemisfério norte. É quando começa a comercialização das coleções de inverno e quando elas são apresentadas para o público nos editoriais de moda. O nono mês do ano é o responsável pelas maiores edições confeccionadas, a maior quantidade de dinheiro investida (e abocanhada) e é também quando a disputa por uma estrela na capa se torna quase uma Guerra Fria entre editoras, que elevam o nível do casting, do styling, dos hormônios das equipes de produção e da criatividade ao mais alto patamar possível. É a “virada de ano” que já foi até registrada no documentário “The September Issue” (2009), mostrando a correria da mega editrix Anna Wintour para lançar o exemplar da Vogue americana com Sienna Miller na capa.
Panorama contextual armado, é interessante ver como alguns ícones e personalidades do mundinho fashion podem equivaler a um pretinho básico sem nunca saírem de moda. Neste ano, como em todos os outros, ocorre a clássica exposição das maiores supermodels, comumente figurinhas fáceis nestas edições. Ainda assim, há uma dentre elas aquela que conseguiu (mais uma vez) elevar o nível do jogo: Naomi Campbell. A duradoura diva britânica, apresentadora do reality show “The Face” e forte candidata a se tornar o Dorian Gray do novo milênio ganha o centro de uma das capas mais emblemáticas do mês, a da Vogue japonesa, que presta um tributo ao time das maiores modelos vivas e com carreiras estabilizadas, algumas até semi aposentadas: Claudia Schiffer, Stephanie Seymour, Eva Herzigova, Natasha Poly, Linda Evangelista e muitas outras, entre legendas que conseguiram manter suas carreiras relevantes ao longo das últimas décadas (mesmo quando a pele de pêssego lhes virou as costas), aparecem sob o título “Perfect Icons”, em uma capa que se desdobra em três e lembra levemente a última campanha de verão da Prada. Mas por quê Naomi se destaca? Bem, a deusa de ébano recebe na publicação um editorial à parte, “Tokyo Love”, com direito a styling extravagante de igualmente extravagante Anna Dello Russo e direção criativa do amiguinho Riccardo Tisci.
Sem cessar, sem parar, sem vacilar, a ebony star também é uma das escolhida para a edição da W (que recebe mais destaque abaixo) como representante de mais de uma geração de black ladies, ao lado da veterana Iman e da “novata” Rihanna. Ah sim, sem contar que na Vogue britânica ela também é homenageada com um editorial exclusivo feito por Bruce Weber, celebrando a sua essência originária do sul de Londres. E calma, porque ainda há rumores de que Miss Campbell será a estrela da Interview, com um dos ensaios mais ousados da dupla Mert Alas & Marcus Piggott. É esperar para ver.
Talvez, a única pessoa capaz de desbancar o estrelado sublime da negra seja Lara Stone e sua dobradinha com Kate Moss. As duas colaboraram para Vogue britânica com um editorial que é um must, ainda mais considerando que a segunda praticamente não comparece aos ensaios neste mês. Kate assinou o styling cheio de lobos e roupas sensuais, repetindo para a revista o servicinho que já havia feito com Daria Werbowy, e convidando o ex-affair Mario Sorrenti para clicar as imagens protagonizadas pela primeira. Lara, que voltou a trabalhar recentemente após ter tirado uma folguinha desde o ano passado para cuidar do filhote recém-nascido, tem ganhado campanhas e capas aos montes, mostrando que há um enorme interesse do público por sua figura pós-maternidade.
Neste mês, ela foi escolhida para a capa da Vogue holandesa e ainda recebeu a tal missão, de mão beijada, para estrelar este editorial especial na edição britânica da revista, com a produção da ex-heroin chic british star. As duas repetem a dose para a W, que também resolve homenagear as modelos e mistura gerações no editorial mélange geral “Supernormal Supermodel”, estrelado por Kate (sem bancar a stylist dessa vez), Lara, Daria, Amanda Murphy, Saskia de Brauw, Mariacarla Boscono, Meghan Collison, a brasileira Raquel Zimmermann, Suvi Kuponen, Anna Ewers, Mica Arganrarz, Daan Van Der Deen, Flip Hrivnak e Steve Milato. Ufa!
E calma que a supremacia das modelos não acabou e volta com tudo este mês. Outro time estreladíssimo é o selecionado para Vogue americana sob o título de “The Instagirls!”, com Joan Smalls, Karlie Kloss e Cara Delevingne no centro (esta conseguiu fugir da regular exclusividade americana, sabe-se lá como, e estampou também a capa da versão britânica da revista). Pouco se sabe sobre esta edição – que ainda não foi oficialmente divulgada -, mas dizem as boas línguas que o exemplar é uma capa tripla, assim como a da Vogue japonesa, e ainda trará tops como Arizona Muse, Edie Campbell, Fei Fei Sun, Vanessa Axente, Imaan Hammam e Andrea Diaconu em uma time tão diversificado de megamodels, assim como não era visto na capa americana há dez anos quando, em setembro de 2004, as “Models Of The Moment” eram representadas por Natalia Vodianova, Daria Werbowy, Gisele Bundchen, Isabeli Fontana, Karolina Kurkova, Gemma Ward, Karen Elson e outras gigantes das passarelas.
Ao escolher modelos para a edição mais importante do ano, Anna Wintour faz uma declaração nas entrelinhas. Foi ela a editora quem começou a tendência de colocar celebridades em capas de moda, substituindo os corpos e padrões inalcançáveis das perfeitas belezuras das passarelas. Com o passar dos anos, a febre foi se espalhando e as tão almejadas modelos foram perdendo um pouco da soberania nas capas, dando vez às estrelas de Hollywood, da tevê e da pop music. O ápice da celebrity-fever aconteceu em abril deste ano, quando a infame Kim Kardashian ganhou finalmente a sua tão esperada capa na “bíblia da moda”. Pessoas da indústria, público e modelos, incluindo Naomi Campbell, se mostraram desfavoráveis à escolha e até uma petição online foi criada para que as pessoas cancelassem suas assinaturas da revista. Agora, Wintour parece tentar voltar às raízes ao mesmo tempo em que faz uma manobra editorial e coloca o Instagram como gancho para o uso de modelos. Bem, juntando esta com a japonesa e com o editorial da W, o martelo está batido: a era e o poder do glamoroso mundo das modelos volta com força total, mesmo que agora a sua embaixatriz seja Cara Delevingne, com suas caretas bizarras. E, considerando que, nesta década, há o natural review dos anos 1990 – era absoluta das supermodels – faz todo sentido o retorno das top models ao olho do furacão.
Sempre é bom importante lembar que até mesmo Hollywood, que havia perdido espaço para o mundo da moda no momento em que, nos anos 1970, abdicou da beleza apolínea das vênus platinadas em busca de personagens comuns, sem o menor glamour, somente recuperou seu prestígio como fábrica lançadora de mitos na segunda metade da década de noventa, quando resolver emular o mundinho das passarelas e voltar a lançar celebridades de carisma superior e de primeiríssimo quilate no quesito luxo, como Nicole Kidman, Catherine Zeta-Jones ou Cate Blanchett., seguidas pelas estrelas da música como Beyoncé. Daí em diante, a supremacia das estrelas do cinema foi avassaladora e, pouco a pouco, foi engolindo o reinado das top models. Mas, ao que tudo indica, a briga de foice entre a moda e o show bizz parece voltar a pleno vapor, com todos esses star systems se digladiando por um lugar ao sol no panteão das novas Afrodites.
Falando em celebridades, algumas estrelas internacionais também conseguiram uma capinha para chamar de sua. No quesito sétima arte, a atriz que se destaca é Kristen Stewart. A ex-vampirinha, tão expressiva quanto um copinho de isopor, arrebata nada mais que a Elle americana – parece que ela fez uma campanha para a Chanel, que anuncia nesta edição, mas okay – e, ao lado de Juliette Binoche, conseguiu a capa das versões russa e alemã da Interview para divulgar o próximo lançamento cinematográfico das duas, “Clouds Of Sils Maria”, dirigido por Olivier Assayas e nomeado à Palma De Ouro do Festival de Cannes. Por sinal, apesar de a Harper’s Bazaar e a Elle terem se rendido aos “encantos” de Karl Lagerfeld, a grife vencedora do mês foi sem dúvida Louis Vuitton. Aparentemente, a indústria fashion aceitou de braços e bolsos abertos a nova direção criativa de Nicholas Ghesquière, que conseguiu para si as Vogues chinesa, russa e duas das mais importante, a francesa e a britânica. Confira!
O mundo da música, claro, também tem sua aparição no mês de abertura do inverno. Carine Roitfeld exerce sua soberania como diretora global de moda da Harper’s Bazaar e publica um ensaio que reuniu o seu “dream team” de inconfundíveis e inesquecíveis ícones. O time é realmente pesado e reafirma mais uma vez o poder das modelos: Linda Evangelista, Claudia Schiffer, Lara Stone, Brooke Shields, Cindy Crawford, Lauren Hutton, Mariacarla Boscono, Joan Smalls, Stephanie Seymour, Isabeli Fontana, Laetitia Casta, Eva Herzigova, Iman e Gigi Hadid foram fotografadas por Karl Lagerfeld assim como Penélope Cruz, Stacy Martin e… Lady Gaga. Sempre excêntrica, a escolha de Gaga para uma edição que pretende homenagear “ícones da moda” é no mínimo suspeita.
Sua recente campanha para a Versace foi um fracasso, o figurino da sua atual turnê é mais excêntrico que o normal e a cantora vem perdendo a sua popularidade a cada dia que passa. Claro, a escolha apropriada para tal representação poderia, quem sabe, ser Rihanna, ainda mais depois de a menina ter ganhado o prêmio de ícone no CFDA Awards. Mas há duas possíveis explicações para isso não ter acontecido: a primeira, Riri já estava reservada pela W, que foi mais esperta, saiu na frente e colocou a menina na capa com um styling diferente de tudo o que ela já havia feito e fotos assustadoramente glamorosas e requintadas de Mert Alas & Marcus Piggott. Em segundo lugar, Carine quis dar mais uma vez aquela boa e velha alfinetada em Anna Wintour, provando que não é regida pelas regras da “Rainha de Gelo”. Afinal, foi a própria Wintour quem entregou e defendeu o prêmio de “ícone” para Rih. De qualquer maneira, entre a estranheza mutante de Gaga e o estilo boyish sempre mutável de Rihanna, o mundo da moda escolhe a última.
Nesse jogo de capas mais poderosa que poker, ainda falta uma grande contribuidora para o panorama geral: a Vogue italiana, que é conhecida sempre por ser a última a liberar seu material. Agora, apenas Franca Sozzani pode virar o jogo. Até lá, Naomi Campbell, Lara Stone e o time de supermodels continuam como soberanas supremas de 2014 nesse Game of Thrones.
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