Nas minhas idas aos eventos promovidos pelo SENAI CETIQT, ativo no ecossistema de inovações nacional e internacional no que tange aos projetos com tecnologia de ponta em prol do meio ambiente, incluindo um Núcleo de Sustentabilidade e Economia Circular (NuSEC), criado com o intuito de desenvolver soluções que promovam a sustentabilidade e a economia circular como parte integrante das estratégias de negócios e operações da indústria têxtil e de confecção, entre outros diversos projetos, tenho observado o feedback importantíssimo dos alunos das gerações Y e Z do maior centro latino-americano de produção de conhecimento aplicado à cadeia produtiva têxtil, de confecção e química, e referência em tecnologia, consultoria e formação de profissionais qualificados. Eles estão totalmente inseridos no ambiente digital e conscientes do papel que devem desempenhar desde muito cedo para buscar soluções inspiradoras relacionadas à economia circular por um mundo melhor, pois não teremos um novo planeta Terra. Gerações com habilidades em alta potência em tecnologia, IA, e que podem desenvolver soluções disruptivas para impulsionar a transição para uma economia mais circular. A área de Educação Profissional e Superior do SENAI CETIQT, pioneira em uma série de cursos vanguardistas, tem disponibilizado inúmeras oportunidades de aprendizagem voltadas para a economia circular, o que têm atraído aqueles que querem contribuir para uma mudança nas cadeias de produção aliando crescimento econômico, sustentabilidade e uma vida melhor.
Pensando no cenário que vem sendo aos poucos desenhado com empresas deixando de adotar processos lineares de produção e buscando alternativas para a circularidade, o boom do second hand, a revenda de acessórios ou roupas de segunda mão, e do uso cada vez maior do upcycling, movimentos da moda que estão pulsando em ações, fui conferir um webinar promovido pelo SENAI CETIQT e que está no Youtube há algum tempo sobre “Práticas de Economia Circular e sua Importância para a Indústria“. Um bate-papo abrangente e que lança luz sobre o tema. O encontro virtual contou com a participação de Isabella Scorzelli, especialista em economia circular e mestra em Sustentabilidade pela PUC Rio; do CEO da empresa de consultoria Upcycle, Diego Iritani, mestre e doutor pela USP; e do advogado Fabricio Soler, consultor jurídico da ONU e da CNI.
A especialista Isabella Scorzelli está debruçada sobre a elaboração de um guia de implementação de economia circular para pequenas e médias empresas e ressaltou a importância de se conhecer os princípios da economia circular, tais como priorizar a escolha de matérias-primas que sejam o máximo possível renováveis; maximizar o uso do produto, tentar fazer com que permaneça o maior tempo possível dentro do ciclo produtivo para evitar o descarte, e a recuperação dos subprodutos e os resíduos que são gerados nos processos. “Não dá para falar sobre economia circular sem falar da questão dos resíduos pós-consumo, por exemplo”, frisa.
Sobre o consumidor, que está na ponta da cadeia, embora esteja caminhando para uma conscientização, ainda gera muitos resíduos. O Panorama de Resíduos da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) de 2022 diz que 81,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos são gerados por ano, dos quais 39,5% são destinados a lixões e aterros. Isso quer dizer que resíduos que têm valor econômico são desperdiçados e jogados em lugares onde podem trazer diversos impactos ambientais.
“Um dado muito preocupante é que somente 4% são destinados a reciclagem no Brasil. Esse resíduo, que poderia ser um recurso para a indústria e retornar para a sua cadeia, é perdido. Quatro por cento destinados à reciclagem é uma quantidade muito pequena”, observa Isabella Scorzelli, lembrando ainda um estudo da Firjan, no Estado do Rio de Janeiro, apontando que 309 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos são perdidos para o ambiente ou depositados em locais inadequados. A pesquisa estima que, nesse volume, há 61 mil toneladas de plástico, 49 mil toneladas de papel/papelão, nove mil toneladas de vidro e cinco mil toneladas de metais.
“A grande maioria dos nossos processos está baseada na economia linear. Desde a Revolução Industrial nós extraímos, produzimos, consumimos e descartamos. Quem produz não se preocupa com o ciclo de vida do produto pensando em “o que está na ponta? Quais são os insumos de que eu preciso para fazer o meu produto? Como estão disponíveis na natureza? Têm escassez ou não? Como são extraídos? Produzem impacto ambiental?”, observa Isabella.
“Foram décadas e décadas sem se preocupar, inclusive com os resíduos que são gerados. Muitos ainda pensam: ‘eu consumo e, depois, descarto, e está tudo bem’. Na verdade não está tudo bem. É um recurso com bastante valor que poderia ser reinserido na cadeia produtiva, como princípio da economia circular”, afirma Isabella Scorzelli, acrescentando: “Mas hoje a indústria passa por uma série de transformações, inclusive adotando a otimização de recursos, programas de produção mais limpa, normas de qualidade, meio ambiente e segurança. Tudo isso trouxe evolução, mas ainda não foi suficiente para eliminarmos os resíduos ao final do processo”.
Uma das inspirações da economia circular é a natureza, onde os ciclos são fechados. Não há desperdício de material nem de energia. Não são gerados resíduos. É na natureza que precisamos nos inspirar. “Não vamos conseguir necessariamente reproduzir o que é feito em todos os processos. Mas saber desses ciclos em que não há desperdício, em que há uma otimização na gestão de recursos é importante para pensarmos os nossos projetos – Isabella Scorzelli
Ela reitera que economia circular se baseia em fechamento de ciclos. É importante pensar em todo o ciclo ao longo da cadeia produtiva. “Precisamos ver o início, ou seja, de onde estão sendo extraídos os insumos que utilizamos, e o final, percorrendo todas as fases. Gerando mantendo valor. Isso significa que aquele resíduo passa a ser considerado um recurso valioso que pode ser reinserido na cadeia da produção ao pós-consumo. Isso envolve diversas áreas da empresa, a academia, o governo, a colaboração, as parcerias. O consumidor tem um papel fundamental: se ele não retorna esse resíduo para a cadeia, não funciona”.
O segundo convidado a falar durante o webinar foi Diego Iritani, fundador e CEO da Upcycle, empresa de consultoria focada em projetos de economia circular e ESG, com doutorado pela USP. Abriu sua palestra falando sobre a dinâmica do fast fashion: “O conceito de fast fashion é entregar novos produtos constantemente, acelerando o processo de compra. Vemos algo similar em eletroeletrônicos, com ciclos de lançamento de produtos cada vez mais curtos. O grande desafio do fast fashion para quem trabalha com esse modelo vai ter que se reinventar para, se quiser mantê-lo funcionando, criar estratégias para recuperar os recursos. Ou estender a vida útil desses recursos”.
Diego avalia que há vários caminhos para se recuperar o produto em questão. Pode-se, por exemplo, fazer um upcycling ou reciclagem. O que falta nesse modelo é ver o movimento de empresas de tentar trazer de volta esse material. “É isso que segura o mercado secundário: a gente vê o mercado dos brechós crescendo. Eu pego de volta esse produto que pode ser vendido, tem valor e o recupero, estendendo sua vida útil”. Trata-se de um grande desafio para o setor, porque passa, também, por um processo de redesign. Não basta continuar fazendo do mesmo jeito: na hora em que vai para a operação, é comum ter um mix de materiais no produto que não permite que seja reciclado. Isso cria gargalos no processo produtivo.
Não basta oferecer uma operação, por exemplo, a logística reversa: é necessário fazer uma mudança no modelo de negócios, redesenhar o produto para funcionar e gerar valor para a habilitação. Senão, a empresa implementa a logística reversa, pega aquele monte de material de volta e não consegue recuperar por uma questão de mistura de materiais. É necessário ter um processo anterior de entendimento para aumentar essa viabilidade. A transição passa por práticas e estratégias, mas também requer uma mudança de mentalidade – Diego Iritani
Modelos de Negócio e Gestão para a economia circular
Há relatórios que dizem que a economia circular tem o potencial de atingir bilhões, trilhões de dólares em geração de bens e renda e recuperação de valor. Todo esse potencial será explorado quando as empresas começarem a a incluir isso em seu modelo de negócio, toda proposta de valor da organização traz algum tipo de estratégia de economia circular. Companhias que trabalham com foco em recuperação de recursos já têm as práticas circulares em sua essência, já nascem com uma nova lógica: a economia circular é buscar valorizar materiais e mantê-los em uso.
“Um ponto interessante é que as grandes empresas, por preciosismo ou falta de conhecimento, acabam querendo fazer tudo sozinhas, querendo circular o material e voltar para elas mesmas quando, de fato, podem redirecionar isso para outro setor, para outra indústria. É fundamental acelerar essas soluções e conexões, por isso a colaboração é tão importante”, avalia o CEO da Upcycle. “Os três princípios da economia circular divulgados pela Fundação Ellen MacArthur são manter os produtos e materiais em uso, eliminar resíduos e impactos e regenerar a natureza. A lógica na economia circular é muito mais que só fazer a circularidade. É ser capaz de reter valor. Podemos remanufaturar, reciclar, recuperar, fazer um upcycling: existem várias estratégias. A ideia é conseguir reter valor. Na economia linear, a cadeia industrial vai agregando valor ao material, o produto é utilizado e, no pós-uso, ocorre a destruição desse valor. Não há estratégias e processos para mantê-lo”.
Produto como serviço
Durante o ciclo de vida do produto, há modelos que atuam em pelo menos um elo. E há os que atuam em todos, o mais completo, que é o de produto como serviço. Saímos da visão de venda: o foco não é no produto, mas na função. A empresa deixa de vender e passa a alugar, a ter um contrato. “Os atributos de sustentabilidade têm sinergia com a questão de lucro, de rentabilidade. É diferente de ‘se deixar de vender vou quebrar'”.
Insumos circulares
Diego aponta que o modelo focado em insumos circulares é o da empresa que opta por utilizar fontes de energia limpa, materiais renováveis, biodegradáveis e recicláveis. “Temos o exemplo da Terrow que faz isso com embalagens biodegradáveis para delivery. A ideia é utilizar resíduos da agricultura como matéria-prima para substituir embalagens de uso único de plástico. Como a possibilidade de utilizar resíduo de palha de milho, por exemplo, e obter isso como algo que vai voltar para a natureza, que é um dos conceitos-chave da economia circular”.
Extensão da vida útil do produto
Também podemos buscar estender a vida útil do produto no pós-venda. “Ainda estou vendendo, mas posso vender, também, soluções de manutenção, de upgrade, de remanufatura. Esse modelo de negócio oferece ao comprador a possibilidade de estender a vida útil do produto. Pegue os celulares das principais marcas: não existe a possibilidade de reparar. Consertar a tela de um celular é quase tão caro quanto comprar um novo. A Fairphone é uma empresa europeia que oferece smartphones modulares nos quais consigo fazer upgrades em partes deles. Quero melhorar a câmera, troco só a câmera; preciso de assistência na minha tela, troco a tela. As empresas costumam dizer que, se fizerem isso, deixarão de vender. Não. Você aumenta a fidelidade a esse modelo. A pessoa vai continuar comprando as partes para fazer upgrade e continuar comprando o seu produto. Você estreita o relacionamento!”.
Compartilhamento
O modelo focado no uso é o de compartilhamento. Por exemplo, aluguéis de bicicleta. A ideia é fazer um produto robusto para poder compartilhá-lo e mais pessoas utilizarem. “Aqui o foco é ter uma plataforma, aumentar a sensibilidade ao produto. Mais pessoas conseguem ter acesso aos produtos que vão escolher para compartilhar. Você usa sob demanda o quanto quiser e devolve”.
Recuperação de recursos
Quando se olha mais para o fim de vida do produto e buscam-se estratégias para recuperar aquele material, trata-se do modelo de recuperação de recursos. “É o mais tradicional, porque tem a ver com reciclagem, estratégia mais antiga que conhecemos. Nos Estados Unidos, a Nature Coatings é um case bem legal. Eles fazem pigmentos de alta performance a partir de resíduos de madeira, que têm muito menos impacto e, inclusive, podem ser utilizados no setor têxtil. É sem químicos, com menos pegada de carbono. A grande sacada é conseguir capturar um valor que está perdido para oferecer um novo produto, uma nova solução”.
Para todos esses tipos de modelos funcionarem, precisamos muitas vezes passar pelo design: 80% do impacto de um produto é definido na fase do design. Na hora de desenhar o produto eu estou escolhendo as matérias-primas, os processos, se estou facilitando ou não a reciclagem. É importante olhar para o design para conseguir fazer isso funcionar e, de fato, a gente extrair os benefícios e compensar na economia circular – Diego Iritani
As novas tecnologias podem agregar nesse sentido: utilizar os recursos de forma mais inteligente, conseguir encurtar as cadeias, deixando a produção mais próxima do usuário e o usuário próximo da reciclagem. “Não só com a Inteligência Artificial, mas também com a Indústria 4.0, um tema muito importante que o SENAI CETIQT tem colaborado bastante. A Indústria 4.0, por exemplo, trabalha com mini fábricas de customização em massa, de recuperação”, salienta Diego, acrescentando: “Tem muita coisa legal que dá para fazer, inclusive otimizar, com essas novas tecnologias, coleta e análise de dados. Seria interessante termos a I.A. Na hora em que o pessoal está fazendo o design, ela serviria como assistente para dar suporte para melhores escolhas de materiais”.
O advogado Fabricio Soler, especializado em Direito dos Resíduos, Direito Ambiental e Infraestrutura, consultor da ONU e da Confederação Nacional da Industria (CNI) para estudos em resíduos, fez algumas considerações sobre o tema. Para começar, Soler falou sobre a importância de regulação. “Quando falo de uma política, estou apontando princípios, instrumentos, objetivos. São diretrizes para colocar em prática, por intermédio de um marco regulatório, o conceito da economia circular”. A luz no fim do túnel é o pacote para a transição para a economia verde anunciado pelo Ministério da Fazenda: “Isso sinaliza que ações voltadas para a economia circular, dialogando com a gestão e o gerenciamento de resíduos (o que inclui ações visando a não geração, a redução e a própria logística reversa), passam a não apenas ser interpretadas como custo, mas também a ter um olhar fiscal, com tratamento fiscal, isenção de ICMS, isenção de IPI. Um olhar, por parte do governo federal, que busca prestigiar e fomentar mais iniciativas dedicadas à economia circular”.
Grandes marcas da indústria da moda já aderiram à economia circular. Nós precisamos de fomento, precisamos de indução, de estímulo para o setor empresarial. A Confederação Nacional da Indústria fez um estudo sobre economia circular. Curiosamente, aproximadamente 70% dos entrevistados adotavam medidas, ações ou investiam em iniciativas sem saber que eram economia circular. Seja em ecodesign, seja em eficiência, entre outras formas de economia circular, a indústria faz intuitivamente. E se antecipa à regulação – Fabricio Soler
No dia 14 de agosto, houve o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), que investirá R$ 1,7 trilhão nos estados do Brasil para acelerar o crescimento econômico, aumentar a geração de emprego e renda e reduzir as desigualdades sociais e regionais. O Programa fortalece o diálogo e a parceria entre o governo federal, estados, municípios, setor privado e movimentos sociais para um esforço comum em relação a transição ecológica, a reindustrialização e o desenvolvimento com inclusão social e sustentabilidade ambiental.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o Plano de Transformação Ecológica vai muito além da transição energética ou da substituição dos combustíveis fosseis pela energia renovável. “Trata-se de uma proposta que proporciona uma nova maneira de pensar, governar, empreender, viver e agir ecologicamente para que o desenvolvimento econômico e social caminhe de mãos dadas com a preservação ambiental”. As principais medidas do Plano foram também apresentadas no evento, entre elas, a criação do mercado regulado de carbono, a emissão de títulos soberanos sustentáveis, a criação de uma taxonomia sustentável nacional e a reformulação do fundo clima para financiar atividades que envolvem inovação tecnológica e sustentabilidade.
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