SENAI CETIQT: webinar mostra como o upcycling ressignifica a moda com sustentabilidade


Amanda Vasconcelos, professora de Design do SENAI CETIQT, conta que o upcycling já é uma realidade na indústria da moda e no mercado, diminuindo tanto a quantidade de resíduos lançados no planeta quanto a necessidade de produzir matéria-prima. “Durante muito tempo, a preocupação com a sustentabilidade foi tratada como um diferencial. O upcycling se encaixa no (re) design inteligente, na oferta de serviços que apoiem o ciclo de vida dos produtos e no tratamento adequado dado a todos os restos, com ênfase em compostagem, reciclagem e reuso”, pontua

Uma jaqueta jeans ganha outra cara com o upcycling (Foto: Divulgação/Fashion Revolution)

Criar, renovar e ressignificar peças e materiais, com a pegada da sustentabilidade, é a proposta do upcycling, conceito que já é adotado em outros países e está ganhando força no Brasil. Também em sinergia com o movimento slow fashion ou movimento maker, a proposta se baseia em dar nova vida a produtos que seriam descartados, sejam roupas ou sobras da indústria têxtil, diminuindo tanto a quantidade de resíduos lançados no planeta quanto a necessidade de produzir matéria-prima. Na webinar “Upcycling”, promovida pelo SENAI CETIQT dentro da programação da Semana Fashion Revolution 2020, a professora de Design de Moda Amanda Vasconcelos e ex-aluna da faculdade mergulhou no tema e mostra como as marcas vêm trabalhando com a proposta no mercado. “O upcycling deve estar no DNA da marca e é um (re)design inteligente. A ideia é ganhar as ruas cada vez mais”, diz Amanda.

O upcycling está em sintonia com a hashtag #QuemFezMinhasRoupas, lançada pela Semana Fashion Revolution para fomentar o debate em torno da urgência em exigir do setor mais transparência e ética em suas atividades, trazendo visibilidade aos envolvidos em todas as etapas da cadeia da moda. O movimento global surgiu depois que, em 24 de abril de 2013, morreram 1.134 pessoas no desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh. As vítimas eram, em sua maioria, trabalhadores de confecções que forneciam para grandes marcas do varejo mundial.

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Amanda Vasconcelos: “Upcycling já é realidade na indústria e no mercado consumidor” (Foto: Reprodução Internet)

De acordo com uma pesquisa da Ellen MacArthur Foundation, a produção global de roupas quase dobrou de 2000 a 2015 e continua crescendo. Ao mesmo tempo, o número de vezes em que cada peça é usada caiu 15%. “O fast fashion estimulou muito o consumo e gerou essa cultura da descartabilidade, na qual as pessoas se desfazem de peças ainda novas”, pontua Amanda. Dados de 2017 da Global Fashion Agenda, junto com The Boston Consulting Group, mostram que 73% das roupas no mundo acabam em aterros, reforçando a segunda posição da indústria da moda na lista dos maiores poluidores em todos os campos. “Somente no Brasil, são geradas por ano cerca de 170 mil toneladas de lixo têxtil, referentes apenas à sobra do corte das roupas”, observa a professora.

Amanda acredita que o período de pandemia da Covid-19 e o isolamento social contribuem para acelerar a transição da indústria da moda do sistema de produção linear para o circular. “‘Circular is the new black’. A moda circular é o novo black. Não tem mais como fugir de pensar no ciclo de vida do produto, o que fazer para aumentar o tempo de uso de uma roupa ou um material, evitando que gere impacto ambiental e social. É impossível continuar produzindo e consumindo da forma que vínhamos fazendo”, afirma ela. “A tendência é que a moda se torne muito mais sustentável, com ênfase na importância das pessoas que integram essa cadeia e na origem dos materiais”, acrescenta.

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Reaproveitar peças que andavam esquecidas é uma das maneiras de aderir ao upcycling (Imagem de Irina L por Pixabay)

Entre os princípios da moda circular, estão: design com propósito; foco na longevidade, biodegrabilidade e reciclabilidade; origem e produção locais, sem toxicidade, com ética e mais eficiência; reuso, reciclagem e compostagem de todos os restos; cuidado no uso, na lavagem e no conserto das peças; em vez de levar para casa algo novo, apostar em troca, segunda mão ou (re)design; e fazer compras tendo em mente a qualidade, em vez da quantidade. “Durante muito tempo, a preocupação com a sustentabilidade foi tratada como um diferencial. O upcycling se encaixa no (re) design inteligente, na oferta de serviços que apoiem o ciclo de vida dos produtos e no tratamento adequado dado a todos os restos, com ênfase em compostagem, reciclagem e reuso”, reafirma.

Amanda aponta outra vantagem do upcycling: dar solução, no período pós-pandemia, aos estoques acumulados em lojas e fábricas. “Não é só lidar com a sobra de material, mas também combater o desperdício proveniente dos processos produtivos. A ideia é transformar o que já existe em algo de maior valor, uso ou qualidade, desconstruindo a modelagem engessada e evitando a produção de novos materiais, com o menor gasto possível”, explica.

Sobras de tecido dão origem a novas peças (Foto: Divulgação/Fashion Revolution)

Mas nem toda ação que transforma uma peça é upcycling. A professora de Design de Moda esclarece que é preciso ficar de olho para não confundir a proposta com customização. “Cortar uma calça jeans, fazer um short e acrescentar detalhes em um bolso não é fazer upcycling, é customizar, porque você gera descarte – as pernas cortadas da calça – e aplica novos elementos. A ideia do upcycling é trabalhar com o que você já tem, tentando não gerar resíduos e sem recorrer a outros processos. Um exemplo é o trabalho da designer Luci Hidaka, que faz roupas a partir de calças jeans, desconstruindo as peças, testando possibilidades e usando materiais e modelagens de forma inusitada”, frisa Amanda.

O trabalho de designer de moda também muda ao fazer upcycling. “A pessoa vai ter que lidar com uma série de limitações. É um design por restrição, porque não pode ter impacto e precisa usar os materiais disponíveis. Essa é a grande diferença para o DIY (Do It Yourself) e a customização, que se preocupam mais com a questão estética e a identidade. Nesses dois casos, você faz para si mesmo. É diferente de um projeto de design em que se pensa no público, no mercado e em como agregar valor ao produto”, pondera Amanda.

Calças jeans se transformam em novas roupas pelas mãos de Luci Hidaka, que faz upcycling (Foto: Reprodução Internet/site Luci Hidaka)

Além de Luci Hidaka, Amanda destaca outros brasileiros que aderiram ao upcycling: o coletivo Revoada (design vital, reinvenção e impacto positivo), que desenvolve acessórios usando guarda-chuvas e câmaras de pneu, mas também dá consultoria para empresas das mais variadas áreas sobre reaproveitamento de produto, impacto social e utilização de mão local; a Cavalera, por exemplo, fez bolsas com sacos de cimento, a Insecta, especializada em calçados veganos, todos feitos a partir do reaproveitamento de material; a Renner, cuja coleção Moda Praia 2018/2019 usava sobras de tecidos; o coletivo Up, formado por artistas e empreendedores, do qual Luci faz parte; a Re-Roupa, que faz parcerias com marcas como a Farm; a Comas, que usa camisas masculinas como matéria-prima; a Think Blue, cujas peças são de material reciclado; a Contextura, que reaproveita resíduos têxteis e cria novas textura; e a Colibrii, fabricante de bolsas e mochilas a partir de cintos de segurança e guarda-chuvas. “As empresas que fazem upcycling no Brasil adotam um modelo de negócios híbrido, com fabricação de produtos e oferta de serviços, como consultoria e capacitação. Vale lembrar que esse conceito não se aplica somente à moda. É encontrado na decoração, na arquitetura, por exemplo”, conta ela.

Apesar da pegada sustentável e moderna, a prática do upcycling vem de muito tempo, só não tinha esse nome. Um exemplo são as cartilhas “Make do and mend”,  que existiam no Reino Unido na época da Segunda Guerra Mundial e ensinavam as mulheres a reaproveitar roupas, como por exemplo, o eterno tailleur. Atualmente, marcas como Reet Aus, da Estônia, Kuon, do Japão, zero waste daniel, dos Estados Unidos, Raeburn, da Inglaterra, Benu Berlin, da Alemanha, e Jahnkoy, da Sibéria, produzem suas peças dentro desse conceito. “O material conduz o criativo e trabalhar com upcycling ainda é um desafio dentro da indústria, principalmente por conta do mau estado de conservação de algumas peças, de ser um processo produtivo mais lento e que precisa pensar no abamento final. A parte criativa trabalha junto com a produção, analisando as possibilidades em função do material disponível”, conclui Amanda.