SENAI CETIQT: Qual o comportamento de quem ama acessórios diante do cenário que estamos vivendo?


Na série de lives que o SENAI CETIQT tem promovido, o designer Akihito Hira, um dos maiores nomes da moda nacional, especialista da instituição de ensino recebe a designer de acessórios Virginia Assanti para um bate-papo sobre o tema “O mercado de acessórios de moda no novo normal”. O que as pessoas estão usando no home office? Como as empresas estão se adaptando cada vez mais à tecnologia para atender um consumidor consciente e capaz de compreender a moda de forma disruptiva, provocando uma mudança na forma de adquirir produtos? É o reverberar de vozes sobre zero waste, sustentabilidade + consumo consciente e upcycling ressignificando uma forma de comprar e querer saber sobre toda a cadeia produtiva

Os acessórios de moda são a paixão de 10 entre 10 mulheres e homens em todo o mundo. E, na série de lives que o SENAI CETIQT tem promovido, o designer Akihito Hira, um dos maiores nomes da moda nacional, especialista do SENAI CETIQT e que também está à frente de vários projetos de pós-graduação, recebeu a designer de acessórios Virginia Assanti, que cursou Pós-Graduação de Design de Acessórios do SENAI CETIQT, em 2011, para um bate-papo sobre o tema “O mercado de acessórios de moda no novo normal”. Focado, claro, na área de criação de acessórios diante do momento que a gente está vivendo em todo o mundo como reflexo da pandemia do coronavírus.

Com as pessoas ficando em casa durante todo esse período da pandemia, trabalhando em home office ou saindo de casa para serviços essenciais surgiu uma nova inspiração no desenvolvimento dos acessórios? E como as empresas estão se adaptando cada vez mais à tecnologia para atender um consumidor consciente e capaz de compreender a moda de forma disruptiva, provocando uma mudança na forma de adquirir produtos? É o reverberar de vozes sobre zero waste, sustentabilidade + consumo consciente e upcycling ressignificando uma forma de comprar e querer saber sobre toda a cadeia produtiva.

Vamos lá: Após concluir a Pós-Graduação em Design de Acessórios, Virginia foi imediatamente contratada por uma empresa de calçados e bolsas no Rio, seguiu para outra label até que recebeu um convite de uma empresa brasileira para viajar para a China e aprender como funciona o desenvolvimento de produtos à distância. Em seguida, veio o Mestrado e ela está concluindo o seu projeto sobre calçados. “Então, esse papo nos une porque tem relação forte com a criatividade e também o fato de discutirmos o panorama que a gente está vivendo agora”, pontua Akihito, levantando a questão: como está sendo desenhado esse novo cenário relacionado ao comportamento de consumo de acessórios de moda?

“Tenho consumido bastante conteúdo que as pessoas estão gerando sobre o que poderá ser o novo comportamento. Como boa libriana, eu tendo a buscar o equilíbrio e nunca acreditei que ‘agora vai todo mundo ser de tal jeito’. Acho que a diversidade continuará pontuando o comportamento. Os públicos são muito diversos, os segmentos de mercado também. As pessoas já estão repensando a forma de consumir, tanto por uma questão de consciência como por uma questão também de perda de poder aquisitivo. E, por outro lado, eu acho que depois que tivermos uma vacina contra a Covid-19, digamos que uma boa parcela de pessoas vai tentar restabelecer um cotidiano de prioridades nas ruas. A moda é expressão. E a gente faz isso através da roupa, dos acessórios… Eu acho que, sim, a gente vai ter várias pessoas que repensaram o consumir moda, mas  o período como o que a gente está vivendo é atípico. Cada um dentro da sua realidade, com o que já consegue ter de consciência e de informação e se adaptando em uma forma diferente de viver”, pontua Virginia.

Portanto, a questão do consumo consciente, da economia circular, sustentabilidade e zero waste levou Akihito a ponderar sobre a importância de uma configuração diferente em relação a produtos. “Quando se fala do descartável, de um produto que, de repente, seja tão rápido de se consumir, acho que vai sair de moda. Isso tudo vem para reverberar justamente um conceito que já vinha acontecendo dentro do cenário da moda e de toda cadeia produtiva: produtos que tenham um propósito e qualidade. Que a gente entenda, também, todo o processo de desenvolvimento e que as empresas ajam com transparência na elaboração e na criação desse produto. Que ela mostre que não utiliza trabalho escravo, a origem idônea da matéria-prima. Acho bom frisarmos que é uma outra preocupação que a gente tem de colocar aqui para todo mundo que, inclusive, quer entrar nessa área do mundo da criação de acessórios. Para que entenda que este é o cenário. E é o que a gente realmente, de fato, precisa se reinventar e se adaptar também a esse consumidor que, com certeza, vai estar muito mais exigente”.

A designer de acessórios acrescenta que mesmo nos segmentos onde o produto precisa custar menos, pois uma grande parte da população foi impactada financeiramente com a pandemia do coronavírus. Isso é um fato. “No entanto, há ainda quem considere que a variedade é um valor. É muito importante que as marcas, os profissionais saibam entender o próprio público e adequar o discurso. Quando a gente fala de sustentabilidade, ela é abrangente: ambiental, social e financeira. Dentro disso, cada um tem que entender muito do seu público para traduzir o que é valor nos produtos e na comunicação. Mas eu acho que a gente vai ter um ganho de consciência que vai ser coletivo, mas em graus diferentes, e quem tem já um dinheiro mais escasso para adquirir os produtos também já costuma ser bem exigente”, afirma, acrescentando que a qualidade é premissa básica.

E as pessoas que agora estão vivendo muito tempo em casa? Será que esta realidade vai acabar criando ou influenciando no desenvolvimento dos acessórios de moda? Virginia comenta que a moda traduz uma realidade e não é mais uma questão de imposição como um dia pôde ter sido. “A gente já vinha acompanhando um comportamento de uns dois ou três anos para cá, batizado nômade digital, muito mais comum no Hemisfério Norte, no qual as pessoas já têm alguns dias na semana de home office e jornadas flexibilizadas de trabalho nos escritórios. Enfim, gerou um maior conforto nas peças de roupas e nos acessórios. Muitas vezes até nos materiais. E, com a quarentena, esse estilo fez um boom. Porque as pessoas estão em casa. Vemos na internet mil memes de pessoas com pijama. A gente passou a viver outras situações mais inusitadas. No Brasil, então, com a videoconferência sendo adotada com maior intensidade, percebemos como esse novo comportamento da moda mais confortável foi introjetado no home office. Da noite para o dia, muitas vezes, pode até ter sido um pouco traumático para alguns profissionais. Mas é isso. São códigos alterados. É o espaço privado que, de repente, estava aparecendo ali na reunião de trabalho. Você vai colocar um brinco? Tem que estar de relógio e pulseira? Como você vai se expressar de uma forma que é tão específica no trabalho e que agora está muito diferente?”, indaga Virginia.

Esse comportamento que já vinha sendo identificado nos produtos durante as feiras internacionais, bombou, de acordo com Virginia Assanti. Os materiais felpudos, o pelo imitando o da ovelha, os acolchoados e matelassê vieram muito forte e, visualmente, proporcionam um aconchego. “Percebemos profissionais que, muitas vezes, estão de short, sapato confortável, mas de camisa e blazer na tela do computador em videoconferência. Faz sentido, porque a imagem mostra do tórax para cima. É o espaço que a gente tem para se expressar”, frisa.

“E acrescento que todos têm liberdade total de expressão. Se você quer usar um um sapato X, ou um scarpin com salto alto ou baixo em casa se isso vai te satisfazer de alguma forma, perfeito. E vemos com muita força os sapatos mais fáceis de colocar e tirar, os slides, tênis, slipper, aquelas botinhas californianas todas felpudinha, uggs, enfim. Que é o sapato de ficar em casa no frio, digamos. Isso veio muito forte. Muitos estão optando pelo o que é mais confortável, mais leve”, disse ela.

Akihito revela que optou nessa fase pelo ritual de se arrumar todos os dias para o trabalho online como se fosse presencial: “E isso, sei lá, acho que mexe com a minha cabeça, com o meu psíquico de alguma forma. É assim: eu estou comprometido, naquele momento, com o meu trabalho. Isso também acaba criando essa relação”.

Virgínia lembra a realização de grandes feiras de moda e calçados no ambiente virtual. Ela participou do Salão Internacional do Couro e do Calçado (SICC), que com a pandemia causada pelo novo coronavírus e o mundo digital acelerando a expressividade, proporcionou um outro formato de negociações para players das indústrias de calçados, bolsas, acessórios. As marcas brasileiras tiveram um encontro com o varejo especializado para negócios e troca de experiências e informações em um ambiente realizado digitalmente na plataforma eMerkator. Este ano, o evento migrou para o mundo virtual e trouxe as novidades do mercado para lojistas, que puderam acessar todos os lançamentos Primavera-Verão através dos ambientes exclusivos dos expositores com projeção em 3D para navegação e detalhamento dos produtos com materiais especialmente trabalhados para este espaço como fotos, vídeos e catálogos virtuais. Portanto, a fomentação da comercialização do que há de mais inovador e tecnológico no mercado, funcionando como uma ponte entre compradores do Brasil de Norte a Sul e do mundo.

“Ressalto que houve a perfeita conexão com os compradores que em um momento como esse não podiam estar presencialmente. Talvez a gente tenha aí eventos futuros híbridos, em que você tenha expositores físicos e aqueles que vão expor virtualmente. Gente, isso é sensacional! Porque você fomenta o mercado de uma forma muito maravilhosa”, avalia.

Akihito acrescenta que é um entusiasta de tecnologia e o SENAI CETIQT também tem a proposta de investir em tecnologia e a inovação em tudo o que produz, seja em cursos assim como desenvolvimento de produtos em seus laboratórios. “E a questão, também, da prototipagem, que entra justamente no fato de você ter economia no desenvolvimento do seu produto. Assim como você estava falando da questão da presença, do físico, de você ter um recebimento de um fornecedor para fazer uma viagem, ou nós mesmos, para visitarmos feiras e tal, esses modelos digitais, os modelos online também trazem uma grande vantagem para o desenvolvimento de produtos que é justamente essa, a economia. Principalmente num momento que a gente vai viver com escassez”, analisou Akihito.

É a movimentação desse universo digital misturado com o físico. Virginia conta que por parte do desenvolvimento dos produtos, “a gente tem, por exemplo, a impressão 3D. Eu estive em outubro passado numa fábrica de fôrmas de calçados lá no Sul. Eles têm um braço robótico que faz a leitura 3D da fôrma, por exemplo, joga para dentro do software. E ali eles vão fazendo vários ajustes, já acontece a digitalização que fica pronta para que os cabedais sejam desenhados em cima daquele arquivo digitalizado. Os softwares auxiliam muito nesse processo de desenvolvimento. Com custo, com tempo, com assertividade, também. Você consegue ver um pouquinho como vai ser, provavelmente, aquele sapato pronto. Os ajustes na fôrma, que até então podem ser feitos em madeira, em gesso, alguma resina e aí você vai lixando manual, devagarzinho assim. Não que isso vá deixar de acontecer, mas você ganha muita agilidade nesse processo. A prototipagem de saltos para você ter ali pequenas maquetes, que seja, para você ter um visual, uma maquete do sapato… ou de uma peça de bolsa, de uma ferragem de um aviamento. Porque aí você consegue ter uma noção um pouco melhor para quando você for para a matriz, que é de aço… para injeção do material final, você não tem… imagina uma matriz de aço: são milhares de reais o custo para se fazer uma a uma. Isso tudo tem de ser feito de forma mais assertiva possível e a tecnologia traz total isso. E isso é muito fantástico”.

“É o incrível desse mundo. Porque nós, como criadores, temos a necessidade de utilização de diversos materiais, de experimentar sempre. E, com certeza, esse fato de digitalização vai ter uma redução de custos incrível. E a gente vai poder fazer tudo que queremos nesse formato sem agredir a natureza, o nosso bolso, acho que isso também é uma preocupação essencial”, frisa Akihito, acrescentando que todo mundo achava que os livros digitais iam substituir os livros físicos. E a gente hoje ainda tem os livros físicos em total harmonia com os digitais.

Em relação aos aviamentos para acessórios, nesse cenário, o que seria uma tendência? “Sobre aviamento, especificamente para bolsas, eu consegui me desapegar muito daquela história de ver o que as marcas internacionais estão fazendo. “Ah, nessa temporada é o metal dourado. É o ônix, o prata. Isso ainda é importante, eu acho, para direcionar alguns pontos. Mas, no patamar de tecnologia que a gente já chegou, temos os banhos dos metais. Já existem vários banhos diferentes e cores desenvolvidos na indústria, na metalúrgica. Se a minha marca decidir que eu quero um banho ônix, mesmo que todos os desfiles europeus e norte-americanos tenham mostrado muito ouro, eu tenho essa liberdade, porque essa indústria já consegue me atender. Tem alguns direcionamentos como a gente falou sobre o conforto. Muitos produtos, calçados, bolsas, sem quase nenhum aviamento de metal, de ferragem, de fecho. Os furos bem lisos, os materiais mais lisos. Tem uma estética muito do artesanal, também, dos tressés, macramê. E muito amarradinho, laços, cordões, cordinhas. Isso eu tenho visto bastante”, comenta Virginia.

E a mágica da construção desses acessórios? Qual a inspiração para desenvolver uma peça. Com a palavra, Virginia: “Falando de forma para a gente que está atuando no mercado comercial, em que o objetivo maior é a venda do produto por aquela empresa, acho que começa pelo público. Tem que entender o que é valor para ele. O planejamento de algo deve ser voltado totalmente para uma pesquisa de mercado e o que seu público deseja. Eu sempre pesquisei tudo. Você tem que entender em que mundo você está inserido. O Brasil tem proporções continentais, regiões as mais diversas possíveis. As dificuldades existem. Quando a gente fala “pesquisa” parece que é uma coisa muito lúdica. Claro que é, também. Mas não é só isso. Pesquisa também tem dados, tem mercado, tem comportamento, economia, política, sociedade. Tem tudo. Você vai ver quais os canais que têm a ver com a sua marca, com o seu público que são confiáveis, fontes de informação confiáveis que você pode beber daquela informação para ser mais assertivo”.

Ela diz ainda que dentro desse panorama, vem a parte criativa, que pode ser mais lúdica, pode ser mais conceitual ou, de repente, vai ser mais comercial, dependendo da identidade da marca e do cliente. “Que tipo de sonho, que tipo de lúdico ou de conceito tocaria ele nas camadas mais profundas porque a gente lida com desejo, ainda mais no acessório. As últimas pesquisas que eu fiz e estou fazendo ainda mostram que calçados e bolsas ainda são uma compra de impulso. A mulher passa na vitrine, ela ama e ela compra”, constata Virginia.

E o SENAI CETIQT também investiu em um curso de Criação de Acessórios de Moda, que está sendo realizado esta semana, com foco em adornos e bolsas com a consultoria de Virginia Assanti. “É um curso justamente para dar acesso à criação de acessórios. Tem o conteúdo mais técnico relacionado aos adornos e às bolsas, que é importante saber. E, ao mesmo tempo, uma atividade proposta para ser uma experimentação”, disse Virginia, ressaltando que o universo dos acessórios é maravilhoso. “No Brasil, a gente tem um potencial muito grande de crescimento do mercado. O país tem uma vocação bem bacana e eu acho que o acessório ainda tem muito para crescer. Eu sou suspeita, né? Se deixar, eu chamo todo mundo para esse lado da força aqui da criação de acessórios”, brinca.