Muito se discute a perspectiva do esgotamento dos recursos naturais em um planeta que é cada vez mais populoso – atualmente, somos mais de sete bilhões de pessoas no mundo, com um relatório das Nações Unidas estimando que chegaremos a 9,7 bilhões em 2050. Nesse cenário, a indústria da moda tem buscado alternativas significativas para a mudança de atitude em toda a cadeia produtiva alcançando o consumidor e investido forte no combate ao desperdício e na valorização das pessoas. Conforme abordamos aqui no site já a questão da população do planeta tomar consciência da necessidade de controlar o que se descarta tem sido a tônica do movimento Zero Waste, que ganha mais e mais adeptos todos os dias no Brasil e no mundo e cujo objetivo é reduzir a zero a quantidade de lixo produzido em todos os ambientes. Nesta nova webinar, parte integrante da Semana Fashion Revolution, o SENAI CETIQT promoveu o bate-papo com o tema “Moda, sustentabilidade e consumo consciente”, com a consultora Angélica Coelho, que atua no Instituto SENAI de Tecnologia (IST) no desenvolvimento de produtos no Fashion Lab voltado para a indústria da moda, e Chris Rangel, também do IST e head de conteúdo da plataforma de conteúdo Inova Moda Digital, que terá uma janela especial sobre projeto de consumo consciente. A mediação ficou a cargo da professora Diva Costa. “O grande objetivo da Fashion Revolution é a conscientização. Sabemos que há muito o que melhorar e nós somos os agentes dessa mudança”, afirma Diva logo no início da troca de idéias.
Tenho mostrado aqui no site que o empoderamento das equipes consiste em proporcionar aos colaboradores da cadeia produtiva informações e ferramentas necessárias para que possam assumir responsabilidades, propor soluções inovadoras e atuar com mais independência, melhorando resultados e aumentando motivação. O conceito de capitalismo consciente é parte integrante da construção de branding que permeia as mais diversas empresas. O conceito de capitalismo consciente é baseado em quatro pilares: propósito maior, cultura consciente, liderança consciente e orientação para stakeholders. uma forma diferente de pensar, enfatizando o aspecto humano das empresas. O capitalismo consciente vê a empresa como um grupo de pessoas trabalhando umas com as outras para tornar suas vidas melhores e, consequentemente, o mundo.
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Anualmente é realizada a Semana Fashion Revolution, uma campanha que acontece no Brasil e no mundo e está em sua sétima edição. A ideia é lembrar as vítimas do desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh, no qual morreram 1.134 pessoas, sendo a maioria trabalhadores de confecções que forneciam para grandes marcas do varejo mundial. A Fashion Revolution usa a hashtag #QuemFezMinhasRoupas (#WhoMadeMyClothes, em inglês) com a intenção de trazer visibilidade aos trabalhadores e exigir do setor mais transparência e ética em suas atividades.
E é justamente a transparência nos processos da indústria da moda uma das bandeiras levantadas por Angélica Coelho e Chris Rangel. Durante a webinar, elas usaram o jeans como estudo de caso, mostrando que a peça, tida como simples e básica, é um produto bastante complexo, que envolve diferentes materiais e muitos processos em sua fabricação. “Uma calça jeans gasta, em média, 3.400 litros de água para ser feita. O equivalente a 40 banheiras cheias de água. Não é só na lavagem, vem desde o plantio da fibra de algodão até a entrega na casa de quem comprou. Fora a pegada hídrica, que é quantas vezes a pessoa lava essa roupa. Segundo o Banco Mundial, a indústria têxtil é responsável por 20% da água poluída no mundo”, afirma Angélica.
Chris Rangel ressalta que o exemplo do jeans serve para qualquer outro produto de moda que seja desenvolvido. “São produzidas mais de dois bilhões de calças por ano. Se a gente parar para pensar, uma calça jeans não acaba. Se rasgar, hoje em dia está na moda calça rasgada; qual é o tempo de duração dessa calça para você produzir tantas por ano?”, questiona. “Além do modismo, a gente tem uma variação de preços absurda dentro de um mesmo produto. Para fazer uma calça (um par) de jeans, você emite 32,5kg de gás carbônico na atmosfera. São vários processos: plantio do algodão, a fibra, tingimento, costura, laqueação, acabamento, lavanderia. É um dos produtos que tem o maior número de processos. E cada um deles contamina de uma forma diferente”, acrescenta.
No caso do Brasil, uma boa notícia. A Vicunha, por exemplo, é um caso de empresa nacional que se preocupa com a parte do processo de fabricação de jeans que é muito relacionada à água. “Tudo é estudado para que eles possam usar menos água na produção do jeans e reduzir os produtos químicos que são lançados nos rios. É preciso criar metas que melhorem esses números e façam a gente pensar desde a produção das peças até a manutenção em casa”, explica Chris. “No processo de entender do que é feita a minha roupa, a transparência é fundamental, para que você não só aprenda, mas eduque o consumidor. Marcas estrangeiras se expõem, dão a cara a tapa, e isso é muito legal”, diz ela.
O upcycling de primeira mão é um exemplo de inciativa adotada em outros países na qual o Brasil poderia se inspirar. A técnica consiste em retrabalhar uma peça em estoque, de forma que vire nova. “Por exemplo, uma calça jeans com um defeito ou um problema na parte de baixo da perna pode ser cortada e transformada em bermuda ou short. A parte que sobrou ainda pode ser usada para fazer uma outra composição”, ensina Chris Rangel. “Pensando no upcycling dentro de uma empresa, isso é feito como um processo. Com o desmontar das peças ou redesenhá-las a fim de que gerem um novo interesse. No exterior, muitas empresas trabalham com reciclagem mecânica de sobras e descartes, bem como poliéster reciclado. As marcas se esforçam para assumir a responsabilidade, desde a matéria-prima até o fim da vida útil do produto”, observa.
Angélica Coelho frisa que, em sua maioria, a indústria da moda não é sustentável. Por isso, a tendência é que mude sua maneira de operar. “Atualmente, se pensarmos em toda a produção de moda, entendemos que somente 25% de tudo que é produzido é reciclado. Se juntarmos a indústria da moda com o restante das indústrias, menos de 1% de tudo que é produzido no mundo volta reciclado como uma roupa nova. Fibra feita de garrafa PET está dentro desse 1%. Se você imaginar que, além da moda, temos outras indústrias, e somente 1% disso a gente volta a vestir, vemos que tiramos recursos demais para fabricar esses produtos – e aí estamos falando de recursos naturais, fibras naturais e fibras artificiais e sintéticas. Tudo isso vem do solo e ainda não é transformado. É necessário pensar e planejar muitas ações”, pontua.
Para Angélica, os dados mostram que o jeito tradicional de fazer as peças no setor têxtil está chegando ao limite. “Com o crescimento da população mundial, são mais pessoas consumindo e empresas precisando fazer mais produtos, para aumentar a oferta e entregar tudo de maneira mais rápida, porque o cliente vê na internet, compra e quer que chegue logo. Começamos a entender como é desacelerar esse olhar nesse período de pandemia, em que nada está tão à disposição assim e percebemos que não precisamos dessa urgência toda”, aponta.
Por falar em consumo, Angélica lembra de um vídeo da Semana Fashion Revolution de 2018, retratando uma experiência que levava a refletir sobre o custo das roupas que estão à venda. Em uma loja fictícia, havia uma vitrine que atraía as pessoas com produtos a preços bastante convidativos. Ao mesmo tempo, era exibido um vídeo mostrando, na indústria da moda, o que estava por trás daquele preço atraente. “Algumas vezes, quando vemos uma liquidação, o coração dá uma palpitada e a gente começa a entender que não precisaria daquilo, só que a oportunidade é imperdível. Mas o que custa e quanto vale aquela peça? O que está por trás da produção daquilo?”, provoca. “Quantas horas por dia uma costureira se dedica para ter a produção e entregar a sua peça na velocidade que você gostaria? Ainda temos trabalho escravo e não é uma coisa que vem só do outro lado do mundo, está muito mais próximo do que a gente imagina, e a quantidade é muito grande. Vendo uma experiência como essa, começamos a entender como aquilo está ligado a nossas escolhas e qual é o nosso papel como consumidores”, argumenta.
Segundo Angélica, o momento de pandemia do coronavírus serve para as pessoas notarem que, ao fazerem compras, mais do que consumidores, são investidores, com responsabilidade sobre uma parcela do impacto positivo ou negativo daquela empresa no mundo. “É hora de olhar para dentro e começar a perguntar mais, questionar mais, para que a gente mude a maneira como a moda é feita e usada. Hoje, menos de 50% da indústria da moda está atenta a pontos de consciência, como trabalho justo, sustentabilidade e escolha de materiais renováveis”, esclarece. “Se você entrou em liquidação na sua empresa, projetou errado. Não acompanhou essa demanda, não entendeu o que o consumidor está pedindo. A gente vem de um período de Natal, chega o carnaval e aquela queima de estoque não acaba nunca. Imagine a quantidade de produto fabricado. É preciso pensar o que a gente consome de uma maneira mais ampla”, avisa.
A indústria têxtil precisa estar integrada ao conceito de moda circular. “É preciso começar a perceber o valor das condições justas de trabalho. Não falamos só das costureiras, mas sim de todo o processo. Transparência e consciência tem a ver com isso, como a indústria da moda não oprime nem causa pressão a esses trabalhadores. Que ela seja mais acolhedora e mas empática”, torce.
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